O Refúgio, filme de Jacques Audiard

Por diversas vezes se falou do festival de Cannes como um dos mais aclamados do mundo, dos mais chiques, dos mais controversos e contraditórios. Porém, uma coisa não se pode negar: é um dos mais conhecidos, e dos mais influentes do mundo. Posiciona-se entre o de Berlim e o de Veneza. Movimenta uma parte do mercado de filmes que se propõem como políticos, algo que parece ir no extremo oposto da indústria norte-americano – e que hoje, já se vê, pesa a balança para a mudança estrutural do festival Oscar.

É um festival que também deixa em evidência estilos de filmes um tanto pós-nouvelle vague, atualmente. E há que se dizer que a nouvelle vague foi uma ruptura enorme no cinema europeu. Por um bom tempo, os filmes ganhadores da palma de ouro foram reconhecidos pela evidência de realidades que a pós-modernidade conseguiu dialogar. Quando o filme vem do contexto asiático (caso dos ganhadores dos anos 1997, 2010 e o deste ano, 2018), os olhares são direcionados a este diálogo de maneira mais enfática.

O Refúgio, 2015, é de um diretor francês. No entanto, a questão colocada no filme é dessa ordem – a asiática. Pode-se, inclusive, recortar o enquadre do diálogo com o ambiente pós-moderno, que se daria por exemplo na tentativa dos personagens principais de se reconhecerem num território que aparentemente se coloca como Francês, mas não se expressa com essa clareza. Jacques Audiard elabora uma proposta francesa, obviamente, porém, entrando na perspectiva de refugiados de Sri Lanka.

É e não é nouvelle vague, ao mesmo tempo. O mais importante em retratar os personagens refugiados de guerra na Europa hoje, com certeza, se manifesta no quesito de estabelecer uma aberta percepção de um movimento migratório mundial. Primeiro isso, claro. Porém há, em segundo lugar, a tentativa de se entender o que esse personagem refugiado consegue sentir ao sair de seu território. A chamada desterritorialização em debate.
Todos os atores estão excelentes em sua humildade diante da câmera francesa. Eles tentam ser uma família, um exemplo, mas a situação de guerra persiste mesmo na periferia que se estabelecem na cidade de Paris. A nova localização transforma, a união se potencializa, mas o projeto ainda é o da vida precária e controlada. Longe da guerrilha asiática, só que longe, também, da paz procurada.

Cannes resolveu, então, coloca-lo em evidência ao mundo. Não está colocado, no filme, uma resolução para os conflitos que aparecem por conta dos novos refugiados no continente. O final do filme chega a irritar, pelo jeito dado de se criticar a política de estado francesa. Não compromete a imersão no universo de exclusão promovido pelo estado-nação francês – aliás, disse-se que o filme era baseado livremente em Cartas Persas, de Montesquieu.
Sem querer entrar na “história” do filme por aqui para não estragarmos a dica de audiência, apenas cito uma cena, em que há certamente a ligação direta com o neo-realismo italiano pós-guerra, em que uma mulher que exerce a função de empregada doméstica discute questões políticas na simplicidade que é dada à personagem que se preocupa com, no mínimo, sua sobrevivência. Está em Umberto D, de Vitório de Sica e Cesare Zavattii, e está também em Deehpan, quando Yalini conversa com seu patrão, um quase algoz, “gangster” na periferia que ela habita. Neste diálogo se estabelece uma cumplicidade entre o branco, a asiática e nós, espectadores que nos inserimos na questão étnica e de povos diferenciados. A refugiada diz não gostar de futebol, enquanto há a estranheza de seu vilão, que deposita confiança na sua audácia a questionar o gosto alheio. Um certo clima aparece na conversa, que é difícil de se compreender. Ambíguo, como em Umberto D.

Fica a dica para quem assina o canal, ou mesmo, para quem posteriormente achar o tal filme nas prateleiras da internet. Você também consegue assisti-lo no youtube por R$ 3,90.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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