A poesia tem seus fundamentos, o poeta, ourives da palavra, esculpe verso a verso sua obra, oferecendo o valor estético, intrínseco a arte, e o valor ético, com o qual empresta interpretação do mundo e da vida que há nele. Gerações de poetas, no mundo todo, tratam a beleza em versos que marcam as sociedades, com graça e leveza, de modo a conquistar a atemporalidade que faz, por exemplo, com que temas antigos, recorrentes na história humana, ganhem atualidade. Neste ano de 2005 “O Quixote”, de Miguel de Cervantes, completa 400 anos de lançamento, da sua primeira parte. O livro ganhou leitores ao longo do tempo, em todos os lugares, como uma saga memorial de certo tipo de herói, curtido na coragem de servir aos seus senhores e na fé às causas abraçadas. Cervantes, um autor que guardou experiência de luta, na refrega de cristãos e mouros – participando da Batalha de Lepanto, na Grécia – soube fazer do seu personagem uma síntese sentimental colhida na correnteza da oralidade, ou adaptada das estórias que o tempo acumulou, em nome dos valores vigentes na Idade Média. O Quixote é, ainda hoje, um livro rico de minúcias do tempo, lugares e pessoas, como se seu autor fosse um Aedo remoçado no símbolo, contagiado pelo destino do seu personagem, cada vez mais poetizado em suas aventuras e façanhas. Pedro de Calasans, Tobias Barreto, José Maria Fontes, Abelardo Romero, Enock Santiago Filho, José Sampaio, Santo Souza, Alberto Carvalho, Mário Jorge Vieira, souberam expressar, cada um a seu modo, a sintonia com a linguagem da atualização estética, dando a Sergipe uma literatura poética de múltiplas temáticas, nas quais poderão ser encontrados os fragmentos da memória do mundo. Partindo de uma variante para a estória de Eros e Psiquê, a de Apuleio, Wagner Ribeiro reescreveu em versos um dos temas clássicos por excelência, conotado pelo desfile de personagens que estão por aí, povoado a ficção, a poética, o teatro, a música, vencendo o tempo com seu apelo forte de amor. Em A Angústia de Zeus o autor tenta reler, com força crítica, fatos novos emoldurados na vastidão da mitologia. As duas experiências combinam história/memória e linguagem, e autorizam a que Wagner Ribeiro amplie os horizontes de sua viagem de Aedo, recolhendo impressões, espalhando juízos, revisitando as tramas que são a síntese da existência humana, nos confrontos dos valores vigorantes, e repita o sucesso. Memorial do Aedo é, sobretudo, um livro bonito, bem cuidado, um objeto de valor, que funde poesia e arte plástica, juntando Wagner Ribeiro e Bené Santana, um com as palavras, o outro com traços e tintas, na tentativa de interpretar o mundo antigo. O autor deixa a formalidade da poesia para compor uma narrativa, como se a imaginação devesse mesmo ceder lugar a ação, revigorando a força temática das suas escolhas. Tomando um Aedo como condutor, Wagner Ribeiro desfila em cinco cantos um discurso monologal, como pudesse ser comparado com o conto de nunca acabar, tão freqüente no universo da literatura oral. O personagem, espécie de memória do tempo, tece em seu dizer um conjunto de testemunhos, que vai sendo aumentado de evocações incidentais, despojadas de suas identidades, como a “alma das coisas”. Memorial do Aedo de Wagner Ribeiro (Aracaju: (edição do autor), 2004) com capa e ilustrações propositadas de Bené Santana, é um belo livro, para uma boa leitura, lançado para inaugurar o Espaço Cultural da Agência Central dos Correios, no Centro de Aracaju. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br
Com Santo Souza antes, com Wagner Ribeiro agora, esboça-se entre nós um movimento que já é, pelo volume da produção, um capítulo especial de contribuição literária, revestido da couraça mítica, que permite a interface com a história velha de países e de povos. Wagner Ribeiro tem o controle do fazer literário, conhece e domina as técnicas, sabe manejar os elementos da composição artística, adornando de toda a beleza as suas reflexões. Os textos anteriores – Cantares do Mar Egeu, A Angústia de Zeus – apontaram os caminhos preferenciais do trabalho do autor, universalizando os seus interesses poéticos. Wagner Ribeiro
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