O reitor e a falsa polêmica

Marcos Cardoso*

O reitor da Universidade Federal de Sergipe, professor Valter Joviniano de Santana Filho, fez uma homenagem aos 60 anos de atividades do Grupo Tiradentes. Ele graduou-se na Unit, onde ingressou em 1998, quando era a única universidade em Sergipe que oferecia o curso de Fisioterapia. Depois se dedicou à vida acadêmica, fez mestrado e doutorado em Fisiologia na USP, chegando a cursar a University of Iowa (EUA).

Professor Valter ingressou na UFS em 2009, galgou degraus, foi superintendente do Hospital Universitário de Lagarto, vice-reitor e, por fim, reitor eleito pelo Colégio Eleitoral, empossado há um ano. Lotado no Departamento de Fisioterapia, que coordenou por dois anos, é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas e líder do Grupo de Pesquisa Fisioterapia Cardiorrespiratória e Readaptação Funcional.

Possui um respeitável currículo profissional, acadêmico e de gestor, que ganha relevância pela sua idade, tendo sido, aos 40 anos, o reitor mais jovem a assumir a gestão da principal instituição de ensino superior de Sergipe. Seria desnecessário, mas aqui é importante dizer: é o primeiro reitor negro da UFS, condição da qual ele muito se orgulha.

Pois o reitor da UFS aceitou fazer uma homenagem à Unit, a sua alma mater, e gravou um vídeo, que foi veiculado nas TVs locais, destacando que aquela foi a instituição que abriu para ele as portas para a ciência e o inspirou a ser um cientista. Destaca a qualidade no ensino e o fomento à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico, e propõe estreitar cada vez mais os laços de cooperação com a UFS, para que, juntas, as duas instituições possam fazer cada vez mais pelo Estado.

Pronto, criou-se a falsa polêmica.

De Portugal, onde faz pós-doutorado, a professora Jussara Maria Moreno Jacintho, do Departamento de Direito da UFS, escreveu um artigo, intitulado “O Reitor e a campanha publicitária”, para afirmar que nunca “uma situação política e uma defesa de uma posição política contrária à Universidade Pública ficou tão clara”, porque o reitor estaria “tecendo loas” a uma instituição de ensino superior privada.

A professora considerou inadequada a sua participação na “propaganda”, por ser o reitor da UFS, à qual “está vinculado acima de tudo por deveres funcionais, dentre os quais o de lealdade à Instituição, previsto no art. 116, II, da Lei n° 8112/1990”. Segundo ela, o reitor também estaria ferindo o princípio da impessoalidade, expresso no artigo 37 da Constituição Federal.

Estaria, assim, usando o prestígio da sua imagem para favorecer o sucesso comercial de uma empresa privada. Tudo isso favoreceria o discurso daqueles que intentam pelo desmonte da universidade pública.

E conclui afirmando que o reitor de uma universidade federal não pode se colocar na posição de “garoto propaganda” de instituição privada. “O estrago não é apenas simbólico, é efetivo, ao mesmo tempo que revelador, porquanto tira do terreno das ambivalências o projeto em execução.”

O professor Afonso Nascimento, recém-aposentado do Departamento de Direito da UFS, segue o mesmo diapasão. Ele compartilhou nas redes sociais o artigo da colega e acrescentou que achou decepcionante a “homenagem exagerada à Unit”. E igualmente observou o princípio da lealdade.

“O reitor parece mostrar que a sua maior lealdade é com a instituição privada. Ele se esqueceu completamente que é funcionário público federal e que existe lei que diz que a lealdade é dever do servidor público à instituição a que pertence”. Afonso reforçou “que as universidades públicas federais vivem sob constante ameaça de privatização e que existe uma história de lutas de professores, estudantes e servidores contra esses ataques neoliberais e que as universidades federais nunca sofreram tantos cortes nos seus orçamentos como agora.”

Dito tudo isso, o que os críticos querem é confundir o debate. Primeiro, onde o reitor fugiu ao seu dever? A Lei n° 8112 afirma no seu artigo 116 que são deveres do servidor: exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; observar as normas legais e regulamentares; zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público; manter conduta compatível com a moralidade administrativa; dentre outros, além de dever ser leal às instituições a que servir.

E o que é ser leal? É cumprir as promessas que faz, agir com responsabilidade, ser sincero, franco, fiel, seguir os preceitos legais, ser lícito. Mesmo os que não gozam da amizade ou relação profissional mais próxima de Valter Joviniano sabem que ele é um homem respeitador dos seus deveres e obrigações, tanto que não cai na tentação de conceder privilégios por falso dilema moral quando se depara com uma questão legal.

O artigo 37 da Constituição Federal, também citado, determina que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Onde o reitor feriu tais princípios? Ele não cometeu ilegalidade ou imoralidade.

Quanto ao princípio da impessoalidade, além de estabelecer que a atuação do agente público é imputada à pessoa jurídica estatal a que estiver ligado, não devendo ser atribuída à pessoa física do agente público, estabelece o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa. Que juiz vai considerar que a homenagem que um reitor de uma universidade presta a outra instituição de ensino superior seja a concessão de um privilégio?

Ser impessoal não é ser insensato, não é ser incoerente, não é ser ingrato. Valter foi impessoal porque ele falou na instituição na qual se formou, mas não foi insensato porque em nenhum momento atribuiu maior relevância à outra instituição, apenas reconheceu os seus méritos. Assim ele mostra que a casa que é dele, a Universidade Federal de Sergipe, pode contar com ele, porque sabe dar a cada instituição o valor que cada uma delas merece. Ele diz que para ser UFS não é preciso diminuir ninguém e nem retirar o valor do outro.

Certamente é um privilégio, no sentido de atributo particular e natural, que um egresso de uma universidade privada cresça tão rapidamente na escala acadêmica e alcance o posto mais alto de uma universidade federal, principal instituição educacional local, onde age demonstrando competência, bom senso e na defesa do interesse público. Valter Joviniano é um reitor com todos os atributos para gravar relevante registro na história da UFS. E merece ser respeitado.

(Veja o vídeo aqui https://www.youtube.com/watch?v=S12l9HiNHG0)

* É jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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