Sergipe tem sido uma terra hospitaleira, sempre disposta a receber bem a quem escolhe, pelas mais diversas motivações, morar em Aracaju ou em qualquer outro lugar do Estado. Alguns desses adotados, que nasceram fora por mero acaso, pois as suas famílias são genuinamente sergipanas, estão tão incorporados à vida cotidiana que não há distinção alguma. Outros, que construíram aqui as suas biografias, exercem uma cidadania inquestionável. É o caso de José Cândido da Silva. Nascido em Puxinanã, povoado de Santana de Ipanema, nas Alagoas, mas criado em Aracaju, onde viu nascer seus filhos, e onde voltou a viver, depois de aposentado e de consagrar-se, no Rio de Janeiro, como autor de diversos sucessos musicais, alguns dos quais em parceria com o maranhense João do Vale. José Cândido é o autor de Carcará um clássico dos anos de chumbo, interpretado por Nara Leão e por Maria Betânia no espetáculo Opinião, um dos mais assistidos e aplaudidos da década de 1960, e que revelou a própria Betânia, o compositor Zé Keti e outros valores da MPB e do teatro de recortes de textos, do qual Liberdade Liberdade parece ser o melhor emblema. José Cândido – é assim que ele assina as suas composições – bastaria ter feito Carcará para entrar na história da música popular brasileira, pela qualidade da composição, não fosse a circunstância de uma época difícil, turbulenta, conflagrada, que impunha um patrulhamento e uma censura indisfarçadas. Vários autores tiveram seus textos retirados das estantes das bibliotecas e das livrarias, seus discos confiscados, seus quadros banidos das galerias, outros resistiram, inteligentemente, como foi o caso de Chico Buarque de Holanda, que teve de valer-se de um pseudônimo – Julinho de Adelaide -, para escapar dos censores e continuar gravando seus belos sambas. O Carcará é tão antológico quanto o Caminhando (Pra não Dizer que não Falei de Flores), de Geraldo Vandré, que virou hino de resistência. É bom avivar a memória: “Carcará Lá no sertão/é um bicho que avoa que nem avião/é um pássaro malvado/tem o bico volteado que nem gavião/Carcará quando vê roça queimada?sai voando e cantando/Carcará vai fazer sua caçada/Carcará come até cobra queimada./Quando chega o tempo da invernada/o sertão não tem mais roça queimada/Carcará mesmo assim não passa fome/os borregos que nascem na baixada/Carcará pega mata e come/Carcará não vai morrer de fome/Carcará mais coragem do que homem/Carcará pega mata e come./Carcará é malvado e valentão/é a águia de lá do meu sertão/o burrego novinho não pode andar/ele puxa no umbigo até matar/Carcará pega mata e come/Carcará não vai morrer de fome/Carcará mais coragem do que homem/Carcará pega mata e come.” José Cândido fez outras músicas geniais, como por exemplo O Segredo do Sertanejo, também em parceria com João do Vale, e que foi uma consagração popular na voz inconfundível de Marinês. Eis a bela letra: “Ouricuri madurou/é sinal que arapuá já fez mel/catingueira fulorou/lá no sertão/vai cair chuva a granel/arapuá esperando/ouricuri madrucer/caatingueira fulorando/sertanejo esperando chover./Lá no sertão/quase ninguém tem estudo/um ou outro que lá aprendeu ler/mas tem homem capaz de fazer tudo doutor/que antecipa o que vai acontecer./Caatingueira fulora vai chover/andorinha voou vai Ter verão/gavião se cantar é estiada/vai haver boa safra no sertão./Se o galo cantar fora de hora/é mulher dando o fora pode crer/acauã se cantar perto de casa/é agouro é alguém que vai morrer./São segredos que o sertanejo sabe/ e não teve o prazer/de aprender ler.” Em 1998, vivendo em Aracaju, José Cândido contou sua vida num livro que tem como título O Menino de Puxinanã, obra sincera, direta, ditada pelo coração, que registra uma vida de trabalho, aventura, luta, sem jamais perder a origem, o amor pela terra nordestina, pela pequena Puxinanã, por Santana de Ipanema, e principalmente por Aracaju que abrigou, ainda menino, o alagoano compositor do Carcará,onde começou a trabalhar nas casas comerciais de Benilde Araujo e de Cantídio Lino Dias, antes de seguir outros caminhos, aqui e no Rio de Janeiro, construindo uma biografia que ele próprio, em dedicatória, diz ser de “acertos e desacertos”, superando incompreensões familiares, demonstrando um vigor existencial notável. José Cândido da Silva vive em Aracaju, mora na Coroa do Meio, coberto da glória artística por ser autor de diversos sucessos que o público consumiu como a mais legítima arte, aquela que fala ao coração, que retrata cenários, experiências, valores, sentimentos, enfim a vida na mais autêntica expressão. Sergipe e os sergipanos devem a José Cândido o reconhecimento e a homenagem, por ter adotado Aracaju, por ter aprendido aqui, e aqui moldado o seu caráter, aqui vivido, e depois, feliz e realizado, ter voltado para viver o repouso do guerreiro, na cidade que um dia inspirou seus versos, na composição Aracaju era assim, que precisa receber registro vocal de artista da terra. Agora aventurando-se na ficção, José Cândido da Silva publicou O Querubim romance com cenário nordestino, com enredo igualmente regional, na fatalidade de buscar fora da terra a sobrevivência digna. O Querubim conta parte da vida de Natália, nascida no interior de Pernambuco, que sai de casa, passa como morta durante muitos anos, até voltar como médica e rica, para reencontrar a família e realizar os sonhos de cada um, até reencontrar o amor perdido nos anos da infância, reconstituindo a esperança como o instrumento mais sensível das classes subalternas, sufocadas pelas necessidades. É muito bom registrar para a posteridade que José Cândido da Silva, o menino de Puxinanã, o autor do Carcará faz agora da vida comum dos nordestinos matéria principal de sua literatura. E através dela faz a correção das injustiças, tornando fácil superar as dificuldades. O Querubim é um livro correto, narrado, onicientemente na primeira pessoa, na tradição dos velhos contadores de estórias, senhores dos cenários e das tramas, do começo ao fim, numa seqüência titulada, como a prevenir o leitor para o desenvolvimento do enredo. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”