O orgulho da maioria

Democracia é, sem dúvida, o governo da maioria. Todavia, uma das conquistas essenciais do Estado Democrático de Direito, mundialmente construído a partir do pós-2ª Guerra Mundial, é a imposição de que o governo legítimo da maioria também se submete a limites, dentre os quais os respeito aos direitos fundamentais das minorias.

Noutras palavras, no Estado Democrático de Direito, a deliberação sobre políticas públicas, a linha programática de atuação do governo, as deliberações legislativas, são tomadas, legitimamente, pela maioria, expressa em procedimentos eleitoral-representativos ou até mesmo diretamente (iniciativa popular, plebiscito, referendo, por exemplo); todavia, o poder da maioria não alcança a possibilidade de restrição dos direitos fundamentais das minorias, que devem ter os seus espaços de atuação institucional preservados e ampliados.

Por isso mesmo que, no processo de reconstrução internacional dos direitos humanos no pós-guerra, avulta de importância o reconhecimento do direito fundamental à não-discriminação e a políticas públicas inclusivas, no contexto social-comunitário, de minorias historicamente segregadas e oprimidas. O objetivo é a construção de uma sociedade igualitariamente fraterna.

Exemplos desses movimentos são os já conhecidos e anualmente realizados “Semana de Consciência Negra”, “Parada Gay”, “Semana de Acessibilidade”, dentre tantos outros, que contam ou não com apoio dos poderes constituídos, organizados pelos movimentos negros, LBGT, movimentos dos portadores de necessidades especiais.

Nesse contexto, causa perplexidade a aprovação, pela Câmara Municipal de São Paulo, de projeto de lei de iniciativa do vereador Carlos Apolinário (ainda sujeito a sanção do Prefeito), que institui o “Dia do Orgulho Hetero”.

Os heterossexuais não são minorias; os heterossexuais não sofrem opressão, nem discriminação, nem tampouco restrição de acesso a direitos por causa de sua orientação sexual; os heterossexuais não precisam de qualquer afirmação ou exposição alargada no contexto social, porque já possuem, historicamente, posição até mesmo privilegiada quanto ao respeito à sua orientação sexual; finalmente, ao reconhecimento social de compreensão dos homossexuais como um dado da normalidade da vida não corresponde qualquer ofensa ou violação de direitos dos heterossexuais.

Por isso mesmo, os heterossexuais – ao contrário dos homossexuais – não necessitam de qualquer suporte do poder público (lei) para instituição de um “dia do orgulho hetero”. Essa lei é tão bizarra quanto seria uma lei que instituísse políticas de proteção de espaços para o homem (ser humano masculino) no mercado de trabalho, ou que estabelecesse reserva de vagas para brancos e egressos de escolas particulares nas universidades, ou que estabelecesse percentual de vagas para não portadores de necessidades especiais em concursos públicos.

Quem necessita de amparo especial do Estado e da sociedade não são as já consagradas maiorias, pois tal atitude seria atentatória à busca da igualdade real, na medida em que somente agravaria as desigualdades já existentes.

Espera-se que o Prefeito de São Paulo, chamado à razão, vete referido projeto, e que os vereadores paulistanos, chamados a uma nova reflexão, mantenham o veto e afastem do cenário jurídico a possibilidade de que uma lei tão escancaradamente despropositada e inconstitucional ingresse no ordenamento jurídico.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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