O princípio da precaução e a telefonia celular

O uso de telefones celulares cresceu exponencialmente nas últimas décadas no mundo e os riscos associados à exposição prolongada à radiação eletromagnética não ionizante e, especificamente, à poluição eletromagnética oriunda de aparelhos celulares e estações de rádio base até hoje não estão bem esclarecidos para os consumidores, embora esta seja uma obrigação dos fornecedores destes serviços.

Ondas eletromagnéticas
Ondas eletromagnéticas ocorrem quando se tem cargas elétricas em movimento formadas pela combinação de campos elétricos (voltagem) e magnéticos (corrente) e podem percorrer grandes distâncias sem necessidade de um meio físico para sua propagação (radiação). A quantidade de energia associada à onda eletromagnética depende de sua freqüência, medida pelo número de oscilações (ciclos) por segundo (Hertz).

Radiação ionizante e não ionizante
Por sua vez, a radiação não ionizante é aquela que não possui energia capaz de interferir em átomos, causando a emissão de elétrons, ao contrário da radiação ionizante (raios X, gama e ultravioleta, que tem altíssima freqüência, por exemplo) que pode causar graves problemas aos seres vivos em casos de exposições prolongadas (câncer, por exemplo).

Radiações eletromagnéticas não ionizantes
Estas radiações eletromagnéticas não ionizantes vão desde a emissão de baixa freqüência de linhas de alta tensão, passando pelas ondas de rádio, televisão, telecomunicação, microondas, radiação infravermelho até a luz visível, estando constantemente presentes na vida moderna.

Telefonia móvel e a Lei 11.934/2009
A telefonia celular, que se vale de estações transmissoras de radiocomunicação e terminais de usuários (aparelho celular), opera dentro da banda de microondas (radiação não ionizante), variando hoje aproximadamente de 400 a 14000 MHz.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2011) existem mais de 4,6 bilhões de aparelhos celulares em atividade em nosso planeta, o qual abriga, desde outubro do ano passado, 7 bilhões de pessoas.  Embora esteja na faixa de radiação não ionizante, a comunicação por meio da telefonia celular tem gerado preocupações sobre possíveis efeitos no organismo humano, levando o Brasil a regular, através da Lei 11.934/2009, os “limites de exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz (trezentos gigahertz), visando garantir a proteção da saúde e do meio ambiente no Brasil” (art. 1º), cabendo a fiscalização à ANATEL (art. 11).

Princípio da Precaução
Vigora no Brasil, na área ambiental, do consumidor e da saúde, o princípio da precaução, significando que na ausência de certeza científica absoluta sobre a inocuidade de determinada tecnologia, produto, atividade, serviço, etc. devem ser adotadas medidas eficazes para se impedir danos imprevisíveis (Declaração do RIO-92, princípio 15; art. 6º, I, do CDC). Isto significa, entre outras conclusões, que não é o consumidor que tem que provar que o serviço pode oferecer riscos, mas sim o fornecedor, que tem que provar que não há riscos ou que foram adotadas todas as medidas preventivas possíveis.

Posicionamento anterior da OMS
O artigo 4º da Lei 11.934/2009 define que os limites de exposição humana a campos não ionizantes serão aqueles definidos pela Organização Mundial de Saúde, que, até 2011, entendia não existir qualquer evidência científica convincente de que “os fracos sinais RF das estações rádio base e das redes sem fio [causassem] efeitos adversos à saúde” (OMS, 2006), embora seja reconhecido o efeito térmico da faixa de freqüência da comunicação via celular (microondas).
Assim, com base nas conclusões da OMS, até meados de 2011 não havia nenhum indício cientificamente comprovado de que a telefonia móvel pudesse causar dano à saúde, não sendo possível por isso, aplicar-se o princípio da precaução, conforme demonstra a decisão abaixo proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com base neste entendimento:
“Segundo o autor, o risco de dano irreparável e a prova inequívoca das alegações estariam lastreados no fato de a antena de rádio-fusão estar instalada em área residencial e, diante das incertezas quanto aos efeitos da exposição do corpo humano à "poluição radioativa", o princípio da precaução conduziria à adoção de medidas preventivas da saúde da população, já que os danos à saúde seriam de impossível reparação. Ocorre que as alegações do autor acerca dos riscos à saúde na exposição do corpo humano a ondas radiativas carecem de comprovação científica e, pelo contrário, são rechaçadas por estudos da OMS e Universidade Estadual de Campinas. […]. Provimento do recurso”. (TJRJ – AGI 0015700-65.2010.8.19.0000 – Rio de Janeiro – 4ª C.Cív. – Relª Desª Renata Cotta – DJe 30.09.2010 – p. 30).

Posicionamento atual da OMS
Entretanto, em 2011, a OMS modificou seu entendimento passando a classificar a radiação eletromagnética gerada também pela telefonia móvel como possivelmente carcinogênica para seres humanos (IARCS-OMS, 2011)**, enquadrando-a no grupo 2B. Embora se trate de uma possibilidade ainda muito remota, esta mudança de entendimento, estabelece agora um indício com base científica de possíveis efeitos adversos da comunicação celular, permitindo-se assim a aplicação do princípio da precaução e, desta forma, a obrigação de que os fornecedores de serviços comprovem que adotam todas as medidas possíveis para que não seja causado dano à saúde do consumidor e ao meio ambiente.

Marco jurisprudencial
Vale ressaltar ainda que em 2011 ainda, pela primeira vez na Espanha, Minerva, uma funcionária da Universidade Complutense de Madri foi aposentada por incapacidade permanente por força de uma decisão judicial que reconheceu que ela sofria de hipersensibilidade às ondas eletromagnéticas das comunicações sem fio (Diário El Mundo, 2011)***, estabelecendo-se assim um marco jurisprudencial dos efeitos adversos da poluição eletromagnética ao organismo humano.

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* OMS. Fact Sheet nº 304, Maio de 2006.
** OMS. Fact sheet n°193, Junho de 2011.
*** Diário El Mundo, Espanha. Ed. de 15.07.2011.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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