Os meses se passavam e a canoa já começava a brotar do tronco descansando ao lado de sua casa, o que só aumentava a ansiedade do menino. Uma noite, o avô passou por lá e o chamou para irem até o rio. Ele deu um salto e correu sem nem mesmo pedir permissão aos pais: o avô talvez fosse lhe mostrar o tal farol! Talvez ele estivesse escondido nas matas às margens do rio e só fosse possível vislumbrar sua luz, ligada apenas à noite.
Alegre, meteu-se na canoa do avô. Remaram calmamente até muito longe do povoado. Em um ponto qualquer, que ele não sabia identificar, pararam de remar. A lua iluminava-os e seus olhos não paravam de buscar a luz de um farol que singrasse a mata e fosse iluminar ainda mais o céu daquela noite clara. O avô finalmente quebrou o silêncio:
– Quando a gente tem liberdade para escolher por quais águas navegará nossa canoa é preciso ter a mente muito limpa e o coração aberto, para fazer a melhor escolha. Porque, meu filho, não há nenhum caminho errado, mas cada caminho é diferente. Há águas que são traiçoeiras, parecem calmas, mas de repente se transformam em um rio de corredeiras fortes e é difícil sair delas. Há águas que são tranquilas, que nos ajudam a remar. Há águas difíceis, mas que nos levam a lugares muito lindos. É preciso saber escolher. E há uma imensa responsabilidade nisso, entende? Porque você será o responsável pelos seus caminhos, e não mais os seus pais, até que um dia você seja responsável pelo caminho dos seus filhos e depois, eles se tornem responsáveis por si mesmos, num ciclo infindável da vida. Quando a gente encontra o farol e se deixa guiar por ele, tudo isso acontece de uma maneira maravilhosa. Mas é preciso escolher se deixar guiar.
O menino ouviu tudo em silêncio, tentava entender aquelas palavras maravilhosas que o avô dizia com tanta amorosidade, porém não estava bem certo de que conseguira compreender. Ainda não conseguira ver farol algum e estava um pouco amedrontado de jamais conseguir encontrá-lo. Nunca tinha pensado que ter uma canoa era assumir uma responsabilidade tão grandiosa como lhe explicava seu avô. E teve medo de não conseguir navegar sozinho. Sentia vontade de fazer milhares de perguntas ao avô, mas achava que seria muito inapropriado. Ainda assim, deixou escapar a pergunta que ardia em sua boca:
– Vô, mas a gente navegou tanto o rio hoje, e eu não vi nem sinal de farol algum. Como é que eu vou encontrar esse tal farol? – agradeceu por ser noite e seu avô não poder ver que sua face estava completamente vermelha de tanta vergonha de ter que perguntar aquilo que um quase adulto como ele já deveria saber.
– Às vezes é preciso olhar de novo para um mesmo lugar para ver as coisas que estão lá – respondeu em sua voz mansa.
O menino desentendeu por completo aquela história! Queria se recusar a crescer, queria ser para sempre menino e não ter que escolher coisa alguma, tampouco ter que achar farol ou o que quer que fosse. Estava cansado de tudo aquilo e adormeceu na canoa na viagem de volta para casa.
Os meses, para ele, passaram rápido demais depois dessa última conversa com o avô. Era véspera de seu aniversário de treze anos e todos estavam animados com a festa que se preparava. Ele, entretanto, se sentia tão ansioso que não saberia dizer se estava feliz ou triste com aquilo. Ainda não encontrara farol algum e não sabia o que aconteceria se não encontrasse um.
Foi acordado no dia seguinte com um beijo animado de sua mãe. Quando abriu os olhos viu que, além da mãe, o pai e os irmãos também estavam ao redor de sua cama, afinal, era seu aniversário de 13 anos. Gostaria de poder esquecer-se disso. Recebeu beijos e abraços, presentes, bons desejos, um café da manhã especial. Sentia-se estranho, como se não merecesse nada daquilo, como se tivesse falhado em alguma coisa e estava pronto a gritar para todos: eu não mereço, eu não achei o farol! Queria se livrar de tudo aquilo, acordar e descobrir que era só um pesadelo. Mas já havia acordado e estavam todos lá sorrindo para os seus treze anos.
Durante todo o dia, todas as pessoas do povoado foram até sua casa para parabenizá-lo. Fazia parte do ritual levar até o novo homem desejos de que coisas boas lhe acontecessem dali por diante, levavam algum presente, alguma coisa que trouxesse boa sorte para o aniversariante, abraçavam-lhe e diziam coisas bonitas, comiam alguma coisa oferecida pela dona da casa e iam embora. Muitos levaram flores para enfeitar sua nova canoa, doces para adoçar sua vida e pedras brilhosas que tinham seus diversos significados.
Ele recebia tudo muito feliz de saber que todos se importavam tanto assim com ele, embora, ao mesmo tempo, se achasse pouco merecedor de tudo aquilo e tivesse receio de ter que devolver tudo no dia seguinte dizendo a cada uma daquelas pessoas: sinto muito, mas eu não achei o farol. Seria a máxima humilhação. E se realmente não achasse o farol, que lhe aconteceria? Ainda tinha algumas horas…
O avô foi o último a chegar, quando o dia já ia terminando. Abraçou forte o neto:
– Meu filho, agora você tem sua canoa e todos já lhe encheram de boas palavras. Vá abrir as portas do mundo, homem, e preste atenção em seus caminhos!
Disse tudo com a voz embargada e os olhos marejados de ver seu neto de repente tão homem. Abraçou-o novamente e foi ajudar o filho a levar a canoa até o rio. Vários homens da família e da vizinhança vieram ajudá-los. Ele seguia atrás da canoa, apenas observando. A mãe se debulhava em lágrimas, orgulhosa de ver seu primeiro filho tornar-se gente crescida, responsável por sua canoa. Os irmãos menores faziam festa com as outras crianças.
A sua canoa tocou pela primeira vez a água do leito do rio, cheia de flores e levada pelas mãos de tantos homens que vieram antes dele. Os pais lhe entregaram os remos e ele entrou com as pernas bambas de medo. Antes de empurrar a canoa, o avô lhe entregou uma carranca para a proa da canoa: para espantar as coisas más, disse-lhe.
Ele não estava bem certo de qual caminho deveria escolher, de repente o rio lhe pareceu tão vasto e ele tão pequeno. Mas sentia que já não havia volta, apontou a ponta da canoa em uma direção e remou. As palmas e a gritaria do povo à margem foram ficando distantes. A noite chegava devagar, escurecendo o leito do rio e apagando a luz de seus olhos. E já não via nada diante de si e quase se deixou tomar pelo pavor extremo de estar sozinho remando para um lugar desconhecido, sem saber como voltar para casa.
Antes que isso acontecesse, lembrou-se que o avô o abençoara e lhe dera uma carranca, que a mãe acreditava nele e o pai construíra aquela canoa só para ele, todas as pessoas do povoado tinham lhe desejado coisas boas e lhe dado aquelas flores que perfumavam a noite. Não era mais um menino, afinal, e, como lhe ensinara o avô, havia uma imensa responsabilidade em remar uma canoa no rio. Quando se lembrou de tudo isso, finalmente deixou o coração se alegrar por estar sozinho em sua embarcação, como sonhara por tanto tempo. Parou de remar e sentiu a brisa no rosto e o cheiro bom que vinha das flores, do rio e das margens. Deitou-se no fundo da embarcação e viu que o céu estava coalhado de estrelas de vários tamanhos. A água fazia um barulhinho bom batendo no casco da sua canoa e ele sentia-se protegido. Seria capaz de escolher um caminho.
Ainda deitado, viu o céu iluminar-se com um feixe de luz muito forte. A faixa de luz circulava no céu, lambendo as estrelas, iluminando as árvores, para depois sumir e reaparecer. O homem levantou-se alegre e, sentado na canoa, viu um farol à margem do rio.
Leia as colunas anteriores:
O Farol – Parte I
O Farol – Parte II