O povo quer mudar de Presidente.
Digo o povo, não o povão, aquele que vive lutando para sobreviver.
O povo que quer trocar de Presidente é aquele segmento falante, que não só sabe formar opinião, como a impõe à massa amorfa, que pouco entende e compreende o que se fala e o que se diz.
Alguns bem festejados formadores de opinião, em goles lautos de bom vinho gaulês, arrotam tratar-se de um golpe encetado pela burguesia.
Nos seus degustes consumistas, não se veem inseridos já, e de longas datas, nesta mesma burguesia.
Que é a burguesia, senão a classe média, aqueles cuja renda não se encontra dispensada pela Receita Federal, com menor ou maior alíquota?
Nos tempos atuais, quem paga imposto de renda, já é burguês embora não se creia assim.
Aliás, e diga-se em adição, que ninguém se crê burguês. Burguês é sempre o vizinho.
Daí “épater le bourgeois”, chocar a burguesia, fazer troça com a classe média.
“Épater le bourgeois” foi o grito de intelectuais do século XIX, com Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e Oscar Wilde, gente que se inspirava no haxixe, ópio e absinto, num tempo em que era vergonhoso e até criminal dar o “derrière”.
Hoje, dar o “derrière”, entre outras permissividades, é suprema liberdade; um regalo, um deleite, uma iguaria recomendada a todos os que dispõem pênis enrijecidos, e só a estes, por melhor utilização regalar, porque se pode permuta-lo, em trocas mútuas sem violência, por insuperável gozo e mais digna serventia.
Hoje, os homens, que terrível!, todos os homens são convidados a partilhar seus fiofós. E as mulheres são instigadas a conhecer variegada formatação dos falos da sua circundância, na cama, na lama ou no divã. E tanto no “devant” quanto no “derrière”, aí também incluído por destino sem desatino, orgulho de vidas devassas e libertinas.
Hoje, nada disso iria suscitar a criação de Henry Miller nem a do Marquês de Sade, porque hoje tudo é bom e considerado bem válido.
Ou seja, restou apenas “pour épater le bourgeois” a sua utilização trespassada enquanto saudosismo ideológico de velhos comunistas que não se veem apodrecidos e sem fertilidade.
São pessoas que não tiveram a felicidade de viver sob o arbítrio totalitário, e teimam em pregar a regulação estatal, enquanto saudosistas stalinistas.
Para estes indivíduos, elementos que não se contemplam danosos nem perigosos, o impeachment é um golpe da burguesia, entendida e debulhada como um segmento hipotético e aristocrático, conjunto de inimigos do povo, que o expolia, uma gente que teima em existir, mas que é um quisto a extinguir, por sua missão enquanto festejado opinante.
Diferente desta pregação retrógada e autoritária, vejo o nosso impeachment como um mecanismo constitucional ensejador de golpes; sempre!
Chego a dizer que se trata de um mecanismo irresponsável por causador de crises.
E no caso atual a crise é bem maior, mostrando que a nossa Constituição Cidadã esta á instituir a plena anarquia, com o conflito de todos os Poderes constituídos, à espera de um golpe saneador de iniciativa ampla e popular; um Dezoito de Brumário, seja ele trágico ou burlesco.
O golpe atual, todos o sabem, é fruto do mau momento econômico que vivemos.
E culpa-se apenas a Dona Dilma, que sai séria, respeitada, mas menosprezada por odiada.
Dilma, porque não se fez amada nem temida, restou odiada e vai cair, com ampla pancadaria de corredor polonês.
Todos se lhe faltarão neste momento; aliados, oponentes e até juízes que se pensavam seus aliados.
E por que vai cair? Porque faltou povo!
O mesmo povo que faltou a Pedro II e suas barbas tranquilas, a Getúlio Vargas que saiu da história decepcionado com tanta covardia, e outros como Jânio Quadros e até Fernando Collor, considerado ainda o maior corrupto banido sem crime.
Dilma vai cair para fazer companhia a Collor como segundo presidente impichado de uma série que continuará.
Todos o querem assim, desde que se mantenham os mandatos de Deputados e Senadores, e estendida a vitaliciedade do Supremo Tribunal. O resto é conversa fiada das urnas.
A urnas de nada valem. O que vale é se o eleito tem bom jogo de cintura para conseguir se equilibrar no fio da espada bem amolada do Parlamento.
Pudesse o executivo ter a força de convocar a nação para renovar os mandatos congressuais, o impeachment não seria um golpe rotineiramente repetido, com ou sem causa, com ou sem crime.
A novidade de agora; é notável! Há impeachment para os governos tidos de direita e reacionários, mas há também impedimento de governos tidos de esquerda, bom amigo do povo e progressista.
Neste campo progredimos; a discussão não se restringiu à hemiplegia ideológica.
O povo, como besta abestada, restará indiferente; ninguém matará, ninguém morrerá também, e todos se salvarão em boa saúde.
Faltou, isso por hora ainda. Faltou, não o samba “Vai passar” de Chico Buarque, mas o samba “Já passou,… e não deixou saudade”.