O Julgamento e a Paixão de Jesus VI.

Prosseguindo na análise do livro “O Julgamento de Jesus, o Nazareno” do Dr. Haim Cohn, Ex-Presidente da Suprema Corte de Israel, eis que agora Jesus, condenado pela autoridade romana, é levado para a morte na cruz.

 

Como o objetivo do livro é eximir qualquer culpabilidade do povo Judeu no processo de Jesus, o Dr Cohn reafirma também nesta defesa, que a morte na cruz não era um tipo de execução recomendada no Direito Fariseu. Os judeus executavam mediante enforcamento, fogo, lapidação e uma espécie de asfixia chamada colgação, na qual o condenado era pendurado até morrer.

 

Sobre a cruz o Dr Cohn também insinua suas dúvidas, chegando às raias da incredulidade total nos relatos dos Evangelhos, senão vejamos.

 

Se no pretório o autor esqueceu os Evangelhos Sinóticos e prendeu-se apenas ao de João para contesta-lo, agora esquece o de João e se prende só aos de Marcos, Mateus e Lucas. Nestes Evangelhos, não se encontra explicitamente que Jesus carregou a sua cruz até o Calvário. Fala-se apenas que no caminho impuseram a um homem chamado Simão de Cirene que carregasse a cruz. Simão, o Cireneu, aparece na via dolorosa, como um transeunte, que aparecera por acaso, motivado, talvez por curiosidade, e que fora obrigado a carregar, ou ajudar a carregar, a cruz de Jesus. Entender por conta desta ajuda que Jesus sequer carregou a sua cruz, é querer ir contra toda uma tradição, inclusive Plutarco, para quem, o condenado à cruz é quem devia carregar o instrumento de seu suplício. E não foi diferente com Jesus, afinal a crucificação era destinada a escravos e criminosos de baixa categoria social. São Paulo, por exemplo, como era cidadão romano teve o privilégio de ser decapitado, já São Pedro, envolvido na mesma sentença, por não ser romano, morreu na cruz.

 

Se dúvida existe, é quanto à forma do madeiro carregado. Seu formato era o de uma cruz latina (†), como conhecemos até hoje? Era uma cruz de tau ou cruz de Sto. Antônio, no formato de T (tau em grego), ou Jesus carregou apenas a peça de madeira que ficaria colocada na horizontal?

 

Acredita-se hoje que Jesus carregou apenas a peça horizontal. A parte vertical, por ser bem mais comprida e mais pesada ficava sempre no local da execução.

 

Quanto ao Dr Cohn, continua seu trabalho de apagar tudo o que é narrado nos Evangelhos.

 

Esquece agora o cansaço e o flagelamento que debilitara Jesus a ponto de não poder nem carregar a cruz todo o tempo, ou nenhum tempo como insinua, para conferir-lhe uma fortaleza inusitada. Sugere que Jesus não poderia morrer nas três horas em que ficou pregado na cruz e dela fora tirado vivo, justificando assim o desaparecimento do seu cadáver no sepulcro. Um raciocínio denunciador de uma grande farsa dos apóstolos. Uma comédia pela qual, muitos dariam a própria vida.

 

Assim, permanece a grande divergência entre cristãos e judeus. Para os primeiros o Cristo é o Messias, o cordeiro imolado pelo perdão dos pecados dos homens. Para os últimos, Jesus é uma dissimulação e seus ensinamentos de nada valem. Se existiu, foi alguém que se contrapôs ao poder romano e se deu mal, morrendo na cruz sem ter nem conseguido a simpatia de seus conterrâneos como mártir da liberdade de seu povo. Se é que morreu mesmo na cruz, pois alguns como o alemão Holger Kersten no livro “Jesus Viveu na Índia” especula que Jesus foi retirado da cruz ainda com vida e depois fugiu para a Índia onde viveu com Madalena na Caxemira, tendo com ela muitos filhos, morrendo aos oitenta anos, hoje descansando em seu túmulo, em Sirinagar – Índia.. Um relato inverossímil, que se fosse merecedor de um crédito mais sério, satisfaria o Dr Cohn e todos os que negam a figura de Jesus.

 

Concretamente a presença de Jesus e, sobretudo os seus ensinamentos, instigam a humanidade na busca do amor, da concórdia, da indulgência entre as diferenças. Tudo aquilo que contraria a história da humanidade, cristã ou não, um campo de batalha onde a intolerância, sobretudo a religiosa, tem motivado todas as misérias. Tudo o que é manchete todos os dias nos nossos noticiários.

 

Dos conflitos anti-semitas de muçulmanos fundamentalistas e cristãos empedernidos, ao  buscarem suas justificações em seus credos, não se pode afirmar quem é o vilão ou o mocinho. Não há, portanto, bonzinhos no sionismo ou contra ele. Daí a guerra, os atentados terroristas, os pogroms, os campos de concentração nazistas e até a nossa humorística queima de Judas, ou queima do judeu.   

 

Quanto à condenação de Jesus, ninguém pode calar a voz de Pilatos e dos Judeus em Mateus (27,24-25): Então o procurador Pilatos “pegou água e, lavando as mãos na presença da multidão disse: ‘Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa’. A isso todo o povo respondeu: ‘O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos’”.

 

Daí rememorar-se no período pascal a história sangrenta da morte do Cordeiro de Deus. Assim, fruto de uma devoção antiga, repetida ano a ano, desde o início da Igreja, surgiu a oração da Via Sacra, o canto de Verônica, tudo que a liturgia católica inseriu, para narrando os fatos ditados nos quatro Evangelhos, apresentar uma didática de conversão e piedade.

 

Neste campo, o filme de Mel Gibson aparece agora mostrando uma versão violentamente cruel do sofrimento, crucificação e morte de Jesus. Um filme pesado, muito forte, cujas tintas conseguem retratar toda violência que se possa pensar em fazer de tortura e flagelo. Tudo de acordo com os Evangelhos, mas com excessivo exagero. Neste campo do excesso, Mel Gibson realizou uma obra definitiva. Ninguém o poderá exceder em chibatadas, feridas e hemorragias, a não ser que se possa um dia fazer a platéia sentir cheiros de suor, receber aspersões de sangue ou experimentar um desvio da vergastada. Afinal, na fita tem tudo o que a maldade humana pode imaginar de suplício, menos o uso de fogo, choques elétricos, esquartejamentos ou empalamentos, porquanto isto não poderia existir, sob pena de infidelidade aos Evangelhos.

 

Assim, gostemos ou não do filme, ele está de acordo com o que se lê na Bíblia dos Cristãos. Quanto ao problema de suscitar uma nova onda de anti-semitismo, é ingenuidade pensar que o filme venha motivar novos pogroms. Se existe uma animosidade crescente contra Israel, é porque o povo judeu está se exacerbando em violência, provocando em conseqüência respostas cada vez mais brutais.

 

Se a brutalidade foi judaica ou romana isto é pouco importante. O importante e que o Dr Haim Cohn, ao negar tudo na defesa de seu povo, não cale também a voz débil surgida, quase sussurrante naquele pleno sofrimento; “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Se esta palavra fosse ouvida como deveria, o espírito de tolerância e de clemência pairaria em todos que invocassem as bênçãos e o perdão de Deus.

 

E quem sabe poderíamos, nós cristãos, cantar a bela oração judaica “AVINU MALKEINU“(Nosso Pai, Nosso Rei).  de Max Janowski. Uma canção cantada durante o Rosh Ha’Shanah (o ano novo dos judeus). Uma súplica a Deus para que nos trate com bondade e generosidade, até mesmo quando nós nem sempre cumprimos os ideais dele para nós.

 

“Avinu malkeinu sh’ma kolenu / Avinu malkeinu chatanu l’faneycha /Avinu malkeinu alkenu chamol aleynu / V’al olaleynu v’tapenu / Alvinu malkeinu / Kaleh dever v’cherev v’raav mealeynu / Avinu malkeinu kalehchol tsar / Umastin mealeyni / Alvinu malkeinu /

Kotvenu b’sefer chayim tovim / Alvinu malkeinu chadesh aleynu /Chadesh a leynu shanah tovah / Sh’ma kolenu ““.

 

Esta melodia está tão bonita, no disco HIGHER GROUND gravado por BARBRA STREISAND, que vale a pena inseri-la por ser uma súplica de concórdia mais ou menos assim:

 

Nosso Pai, Nosso Rei, / Ouve a nossa oração / Nós pecamos antes contra Ti / Tem compaixão de nós e de nossas crianças./ Ajuda-nos a trazer um fim à pestilência, à guerra, e à escassez / Faze desaparecer todo o ódio e opressão  da terra / Inscreve-nos para bênçãos no Livro De Vida / Deixa o ano novo ser um bom ano para nós.

 

Se todo crente ou descrente, despojado de proselitismos e desconfianças, buscasse ver no semelhante a dignidade de um irmão, poder-se-ia tudo esquecer, inclusive os ódios de raças e de credos.

 

Enquanto isso não acontece, poderíamos, a título de esperança, cantar na nossa pequenez a nossa grandeza, “AVINU MALKEINU“, afinal todo o flagelo da cruz existiu para que a Ressurreição fosse possível.

 

Uma questão de fé. Uma bobagem, talvez,… Mas bastante provocadora, sobretudo para aqueles que não se amornam na acomodação do nada.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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