O STF e as uniões homoafetivas – Parte IV

Em uma perspectiva social e comunitária, a decisão do STF representou um marco no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, possuindo enorme efeito simbólico rompedor do paradigma excludente e discriminatório ainda presente na sociedade brasileira.

Como dito na primeira parte dessa série de artigos sobre o tema, se de um lado houve diversas reações contrárias, sobretudo a partir de segmentos religiosos mais conservadores, de outro lado a decisão foi muito bem recebida por aqueles que já vivem, de fato, em união homoafetiva, e que se sentiam bastante discriminados diante da ausência de expresso reconhecimento jurídico de seus direitos e da ausência de igualdade de tratamento para com as relações heteroafetivas, sendo também muito bem recebida pelos heterossexuais que não concordavam com a negativa de direitos em decorrência de orientação sexual, tida como discriminação inadmissível nos tempos atuais.

Todavia, é importante melhor examinar os aspectos jurídicos da decisão do STF. Mais ainda: examinar o que o STF decidiu exatamente, bem como as repercussões jurídicas desse histórico julgamento.

Convém registrar que, em decisão de abrangência nacional, o STF julgou procedentes as ações propostas (ADPF n° 132 e ADI n° 4227) para conferir ao Art. 1.723 do Código Civil uma interpretação conforme a Constituição.

Relembremos o que dispõe o Art. 1.723 do Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família;

O que o STF decidiu, portanto, foi que essa norma do Código Civil, que menciona a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, não pode ser interpretada de modo a afastar a licitude da união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que presentes os requisitos da convivência pública, contínua e duradoura e o seu estabelecimento com o objetivo de constituição de família.

Assim, uniões homoafetivas já podem, sem qualquer controvérsia (a decisão do STF possui eficácia vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública de todos os entes federativos), obter o reconhecimento dessa condição de entidade familiar, para todos os fins que o ordenamento jurídico brasileiro assegura para as uniões estáveis heteroafetivas (efeitos familiares, sucessórios, patrimoniais, previdenciários, por exemplo).

Mais ainda: a possibilidade de conversão da união estável em casamento [determinação constitucional do Art. 223, § 3° (“Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”), regulamentada no Art. 1.726 do Código Civil (“A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”)] também deverá ser interpretada como admissível da conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes.

Essa é, aliás, a interpretação de MARIA BERENICE DIAS: “(…) se a união estável agora independe da orientação sexual, e se a lei faculta as pessoas que vivem em união estável a pedir a conversão em casamento, não vejo qualquer obstáculo legal para que haja esses pedidos de conversão (da união estável homossexual em casamento)” (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5115149-EI6578,00-Berenice+Dias+Nao+ha+obstaculo+legal+para+casamento+gay.html).

Não foi decidido pelo STF, contudo (até porque não foi provocado especificamente para resolver essa temática), sobre a possibilidade de celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo (para os casos de pessoas do mesmo sexo que, não convivendo em união estável, desejem constituir família na modalidade casamento). A rigor, pela fundamentação apresentada, o STF sinaliza o entendimento segundo o qual se o legislador aprovar lei contemplando a hipótese, essa lei será perfeitamente compatível com os preceitos fundamentais da Constituição. Mas, enquanto a lei não regulamentar expressamente a hipótese, ainda existirão controvérsias acerca da possibilidade jurídica de celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Ainda há, portanto, espaços de atuação legislativa no tema, o que, aliás, foi registrado nas manifestações dos Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso.

Com a palavra, o Congresso Nacional.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais