A Igreja católica, que deu marca aos descobrimentos – a cruz – deu nome de santos aos lugares e tomou diversas medidas de redução e controle das populações indígenas – missas, catequese, aldeamentos, freguesias – elaborou um discurso moral, recitado pelos predicadores das várias confissões de fé, notadamente os jesuítas. Os padres e frades cumpriram, tanto na América quanto no Brasil, um ministério que selou uma influência profunda e permanente na nascente sociedade novomundista. A ação pastoral da Igreja refletia-se nos ritos e nos sacramentos: o padre batizava, crismava, dava a primeira comunhão, casava, abençoava a família, consolava na doença e dava extrema unção, encomendava na morte e rezava missas de pêsames, estabelecendo uma relação de intimidade, aprofundada no confessionário, onde as pessoas desfilavam suas intimidades e expiavam seus pecados, indulgenciados por orações.
O modo de vida dos indígenas, anotados e difundidos por cronistas e viajantes, em nada guardava as formas de organização social e familiar de Espanha e Portugal. No aspecto religioso era ainda maior a diferença. Os catequistas e predicadores fizeram grandes esforços no sentido da aprendizagem da língua geral e das diversas expressões da fala dos indígenas, tomando-as como veículo de difusão da história sagrada, resumo literário e pedagógico do Catolicismo a ser propagandeado, motivando uma civilização nova. Cada religioso, no entanto, guardava e portava sua língua própria, originária de sua terra natal, recheada de repertórios culturais, com a qual estabeleceu um contato próximo, que responde pela convivência possível em muitas partes do Brasil. Várias línguas, desde a portuguesa, mesclaram a cultura nos primeiros tempos da colonização. A religião, que tinha o latim como idioma oficial, sabia conviver com o espanhol e com os demais idiomas circulantes em núcleos de aventureiros e de colonos, e nos aldeamentos que reduziam os indígenas pela catequese ou pela força das armas.
O capítulo da família era prioritário na ação dos religiosos, mesmo quando eles próprios adotavam a promiscuidade local e se tornavam varões procriadores. Na Visitação inquisitorial, no final do século XVI, a Igreja reforça seu magistério, censurando leituras, hábitos, costumes judaicos, condenando o sexo livre. Mesmo condenando o sexo entre também entre os brancos europeus e as negras ou solteiras, a Inquisição encontrou vários casos, tanto na Bahia, que incluía Sergipe, como em Pernambuco. Havia, como viu o inquiridor, comunização de mulheres nas Santidades, ajuntamentos que reuniam indígenas, negros, colonos, homens e mulheres. Gonçalo Francisco, em 1595, parecia refletir o estado de coisas que acontecia no Brasil, dizendo: “Quem não dorme com mulher neste mundo, dormem com ele os diabos, no outro.”
O papa Gregório XIII reforçou o que seus antecessores tanto defenderam. Diz ele, em 25 de janeiro de 1585: “Como ocorre freqüentemente que muitos infiéis de um e do outro sexo, sobretudo varões, procedentes de Angola, Etiópia, Brasil e outras regiões das Índias, depois de haver celebrado casamento em rito gentil (indígena), presos pelos seus inimigos, são levados fora da pátria à regiões muito remotas e separados dos seus próprios cônjuges, de tal maneira que tanto eles como os que permanecem cativos na pátria, se depois se convertem à fé, não podem perguntar aos cônjuges infiéis separados por tanta distância se querem viver com eles, como devem, sem injuria do Criador, bem seja porque à razão não podem nem sequer chegar mensagens àquelas hostis e selvagens nações, bem porque ignoram em absoluto a que regimes foram levados, ou porque o tempo de viagem engendra uma grande dificuldade. Nós, tendo em conta que ditos casamentos celebrados entre infiéis são certamente verdadeiros, porém não firmes até o ponto que, aconselhados pela necessidade, não possam dissolver-se, e compadecendo-nos com misericórdia de pai da fraqueza dessas gentes, com autoridade Apostólica e com as presentes letras concedemos a todos e a cada um dos Ordinários e párocos dos ditos lugares, e aos sacerdotes da Companhia de Jesus aprovados pelos seus Superiores para ouvir confissões e enviados a ditas regiões e admitidos nelas, plena faculdade de dispensar aos fiéis de um e outro sexo que habitando as tais regiões contraíram casamento antes de receber o batismo e mais tarde se converteram à fé, para que qualquer deles, vivendo o conjugue infiel e sem pedir o consentimento, ou sem esperar sua resposta, possa contrair casamento com qualquer fiel, ainda que seja de outro rito, solenizado na face da Igreja e permanecer licitamente enquanto vivam, consumando-o depois por meio da cópula carnal; sempre que conste, mesmo sendo sumária e extrajudicialmente, que o conjugue ausente, como se tem dito, não pode ser legitimamente interpelado o que, havendo sido, não manifestou sua vontade dentro do prazo fixado na mesma interpelação; decretamos que estes casamentos jamais devem rescindir-se, mas que sejam sempre válidos e firmes e legítima a prole que deles se tenha, mesmo depois se averigúe que os primeiros conjugues infiéis não puderam manifestar sua vontade por justo impedimento, e que também se já se haviam convertido quando se celebrou o segundo casamento.” (Constituição de Gregório XIII – Populis).
A visita do Inquiridor ao Brasil, na Bahia e em Pernambuco, reforçou todos os textos dos diversos Papas referentes ao casamento indígenas e aos demais modos de convivência entre aqueles que eram, então, considerados infiéis, como os indígenas e os negros. A defesa da constituição da família representou um grande esforço da Igreja católica, ainda hoje mantido.