Há 15 anos, no dia 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados autorizou, por ampla maioria, a abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor. Três dias depois ele se afastava do cargo. Passados três meses, o Senado cassou-lhe o mandato e seus direitos políticos foram suspensos por oito anos. Defenestrar do cargo um presidente messiânico e corrupto provocou no brasileiro uma sensação de libertação, de lavagem da corrupção na política, de purgação dos pecados, de estabelecimento das condições morais e éticas necessárias à condução do Brasil. Era a catarse nacional.
Alguma coisa mudou. Os presidentes que vieram depois, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, foram menos soberbos porque perceberam que sozinhos eles não podem tudo, como pensava o Collor. O caçador de marajás, uma espécie de super-herói inventado pela Rede Globo e revista Veja, chegou deslumbrado ao poder após conquistar 35 milhões de votos numa eleição difícil, em 1989, derrotando políticos de maior envergadura do que ele, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Mário Covas e o próprio Lula. Collor se achava forte demais, pensava que podia tudo, inclusive roubar, e que era capaz de governar sozinho.
Caiu após frustrar aqueles que achavam que ele representava a inserção do Brasil no mundo moderno e que colocaria os ladrões do dinheiro público na cadeia; depois que a maioria constatou que ele fazia um governo pífio; e, não menos importante, quando se comprovou a sua indisposição para barganhar com o Congresso. Itamar, FHC e Lula conseguiram governar porque não prometeram milagres, realizaram projetos e, mais importante, submeteram-se à política do toma-lá-dá-cá dos governadores, senadores e deputados. O problema é que o país paga um preço muito alto por isso.
GOVERNABILIDADE E PROMISCUIDADE — Garantida a governabilidade — diga-se, assegurada a base governista numericamente necessária —, o que se tem é uma política de barganha nociva. Em nome da democracia, estabeleceu-se uma relação cínica entre o governo e o Congresso. Uma simbiose que se alimenta do desejo de poder ilimitado. Essa relação descambou para a compra de votos da reeleição de FHC e para os mensaleiros e aloprados de Lula.
O Brasil democratizado ensinou aos políticos a importância da relação entre os poderes, mas ainda não ensinou que essa relação tem que ser harmônica e voltada para o interesse comum, isto é, desinteressada e objetivando unicamente o bem de todos. Como esta coisa aqui não é uma ditadura, o Executivo tem aprendido que precisa do Legislativo e do Judiciário para manter o funcionamento pleno das instituições. Acontece que os homens que movem a máquina ainda não desenvolveram consciência política suficientemente ampla para perceber que eles não estão ali para defender seus próprios interesses. É por isso que ao serem convocados para dar sustentação ao governo, os senadores e deputados exigem algo em troca — quase sempre cargos, quando não dinheiro mesmo. E a promiscuidade não está restrita a Brasília. Nos Estados, governadores e Assembléias Legislativas empregam a mesma moeda.
PESQUISAS RETRATAM DESCRÉDITO — A novidade é que o povo (ah, o povo!), esse mesmo incorrigível que reclama a vida toda mas não perde a mania de eleger os mesmos, tem dado crescente demonstração de descrédito aos políticos. Uma pesquisa há pouco divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) constata que a maioria dos brasileiros perdeu a confiança nas instituições e órgãos públicos.
A Câmara dos Deputados foi apontada como a instituição menos confiável: 83,1% dos entrevistados não acreditam no trabalho dos parlamentares. Em seguida vem o Senado Federal, com 80,7% de rejeição. Deputados e senadores passam por um processo de descrédito que se agravou nos últimos anos por conta das denúncias de corrupção.
Em 1993, cerca de 30% da população confiava na Câmara e no Senado; em 2005, apenas 20%; e em 2007, em torno de 12 a 14%.
As instituições em que a população mais confia são a Polícia Federal, com 75,5% de aprovação, seguida pelas Forças Armadas, com 74,7%, e o Juizado de Pequenas Causas, com 71,8%. Não por acaso, 84,9% da população acredita que a corrupção pode ser combatida e apontou a Polícia Federal e o Ministério Público como os principais órgãos para esse combate. A pesquisa também mostrou que metade dos entrevistados não acredita no Poder Judiciário, muito provavelmente pela demora e falta de eficácia nas decisões judiciais.
Uma pesquisa realizada pelo instituto Única em Aracaju traz resultados semelhantes. As instituições brasileiras mais acreditadas pela população aracajuana são, pela ordem, a Polícia Federal (18,3%), a OAB (16,8%) e o Supremo Tribunal Federal (11,6%). Abaixo, o Tribunal de Contas do Estado é confiável para 4,8% dos pesquisados, o Senado, para apenas 0,9%, e a Câmara Federal não recebeu nenhuma indicação. Dentre as instituições sergipanas, o Ministério Público merece 9,1% dos votos, enquanto a Assembléia Legislativa obtém apenas 0,5% e a Câmara de Vereadores, nenhum. E 56,7% acham que o político brasileiro é corrupto.
Os entrevistados da pesquisa da AMB discordam do foro privilegiado e 94,3% acham que um político processado na Justiça não pode concorrer às eleições. E, numa demonstração de que estão antenados com os acontecimentos, 95,4 % dos entrevistados consideram necessária a reforma política. Assim, a pesquisa confirmou que a sociedade, além de não acreditar nas instituições, quer mudanças, quer reformas. E não somente a reforma política adequada ao gosto dos deputados e senadores. Mas que poderia ser ampliada para uma reforma institucional, que envolvesse corajosamente o fim do Senado, por exemplo, que, com sua duplicidade de funções, mais atrapalha do que ajuda, conforme está provado. E que depois os senhores parlamentares fizessem uma profunda reforma na legislação penal — essa legislação anacrônica e tão remendada que tanto os beneficia, permitindo chicanas jurídicas as mais diversas. No Brasil, por culpa dos legisladores e da leniência da Justiça, político não vai para a cadeia.
A pesquisa do instituto Única constatou que 45,3% dos aracajuanos concordam plenamente, enquanto 38,8% concordam parcialmente, com a expressão: “A polícia prende e a Justiça solta”. E 47,1% concordam plenamente, enquanto 29,2% concordam parcialmente, com a expressão: “O Código de Processo Penal é uma válvula de escape para a imunidade nacional”.
O FATOR LOUCO MANSO — O perigo de tamanho descrédito nas instituições e nos políticos é que se cria um vazio, um ambiente propício ao florescimento de salvadores da pátria de toda espécie. Da mesma forma que já surgiu um falso messiânico dizendo que ia consertar o mundo e acabou sendo afastado como ladrão, e da mesma forma que uma figura menor como Renan Calheiros subiu e se mantém num cargo tão importante quanto o de presidente do Poder Legislativo nacional, um maluco beleza qualquer, com carisma suficiente para conquistar a massa, pode chegar ao poder e tornar tudo pior do que já está. Se é que é possível ficar pior do que está.