O fetiche do sapato

Ainda ontem me vi presa num dilema que pode soar bastante trivial: eu deveria ou não usar um salto para a foto da formatura? Provavelmente a maioria das meninas contaria com alguns centímetros a mais e eu, se quisesse manter nossas estaturas condizentes com a realidade, teria que compensar calçando um salto também. Mas a verdade é que faz tempos que troquei o desconforto deles pela estabilidade de calçados rasteiros, inclusive em ocasiões ditas “formais”. Seria essa a minha exceção?

Solas vermelhas do Louboutin atraem homens e mulheres (foto: reprodução)

Christian Louboutin, venerado pelos seus sapatos (altíssimos) de solas vermelhas, deixa bem claro que o seu negócio não é o conforto, não é o sapato utilitário. Em entrevista à Vogue inglesa, ele até arriscou um palpite na tentativa de explicar porque as mulheres sofrem, mas não abandonam o salto. Ele acredita que o desconforto é balanceado por outras coisas que estão relacionadas ao desejo, a mulher sente-se confiante, consciente do próprio corpo. Já em declaração à “The New Yorker” ele afirma, sem nenhum pudor, que as mulheres experimentam os sapatos e olham os seios, observam a si mesmas e, se gostarem de como estão, consideram até o sapato.

Há alguma verdade no que ele afirma. Basta reparar clientes numa loja. Calçamos o salto e passamos vinte minutos em frente ao espelho. Nos olhamos de todos os ângulos e a atenção não é só para o sapato. Estamos interessadas em nós mesmas. Aprovamos a nossa postura. Nos sentimos confiantes.

Os problemas começam fora dos limites do centro comercial, onde o espelho não nos persegue. Começa, então, a atuação. Sorrisos, passos confiantes, mas comedidos, tudo para esconder a dor, o desconforto. Todas as mulheres se olham e sorriem. Elogiam o sapato e fingem não saber que aquela dor não é natural. Natural é usar salto no casamento, na formatura, na noite com os amigos. E essa história de calçar um salto vertiginoso só por convenção me deixa deprimida.

Faz sentido usar um sapato no qual você mal consegue se equilibrar? É realmente mais elegante passar a festa inteira descalçando o salto de tempos em tempos para aliviar a dor? Não é melhor curtir a noite do que ficar se aporrinhando com o desconforto?

As bailarinas sempre dizem dançar com a alma, dançar por amor. No palco e nos ensaios elas rodopiam, se contorcem e fazem esforços absurdos sem o menor vestígio de sofrimento. Acredito que se equilibrar num salto requer a disciplina e a delicadeza de uma bailarina que sempre mantém sua postura graciosa. É, apenas, questão de disposição.

E os homens também gostam de saltos. Gostam de ver as mulheres de salto. Louboutin, aliás, já disse em entrevista que faz sapatos altos para eles que ficam como touros diante da sola vermelha. Fiquei na dúvida e fui tratar com os homens que conheço. Um deles diz achar que a mulher fica mais mulher de salto. Outro acha bonito, mas guarda suas ressalvas, depende da situação, do sapato, depende de tudo. E há sempre os que preferem mulheres de havaianas.

Eu não resolvi meu dilema, mas comprei um salto. Não pela foto, muito menos por convenção, comprei porque há tempos um sapato não me ganhava assim, completamente. Comprei um sapato e experimentei com cada uma das minhas roupas, tirei fotos, fiz combinações. E como tudo é uma questão de disposição, pode haver dias em que eu esteja disposta a usar o tal do sapato em vez de um all star.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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