O Fundo de Participação dos Estados

O Brasil é um país desigual. As desigualdades existentes são multifacetadas: sociais, regionais, de gênero, raciais. Interessa ao presente comentário o desequilíbrio federativo, que resulta das enormes disparidades que, por razões históricas, apresentam-se em nossa Federação, fazendo das regiões Sul e Sudeste mais desenvolvidas e com melhores indicadores sociais, enquanto as demais regiões apresentam um quadro de maior pobreza e menor desenvolvimento.

Essa realidade não passou despercebida pela Constituição de 1988, que inclui a redução das desigualdades regionais como princípio fundamental de nossa organização política, prevendo também diversos mecanismos com que tornar efetivo esse programa constitucional.

Com efeito, diz o Art. 3° da Carta Política de 1988:

Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(…)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Para dar conta desse objetivo fundamental, a própria Constituição prevê os seguintes instrumentos:

a) é competência legislativa da União dispor sobre planos e programas regionais e setoriais de desenvolvimento (Art. 48, inciso IV),que devem ser elaborados em consonância com o plano plurianual (Art. 165, § 4°);

b) o Congresso Nacional deverá atribuir a alguma de suas comissões competência para “apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer” (Art. 58, § 2°, inciso VI), bem como exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária (Art. 166, § 1°, inciso II);

c) a redução das desigualdades sociais é um dos princípios da atividade econômica (Art. 170, inciso VII);

d) as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, a ser estabelecidas em lei, devem incorporar e compatibilizar os planos nacionais e os planos regionais de desenvolvimento (Art. 174, § 1°);

e) os recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como os recursos de saúde dos Estados destinados aos respectivos Municípios devem objetivar a progressiva redução das disparidades regionais (Art. 198, § 3°, inciso II);

f) o orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento de suas empresas terá como uma de suas funções “reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional” (Art. 165, § 7°);

g) como instrumento de sua atuação administrativa, a União poderá instituir “regiões”, para o fim de articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, “visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”(Art. 43).  Essas regiões poderão receber os seguintes incentivos: “I – igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; II – juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; III – isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; IV – prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.”;

h) repartição de receitas tributárias, de modo a efetuar uma verdadeira redistribuição de recursos federais, em proveito das unidades federativas que carecem de maior desenvolvimento econômico. Nesse sentido, pertencem a Estados, Municípios e Distrito Federal parcelas de tributos instituídos e cobrados pela União (exemplos: imposto de renda retido na fonte pertence aos Estados, Distrito Federal e Municípios, 50% do imposto sobre a propriedade territorial rural pertence ao Município relativamente aos imóveis nele situados) (Arts. 157 e 158).

i) Além disso, a União deverá obrigatoriamente entregar parcelas significativas de sua arrecadação com imposto de renda e com imposto sobre produtos industrializados para compor o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios (Art. 159, incisos I, “a”, “b” e “d” e II), bem como “programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer” (Art. 159, inciso I, “c”). Finalmente, a União também deverá entregar a Estados e Distrito Federal 29% (vinte e nove por cento) do que arrecada com a contribuição de intervenção no domínio econômico (Art. 159, inciso III).

O presente comentário, que será dividido em partes, terá como objeto exatamente o acima citado Fundo de Participação dos Estados (FPE), no contexto aqui inserido (instrumento de redução das desigualdades regionais).

É que, ainda de acordo com a Constituição (Art. 161, inciso II), cabe à lei complementar estabelecer normas sobre critérios de rateio dos recursos do FPE, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios.

A Lei Complementar n° 62, de 1989, que regulamentou a matéria, teve dispositivos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (em 24/02/2010 – ADI 875, ADI 1.987, ADI 2.727, ADI 3.243), exatamente por não atender ao objetivo de promoção do equilíbrio sócio-econômico entre Estados. Isso porque levou em consideração médias de distribuição desses recursos nos dez anos anteriores, além do que os dados da realidade sócio-econômica atual, a toda evidência, não eram mais os mesmos daqueles existentes no ano de 1989. Além disso, a Lei Complementar n° 62/1989, ao invés de fixar normas de rateio, estabeleceu, ela mesmo, os índices do rateio, sem definição objetiva dos critérios que pudessem ser dinamicamente atualizados em decorrência das transformações da realidade sócio-econômica (por exemplo, critério populacional).

Tendo em vista que a declaração de nulidade dos dispositivos da Lei Complementar n° 62/1989 declarados inconstitucionais geraria prejuízo enorme à Federação, ante a imediata falta de base legal para a distribuição dos recursos do FPE, o STF modulou os efeitos de sua decisão, para garantir a eficácia da LC n° 62/1989 até 31 de dezembro de 2012.

O Congresso Nacional, porém, nesses dois anos, não conseguiu concluir a elaboração da nova lei complementar que atenda aos objetivos constitucionais. Em 01 de janeiro de 2013, a LC n° 62/1989 não mais estava em vigor, não mais possuía eficácia. Esse quadro, evidentemente, gerou enorme preocupação, ante a necessidade de recepção de recursos do FPE, sobretudo por Estados do Norte e do Nordeste, em muitos dos quais o FPE é a principal fonte de receita.

Continuaremos esse comentário na próxima semana, para abordar as providências que já foram adotadas na tentativa de solução desse delicado e grave problema institucional, que repercute em toda a Federação, incluindo a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 23, pelos Governadores dos Estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco, na qual já houve decisão provisória do Vice-Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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