O direito fundamental de greve

A Constituição Federal de 1988 foi bastante fértil em se tratando de direitos fundamentais.  Criou um título específico, o Título II, que compreende do artigo 5º ao artigo 17, para tratar “dos direitos e garantias fundamentais”, dividindo-o em cinco extensos capítulos, que tratam dos “direitos e deveres individuais e coletivos”, dos “direitos sociais”, “da nacionalidade”, “dos direitos políticos” e dos “partidos políticos”.  O rol dos direitos fundamentais assegurados expressamente é, portanto, muito extenso, compreendendo-os em suas diversas gerações e dimensões.

Assim, a Constituição Federal preocupou-se em assegurar os direitos de liberdade, oponíveis ao Estado, como garantia contra o arbítrio e o abuso do poder político, os direitos de igualdade, tendentes à vinculação e obrigatoriedade para com prestações positivas do Estado à sociedade, objetivando a redução das desigualdades sociais em busca da igualdade jurídica e social, os direitos de participação, que envolvem a necessária contribuição do povo à formação da vontade e das decisões do Estado Brasileiro de uma forma geral, e ainda direitos chamados de “terceira geração” ou “terceira dimensão”, típicos da preocupação com valores como a paz, a solidariedade e o desenvolvimento.

Na evolução constitucional brasileira, a Constituição de 1988 foi a primeira a assegurar expressamente o direito do servidor público à sindicalização e à greve. Ao fazê-lo, situou-o como direito fundamental social, garantia coletiva, nos termos do art. 9°.

Especificamente sobre o tratamento jurídico-constitucional da greve, José Afonso da Silva logo assinalou:

"[…] não é um simples direito fundamental dos trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional, porque funciona como meio posto pela Constituição à disposição dos trabalhadores, não como um bem auferível em si, mas como um recurso de última instância para a concretização de seus direitos e interesses.
[…]
[…] a lei não pode restringir o direito mesmo, nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devam ser defendidos. Tais decisões competem aos trabalhadores, e só a eles (art. 9º).
[…]
Quer dizer, os trabalhadores podem decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou greves de protestos. Também não há mais limitações quanto à natureza da atividade ou serviços, como no sistema revogado, que vedava greve nas atividades ou serviços essenciais. A esse propósito, só cabe à lei definir quais serviços e atividades sejam essenciais e dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º). O que se espera, como sempre aconteceu, é que os próprios trabalhadores promovam o atendimento dessas necessidades inadiáveis da comunidade, até para não tê-la contra si.
[…]
Finalmente, os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei (art. 9º, § 2º)" (2005, p. 304-305).

Na mesma linha de entendimento, o direito de greve já foi situado como uma das manifestações constitucionais do direito de resistência:

"O direito de greve, conquista histórica dos trabalhadores de todo o mundo […] também constitui uma manifestação do direito de resistência.  Afinal, a greve é um instrumento coletivo de que dispõe o trabalhador, cabendo tão somente a ele decidir sobre quais interesses devam ser defendidos através dela.
Na prática, as greves são deflagradas em movimentos de reivindicação por melhores salários, melhores condições de trabalho, em busca do atendimento e da efetivação das normas do artigo 7º da Constituição, o que por si só já se pode chamar de direito de resistência, uma vez que, ao paralisar o serviço, está-se resistindo à opressão patronal, que desrespeita os direitos humanos dos trabalhadores que deliberaram pela greve, mais especificamente os chamados direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão.  Nesse sentido, o exercício da greve simboliza resistência da classe trabalhadora à opressão patronal […]
Mas não é somente isso.  Foi bastante comum no final do período de ditadura militar (fim da década de 70 e início da década de 80) e nos Governos Sarney e Collor a prática, por trabalhadores organizados em sindicatos, em todo o país, das famosas “greves gerais”, em protestos genéricos pela redemocratização do país e pelas eleições diretas, contra a política econômica, contra os baixos salários, contra os desmandos administrativos e contra a corrupção, entre outras pautas.  Os conservadores de plantão não perderam tempo e logo rotularam essas greves de “políticas” e de ilegais, por não possuírem um conteúdo especificamente decorrente da relação de emprego, e argumentaram que os empregadores não podiam ficar privados da prestação dos serviços por conta de movimentos reivindicatórios contra o Governo.
Esquecem-se porém de que as chamadas “greves gerais” possuem assento constitucional, porque, como já frisado anteriormente, na linguagem constitucional somente aos trabalhadores compete decidir sobre que interesses devam ser defendidos pela greve.  E se os trabalhadores, reunidos em Assembléias, deliberam livremente pelo uso da greve como instrumento de luta pela democracia e de protestos contra a opressão dos detentores do poder, ninguém, a teor da Constituição, poderá impedi-los disso (a não ser o Poder Judiciário, no controle da legalidade dos procedimentos e quanto aos limites da greve, não com relação ao seu mérito), configurando-se exatamente aí outra manifestação constitucional do direito de resistência.
O exercício do direito de greve – direito fundamental – traduz-se, nesse modalidade, em exercício da resistência política, manifestação da cidadania contra os abusos do poder político, “controle social do poder”, na linguagem de Carlos Ayres Britto."  (MONTEIRO, 2003, p. 150-153).

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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