O LINCHAMENTO DE ARARAQUARA

(A Verdade dos Fatos)

(II)

 

Continua o texto de Roza Ana Pena Ribeiro:

“Vendo que a morte era inevitável, e no mais sagrado direito de legítima defesa, meu filho deu-lhe um tiro de revólver de baixo para cima, do qual veio o infeliz Dr. Carvalho a falecer. Esta rápida tragédia, entre um moço débil e doente e um homem forte e poderoso, foi presenciada por inúmeras pessoas, nacionais e estrangeiras, que a essa hora se achavam no Largo da Matriz.

Meu cunhado (Manoel Joaquim de Souza Brito), empregado da Farmácia, homem tímido e de uma pacatez proverbial, vendo a luta e querendo apaziguá-la, pediu ao senhor Dr.Carvalho que não batesse em seu sobrinho e meu filho e levou também várias pancadas com a grossa bengala de que se achava armado o Dr. Carvalho e fugiu para a porta da Farmácia aterrorizado dos acontecimentos acabando então o Dr.Carvalho de quebrar a bengala na cabeça de meu filho, e, vendo-se então, como o viram todos, que ela continha um enorme estoque de fino aço. 

Narrando os sucessos como estão e como é a pura verdade – juro-o, diante de Deus e dos homens – pergunto confiadamente:


– Meu filho teve culpa desta enorme desgraça? Não lutou até a última extremidade, depois de ferido e vilipendiado sem usar de arma alguma contra seu agressor forte e poderoso? Ele não lançou mão da arma no último instante, quando viu que o Dr. Carvalho, por cima dele, cego de raiva, o ia matar com o punhal de que estava armado?

 

Todos quantos sentem a dignidade enrubecer-lhes as faces hão de dar razão a meu infeliz filho vitima depois disso das mais atrozes perseguições e das mais negras injúrias, quando ele, preso ainda não condenado pelos seus pares, nem sequer ao socorro médico tem tido direito. É possível que sucumba na prisão, pois além de ser de natureza débil, estava enfermo e aos cuidados de um distinto clínico desta cidade.

Se ele sucumbir aos maus tratos físicos que lhes estão inflingindo na prisão, antes de ser julgado pelos seus pares, a maldição de Deus há de cair inexorável sobre aqueles que o oprimem, e eu apelo nesta hora para fazê-la inflexível, não olha aí o punido é um rei ou um mendigo. Sou mãe, sou velha, não tenho forças, nem recursos, mas aqueles que me lerem eu digo:

Meu filho não é um criminoso, meu filho matou para escapar de uma morte inevitável, tenho numerosas testemunhas que isso provam, apesar de lhe tolherem todos os meios de defesa, a verdade há de fulgurar rutilante e esmagadora. A justiça divina há de se impor, e ai daqueles que sacrificam o justo e o inocente e lhe negam a defesa. Estimado de toda a população desta cidade, trabalhando como um mouro, meu filho foi sempre um homem de bem e de qualidade, pois foi esta a educação que eu e meu finado marido costumávamos dar aos que de nós geravam.

Não creio que a justiça dos homens me venha faltar nesta hora de suprema angústia; se ela, entretanto, deixar-se velar, eu apelo para a justiça de Deus, que pode tardar, mas nunca falha”.

A dor da mãe, o libelo tornado público, não impediu que os partidários do chefe republicano premeditasse o assassinato dos dois sergipanos, como questão de afirmação política e de honra do poder. Muitos preferiram a omissão, como o juiz da Comarca, que chegou a pedir remoção e licença ao presidente Campos Sales, com temor de levar adiante o processo.

A Polícia, comandada por uma autoridade próxima do morto, mostrou-se ineficiente e omissa. Os dois presos foram deixados na cadeia, doentes, entregues à própria sorte, enquanto crescia em Araraquara o plano frio do linchamento, evitando toda e qualquer investigação. A família de Rozendo, residindo em São Carlos, lutou com o apoio de muitos sergipanos que foram às ruas, cobraram providências, mobilizaram a solidariedade pública.

A viúva de Manoel Joaquim, e seus oito filhos, em Rosário do Catete, também contou com o movimento de massa, em nome da dignidade e da Justiça. O crime cometido sob a complacência das autoridades de Araraquara jamais foi esclarecido. Os 108 anos de vida republicana colocaram a poeira da impunidade. São Paulo, e particularmente Araraquara, guardam em sua história de grandeza e de prosperidade, de lutas e vitórias políticas, esse episódio triste, como bem narrou Roza Ana Pena Ribeiro, com sua responsabilidade de mãe e de mestra.

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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