O rio Sergipe e sua identidade (IV)

O rio Sergipe, que tem sua nascente nas fraldas da Serra negra, no Estado da Bahia, corre mais de 140 Km, até lançar-se ao mar, em Aracaju. Seu curso é alimentado por muitos rios, como o Caípe, o Cotinguiba, o Vermelho ou Donga, o Guanhamoroba, o Jacoca, o Jacarecica, o Madre Deus, o Morcego, o Mangaba, o Parnamirim, o Pitanga, o Poxim, que integram o sistema de abastecimento de água de Aracaju, o Poxim-Açu, o Poxim-Mirim, e o Sal. Conta, ainda, com muitos riachos, alguns com volume razoável de água e perenidade. São, portanto, riachos tributários: o Boa Vista, Bexiga, Cadoz, Canal, Canabrava, Calumbi, Cancelo, Cafuz ou Chiqueiro, Cedro, Coqueiro, Cumbe, Flor, Negros, Piabas, Pati, Pacaí, Poço das Moças, Represa, Salgadinho, Saco Torto, Tabocas, Timbó, Tramandaí, Vermelho e X, que tem, na verdade, outro nome.

 

Há um estudo, de 1972, feito pelo CONDESE/CRN/ITPS, intitulado Levantamento dos recursos Hídricos de Superfície do Estado de Sergipe, que demonstra preocupações com os níveis de poluição apresentados e comprovados em vários cursos dos rios e riachos, das bacias hídricas do Estado. A bacia do rio Sergipe, certamente, oferece maiores motivos de preocupação, uma vez que os projetos industriais estão concentrados em Aracaju e nos municípios próximos, como áreas de expansão, e na região do Cotinguiba.

 

Durante muitos anos, tendo a construção de um porto em Sergipe como objeto de discussão, o rio Sergipe foi estudado, em sua barra. Historicamente a entrada ao estuário do rio Sergipe sempre foi difícil e exigiu, com o tempo, diversas dragagens. O assoreamento fechou algumas das entradas antigas, uniu as restingas Velha e Nova formando a Coroa do Meio, aterrou muitas áreas de resumo e quase fez do rio Sergipe, uma ria, com a invasão do mar, salgando as suas águas, e as águas e margens de outro rios e riachos.

 

Com todas as dificuldades o estuário do rio Sergipe foi movimentado porto, estabelecendo a comunicação com o Brasil e, ao mesmo tempo, colocando na sua paisagem os grandes saveiros, que vinham e voltavam com açúcar e outras mercadorias, gente e animais, mesmo depois que foram abertas as estradas, ligando os municípios sergipanos entre eles e com o capital.

Pela sua importância, vale citar o discurso pronunciado pelo então Presidente da província de Sergipe, Salvador Correia de Sá e Benevides,em 20 de maio de 1856, aos membros da Associação Sergipense:

 

“A bela província de Sergipe, tão rica, dotada de recursos naturais, dum solo prodigiosamente fértil, não podia ser indiferente a ação do progresso e civilização que caracterizam a preste época. Ela começou a estudar e apreciar as causas que entorpeciam sua marcha progressiva, que lhe roubavam a vida, a animação, o comércio, e como causa primária o presidente (refiria-se a Inácio Joaquim Barbosa) se revelou com evidência a sede da capital, um recôncavo, sem o menor movimento comercial ou marítimo. A mudança, pois da capital arrancada da solidão para um centro de vida, foi o primeiro passo precursor de uma nova era para esta importante Província, foi o primeiro degrau que se deve conduzir ao apogeu do progresso, riqueza e consideração a que lhe dão direito a índole de seus dóceis habitantes, a fertilidade prodigioso de seu solo. Mas não bastava a mudança da capital, essa idéia, essa grandioso pensamento carecia em seu desenvolvimento de um outro fato, que animasse o comércio, desenvolvesse a agricultura, aumentasse a riqueza pública, esse fato que tende a consolidar a grande obra do progresso encetado nesta província – é a rebocagem a vapor em suas barras. Esse fato está consumado – o tempo mostrará e não muito longe o grau de importância a que vai chegar o belo e rico torrão sergipense”.

 

Na sua mensagem o Presidente informava a chegada do vapor da Associação Sergipense, o Aracaju, para o antílio aos navios que precisassem de rebocagem. Naquele tempo, como disse Salvador Correia de Sá e Benevides, estavam no porto do rio Sergipe mais de 40 navios, já carregados, que dependiam do reboque, para que não enfrentassem as dificuldades da barra. Com tal testemunho, sabe-se da situação estratégica e dos esforços por dotar o estuário do Sergipe das condições de navegabilidade, facilitando a entrada e a saída dos navios, o que coube, por muitas décadas, a praticagem dos que faziam a Associação Sergipense.

 

Malgrado a sua importância histórica, a sua posição estratégica na formação econômica e social Sergipana, o rio Sergipe nem sempre foi reconhecido pelo próprio nome. Ele perdia seu nome ao receber, há 14 Km do mar, as águas do Cotinguiba. Foi preciso que, em 1925, o então Presidente do Estado, Manoel Correia Dantas, assinasse um decreto, restabelecendo o nome do rio, diferenciando-o do Cotinguiba. Por anos, ele foi confundido, aparecendo nas cartas náuticas como Cotinguiba, sendo citado como Cotinguiba, reconhecido nacionalmente como Cotinguiba. O fato, quer parecer concorreu para que o belo rio Sergipe, com toda a sua importância, não criasse identidade com a terra e com o povo sergipano. Riachuelo tem, de algum modo, uma relação com rio que passa manso e frio nas suas terras escuros. Seu poeta, Santo Souza, evoca Porto das Pedra – “o rio correndo livre na sua pobreza, mas abundante de meninos e risadas claras como o luar”. Aracaju, a outra cidade banhada pelo Sergipe, também teve o seu cronista, em Mário Cabral com o seu Roteiro, e seu poeta em José Sampaio, que vagou pelo cais, nas noites do seu tempo, entre os bêbados e prostitutas, semeando palavras que ainda hoje ecoam, mantidas pelos ventos que tangem as águas do rio.

 

A identidade, enfim, do rio Sergipe é com todo o território e com os projetos de desenvolvimento, de prosperidade, de organização social.neste sentido, nenhum dos vales sergipanos, nenhum dos grandes e históricos rios representou papel tão permanente e tão amplo como o rio Sergipe, espécie de entrada central para o território, na direção, antiga, da colonização, ou, escoamento também central, de toda a produção, que de um modo ou de outro, terminava em seus trapiches e depósitos. Os barcos, o trem, os caminhões, todos os transportes estavam em Aracaju, vitalizando a economia, tendo o rio Sergipe como usuário, o leito, o conduto de todas as riquezas, e de todas as histórias.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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