O Julgamento e a Paixão de Jesus I

O Julgamento e a Paixão de Jesus I*

 

* Artigo contido no meu livro “Despercebido…,mas não indiferente” .lançado em 2005e à disposição dos leitores até o limite do estoque, mediante solicitação e sem qualquer custo

 

Afirmando que só na primeira metade do século XX, cerca de sessenta mil livros foram escritos sobre Jesus (Carmichael, The Death of Jesus (1966), pp. 9-10) em contraste com o restrito número de trabalhos abordando o seu julgamento, o Ex-Presidente da Suprema Corte de Justiça de Israel, Dr. Haim Cohn, resolveu apresentar uma visão crítico-jurídica deste julgamento. Desta apreciação, surgiu em 1967 o livro REFLECTIONS ON THE TRIAL AND DEATH OF JESUS, publicado em português nos idos de 1990 pela Imago Editora do Rio de Janeiro, com o título O JULGAMENTO DE JESUS, O NAZERENO.

 

Segundo Cohn, “nenhum julgamento serviu como o de Jesus para uma negação tão insistente, obstinada e tão acatada de que foi um erro judicial e deu margem a um crime político”, assim o seu interesse não se prende ao significado teológico – as fontes sagradas – nem ao sentido histórico – as fontes factuais. Interessa-lhe apreciar a questão a luz  das fontes jurídicas comprovadas como o “Direito Romano e as leis judias vigentes à época do Segundo Templo”.

O Dr. Haim Cohn afirma que os judeus não condenaram Jesus.

 

Sabe-se que nenhum julgamento teve tanta influência na história da humanidade como o de Jesus. Por conseqüência imediata, a morte na cruz do Nazareno ensejou dois milênios de ódios ao povo judeu com o massacre intolerante de muita gente inocente. Agora mesmo, por conta da exibição do polêmico filme “A Paixão de Cristo” de Mel Gibson, os comentários da imprensa insinuam a possível reabertura desta ferida de ódio aos judeus.

 

Do filme, colho na Internet uma declaração não confirmada pelo Vaticano, que o Papa João Paulo II, após assisti-lo em sessão primeira, teria afirmado: – Foi assim que aconteceu! Tal vazamento de informação foi abafado pela Cúria Romana, porquanto endossaria a versão do filme que renova a onda de antijudaísmo. Sabe-se que a Igreja pós Concílio Vaticano II, na busca do diálogo com os setores judaicos, repele todo tipo de incursão que estimule intolerâncias neste campo.

 

Pode-se dizer que a posição atual da Igreja aproxima-se da palavra de perdão dita por Jesus na cruz, segundo o evangelista Lucas 23,34.: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”. Mas, esta posição é, para os Judeus, pouco aceita, pois parte do pressuposto de uma magnanimidade santa, uma vez que o crime permanece, e o perdão surge como um ato de bondade, de tolerância e santidade. Ao judeu sobra justamente aquilo que repele: a culpa. O judeu não aceita esta delinqüência, muito menos o papel de delituoso alforriado. Neste particular, nenhum dos lados se propõe a dizer que tudo se passou por conseqüência das intolerâncias humanas, rotineiramente presentes na história do mundo, onde o martírio se realiza por conta de divergências de pensamentos e de condutas, frente a um contexto majoritário intolerante. Crimes do humano, como foram os cometidos pela própria Igreja, quando foi mais humana que divina.

 

No mais, o estado laico, permitindo o livre professar das idéias e a tolerância dos credos, vem colocando fora de moda os ódios religiosos e as danações eternas. Existindo, nos tempos atuais, poucos creditados com o poder de dialogar com Deus e verbalizar os seus castigos, sua imagem se suavizou de uma paternidade censora que deserda filhos, para uma mansidão provedora. Algo parecido com o que deveria ser a paternidade humana, por finalidade.

 

Hoje ninguém mais pode entender um Deus que se comporte ao sabor do ódio, do amor, da raiva ou dos licores hepáticos. Um deus, oscilando na maré do humor humano, perde o divino, adquirindo a essência acanhada de um ente passional a serviço de tudo, inclusive da intolerância de quem dele se utilizar melhor. Note-se que ao amplificar esta concepção de Deus, não estou a aceitar que melhor seria dizer da sua não existência, por essência. Algo a ver com os deuses criados pelos homens, conforme Ludwig Fuerbach e seus seguidores.

 

Sobre as contra-crenças humanas, Isaiah Berlin, escritor e pensador letão, discutindo as personalidades fascinantes de Joseph de Maistre e Leão Tolstoi, no ensaio “O porco-espinho e a raposa”  cita uma conferência de Albert Sorel segundo a qual “A distância que separa um teocrata de um místico e este de um niilista é menor do que a que separa a borboleta da larva, a larva da crisálida e esta da borboleta”. Uma questão tênue, evolutiva e cíclica que permite ensejar a inutilidade da cizânia gerada pelas questões de fé. Essencial é palmilhar uma linha mais tolerante da aceitação de todos as crenças e até descrenças, porquanto neste campo nenhuma assertiva define o final de qualquer contenda, afinal os limites do crer ou não, se encontram mais no campo do inexplicável ou do que é explicável, por princípio, por dogma e por definição prima.

 

No primado fundamental, a discussão surge com a finitude do ser, afinal, também é do ser o morrer. Suprema repulsa de muitos. Inexorável desamparo do existir.

 

Neste campo de insatisfações plenas, a morte, como queda implacável no nada, tem também as suas motivações.

 

Para o agnóstico, a morte é um pulo ao nada. E este pulo ao nada é um salto corajoso. Bote audácia nisso! Louvo o ateu verdadeiro e íntegro, o que não se esbanja na esbórnia, só por esta bravura. Mesmo porque, vale a imprecação de Raskolnikof: “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

 

Quanto ao iconoclasta, vejo-o como mais um intolerante que tenta substituir ídolos e idéias humanas por outros ídolos e outras idéias humanas, mais degradadas e menos sublimadas, fruto da miséria e não do sonho. O vulgo pelo vulgo. Uma coisa de gosto, de cheiro e de riso. Já, sobre o salto ao nada dos teístas, por serem menos corajosos, mais humildes e menos crentes na infalibilidade de sua própria ciência, este salto é um pulo de crença. Um salto ilusório de criança, talvez, pois se crê que deste pulo ao nada não se atinge o nada. Salta-se para os braços do Deus, aquele que não se nega a abraçar ninguém. Pode ser este último salto, um pulo não tão corajoso como o outro, mas…, para que ter tanta coragem, se na vida tudo nos acontece como um fruto das bênçãos do Deus que alegra a nossa juventude?

 

Infelizmente a humanidade, desde a juventude, continua a se dividir e a se aniquilar por causa destas crenças. E aí reside a principal falha da pregação dos seguidores de Cristo, motivo inclusive para Friedrich Nietzsche afirmar como escândalo a morte do Evangelho na cruz do Calvário: “Em fim só existiu um cristão e este morreu na cruz”. Uma imagem decepcionada de quem ainda hoje vê dois milênios de fé e intolerância supremas com os contrários, embora a morte na cruz tenha sido um convite ao amor que deveria unir a humanidade.

 

Poder-se-á dizer que esta prática de discórdia acabou. Está fora de moda. Não é verdade. Leio na Internet o Jerusalem Post atribuir as agruras de Israel com seus vizinhos às intolerâncias ditadas pela fé. Daí temer o seu ressurgimento agora,  com o sucesso de bilheteria do filme da Paixão de Cristo de Mel Gibson.

 

Os Judeus, repelindo a culpa deste crime intolerável, temem mais uma vez a renovação desta acusação terrível. E assim releio o juiz Haim Cohn que busca exibir juridicamente as razões que julga absolver esta culpa injustamente firmada.

 

Isto, porém, é assunto para outro dia.

 

Domingo de Ramos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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