O relatório da Comissão Nacional da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade apresenta hoje (10/12/2014) o seu relatório final, dentro do prazo que lhe foi assinalado por lei (prazo que, inicialmente, era de dois anos, posteriormente prorrogado para 16/12/2014).

Sua finalidade legal foi a de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Para alcançar sua finalidade legal, a Comissão teve por objetivos: esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos praticados no período mencionado; promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos; colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos; recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.

E para conseguir atender a esses objetivos e alcançar as suas finalidades, a Comissão Nacional da Verdade foi dotada, por lei, dos seguintes poderes: receber testemunhos, informações, dados e documentos que lhe forem encaminhados voluntariamente, assegurada a não identificação do detentor ou depoente, quando solicitada; requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do poder público, ainda que classificados em qualquer grau de sigilo; convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados; determinar a realização de perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações, documentos e dados; promover audiências públicas; requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se encontre em situação de ameaça em razão de sua colaboração com a Comissão Nacional da Verdade; promover parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privados, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e documentos; e requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos.

Trata-se, sem dúvida, de importante mecanismo institucional para que a história brasileira recente seja passada a limpo, notadamente no que se refere às sistemáticas violações de direitos humanos e práticas reiteradas de crimes contra a humanidade praticados durante os períodos autoritários de nossa história recente, períodos de repressão política e supressão das liberdades públicas, políticas e individuais.

Ocorre que, até o presente momento, prosseguem sem o devido esclarecimento diversos desses crimes praticados durante aquele período. Familiares das vítimas, até hoje, não possuem uma resposta oficial do Estado Brasileiro sobre o destino de seus entes queridos, muitos dos quais foram vítimas de desparecimentos forçados, torturas, assassinatos com ocultação de cadáver. De igual modo, a sociedade brasileira ainda não tem o relato circunstanciado de como foi moldado o aparelho repressor do Estado para a montagem da máquina repressora e violadora dos mais essenciais direitos da pessoa humana. Como se sabe, o conhecimento da história é crucial para a construção consciente e cidadã de um presente e de um futuro livre dos equívocos cometidos.

Que o relatório da Comissão Nacional da Verdade, ao retratar o material que tenha produzido ao longo desses dois anos e meio de trabalhos intensos (documentos e depoimentos de vítimas e até mesmo de autores das mais diversas atrocidades praticadas contra a humanidade, dentre elas a tortura em suas mais variadas técnicas), sirva como ponto de partida para o compromisso permanente do Estado e da sociedade com a verdade histórica, deliberadamente ocultada e sabotada pelos agentes da repressão política.

E que esse relatório sirva de novo despertar da consciência cívica da cidadania brasileira, especialmente necessário para resistência a grupos, minoritários porém barulhentos, que se aventuram a praticar atos públicos pedindo a volta da ditadura militar; os déficits de nossa democracia ainda em consolidação devem ser solucionados pela via democrática e não pela via autoritária. Precisamos avançar nas conquistas democráticas e não abrir mão delas. Combater o retrocesso é nosso dever cívico.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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