O Meteorito de Bendengó na poesia popular e no imaginário

A intensa luz que clareou o céu baiano, em tempos imemoriais, de cuja notícia se tem desde o século XVII, pela visão de uma indígena nascida em 1640, e, em 1784, por Joaquim Bernardino da Mota Botelho, nascido em 1759,  era de um meteorito caindo próximo ao riacho Bendengó, afluente do rio Vaza-barrís, a cerca de 30 Km do Monte Santo, região que mais tarde ganharia espaço na historiografia brasileira pela presença de Antonio Conselheiro, transformando seu reduto na mística Canudos.O meteorito de Bendengó, pedra irregular de aproximadamente 2 metros e 15 centímetros de comprimento, por 1 metro e meio de largura, e menos de 1 metro de altura, e com tais medidas considerada o 11ª entre todas as que caíram no planeta, teve registro na poesia popular, e entrou no imaginário do povo, antes mesmo do Brasil tomar conhecimento do fato e da ciência interessar-se pelo que caía do céu.

É possível formular a hipótese de que aquele fato antigo, que aparentemente não causou vítimas humanas, e que marcou toda uma região, tenha relação com costumes populares, encontrados pelo frade capuchinho Apolônio de Todi, citados no Sermão da Penitência, quando pediu ao povo que fosse mudado o nome da Serra da Piguaraça para Monte Santo, depois que um forte vento impediu a Procissão da Penitência, que seguia o itinerário das cruzes fincadas por ele, ao longo do caminho, como era do costume dos missionários. Naquele mesmo local, depois da saída do missionário, apareceram arco-íris e o povo, admirado, começou a visitar as cruzes santas, logo descobrindo que a peregrinação curava  os doentes. O próprio Apolônio de Todi, em carta a Baltazar da Silva Lisboa, tratando de vários fatos ocorridos no final do século XVIII e anos iniciais do século XIX, informa que espalhou-se o boato (do aparecimento de arco-íris de cinco cores – azul, amarelo, branco, roxo e vermelho) -, e que o povo, visitando as cruzes deixadas por ele, chegou até a Cruz do Calvário, e beijando-a logo as pessoas viam que ficava boas de suas doenças. Finaliza Apolônio de Todi: “principiaram a concorrer os doentes, que era um continuado concurso ainda que bem longe, vindo cegos, aleijados, ainda em rede, e todos ficavam bons.”

Agora, quando astrônomos do mundo inteiro monitoram os céus, acompanhando grande número de asteróides que vagueiam entre Marte e Júpiter, e que ameaçam a terra, espalhando o temor de um choque inevitável, vale transcrever os versos seguintes, feitos com a métrica popular, percussora da Literatura de Cordel :
                                                                      

                       “Na infância da minha avó

                        uma medonha faísca

                        fez no espaço uma risca

                        e caiu no Bendengó;

                        o estampido e o pó

                        retumbou e quis sufocar;

                        e indo a esse lugar

                        grande concurso de gente

                        achava-se ainda quente

                        aquela pedra Quilá.

 

                        Com a maior segurança

                        Deus a pôs n’este lugar;

                        ninguém a pode abalar,

                        nem dar-lhe certa mudança.

                        E porque tem circunstância

                        com esta certeza vã,

                        que nesta terra não há,

                        só se for a Virgem pura,

                        tem ciência e está segura

                        aquela pedra Quilá.

 

                        O defunto capitão-mor

                        Bernardo Carvalho da Cunha

                        n’esse tempo se dispunha      

                        trazê-la do Bendengó;

                        achou-a firme qual nó,

                        como ainda hoje está:

                        carro e bois levou de cá

                        com toda sua companhia,

                        não trouxe como devia,

                        aquela pedra Quilá.

 

                        Depois que ele morreu

                        ainda veio um viandante

                        ver se era diamante,

                        porém não a conheceu,

                        o malho nela bateu,

                        “esta pedra não é má,

                        porém jeito nenhum dá”.

                        no mesmo dia voltou,

                        e intacta ficou

                        aquela pedra Quilá.”

Este fragmento, escrito em Monte Santo, na Bahia, em 13 de julho de 1782, atribuído ao índio Manoel Joaquim de Sá, e oferecido ao português Antonio de Souza Freire, morador da Ribeira do Pau Grande, foi copiado de um caderno pertencente a Manoel Estanilau de Souza, escrivão da delegacia da vila de Inhambupe, na Bahia, neto do autor.

Além de um pequeno rio, Bendengó é nome de uma Serra, entre os rios Itapicuru e Vaza-barrís, na Bahia e de uma Serra em Pernambuco, situada entre os rios Pajeú e o riacho da Brígida, afluentes do rio São Francisco.

A primeira notícia oficial sobre o meteorito de Bendengó data de 1784, quando Joaquim da Mota Botelho, então com 15 anos, faz chegar ao governador geral da Bahia, D. Rodrigo José de Menezes, a notícia de ter encontrado nas proximidades do riacho Bendengó, uma pedra extraordinária, que  supunha ser composta de ouro e prata. No ano seguinte o governador determinou ao capitão-mor de Itapicuru, Bernardo Carvalho da Cunha, que fizesse o possível para conduzir a pedra ao mais próximo porto de mar, de onde pudesse ser transportada para a capital da Província da Bahia. O peso da pedra, superior a 5 mil e 300 quilos, impediu que os esforços daquela autoridade fossem coroados de êxito. A idéia era trazê-lo, puxado por bois de carro, para o porto de Aracaju, e da capital sergipana deveria ser embarcado, num navio, para o Rio de Janeiro. As tentativas fracassaram, a pedra rolou e tornou ainda mais difícil o seu transporte. Muitos anos depois o meteorito de Bendengó chegou no porto de Salvador, foi embarcado para o Recife e de lá para o Rio de Janeiro, chegando, finalmente, em 1888, e entregue ao Museu Nacional.

Engenheiros,  como A.F.Mornay, os viajantes Spix e Martius, o professor Orville A. Derby, o engenheiro Vicente José de Carvalho Filho, o cientista Albert Einestein dentre muitos outros, foram ver o meteorito do Bendengó, na região do Monte Santo e no Museu Nacional, onde ainda desperta curiosidade, com sua composição de ferro e níquel. 

Os versos foram publicados  no tomo 56 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro, 1892).

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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