Já são mais de uma centena de “filmes de herói”, gênero que nasceu após a sublimação de histórias em quadrinhos na cultura pop norte-americana. Para quem vem da década de 1980, aquela chamada década perdida, lembra das pequenas revistas em papel jornal – baratas, e cheias de truques com nossa cultura urbana.
Os heróis naquela época eram rudes, sem educação, toscos, a Marvel chegou à popularidade especificamente com Homem Aranha e X-Men. Já a DC comics, usou os riquinhos Batman, Capitão América e um rico em poderes, o Superman.
“Os Vingadores” juntam os dois universos: a Marvel e a DC. Eles querem conquistar a indústria, tanto de filmes quanto de games. Esqueceram um pouco as HQs, já que elas não dão tanto lucro atualmente. A polêmica desse subgênero chega ao Brasil num cenário completamente devastado de um chamado “Cinema Nacional”.
Foram 80% das salas de cinema registradas com o filme da franquia Avengers. Em algumas cidades, todas as salas de cinema foram ocupadas pelo filme. Foram as 3 versões, a dublada para a já grande parcela analfabeta do país, a legendada para os fãs, e a versão 3D, para os que não saem de casa para ver “Cinema”, mas sim um espetáculo técnico e uma ostentação de novos usos da computação gráfica.
Os heróis, portanto, dos EUA, tomaram as salas sem dono do Brasil. Para alguns, aqui não tem cinema mesmo, então é preciso ocupar com filmes “de qualidade”.
Mas que tipo de qualidade? Uma qualidade técnica? Na nossa visão, dos que tentamos trabalhar com cinema, absolutamente nenhum filme (mesmo se for um clássico do tamanho de Titanic) merece tomar conta de praticamente todos os cinemas do país. Com isso não estou querendo dizer que o último filme das HQs seja um clássico – é preciso explicar.
Repetindo: nenhum filme merece essa ocupação das salas de cinema de um país. Para isso, existe em alguns países com políticas e gestões diversas no ramo da cultura como França, Inglaterra e China, uma coisa chamada cota de tela. Um protecionismo com a produção local. Isso é contra o livre-mercado? Sim. Mas só se um filme tem a intenção de, por algumas semanas, tomar conta das salas que, em geral, poderiam exibir a diversidade das produções infindáveis de todo o mundo!
Infelizmente, falar sobre isso no Brasil de hoje é um disparate. Uma loucura. Como falar de cultura, de proteção, de diversidade, de um mundo multicultural, rico em produções artísticas – e como falar desse mundo com sendo também um lugar em que fazemos parte, queremos fazer parte, e gostaríamos de estar em diálogo?
O Brasil se fechou. Sem ministério da cultura, com secretarias, como a do audiovisual, travadas em guerra. Com uma população que desistiu de acreditar que há alguma via de conversa que seja através da fruição estética. Voltou a empobrecer a potente massa de criadores de universos, tão distantes da cultura pop americana.
Fique claro aqui: o texto não faz nenhum julgamento ao filme da franquia HQ. Eu era um daqueles meninos que compravam os gibis da Marvel, até os 14 anos. Aqui se fala da falta de espaço, falta de lugar para se confirmar um diálogo diferenciado – com filmes diferenciados. E, como sempre vemos o filme brasileiro como algo “diferente”, também como uma falta de lugar para esse tipo de imagem: a nossa própria.
Ultimato dá seu forte e violento golpe contra o cinema brasileiro. É um momento extremamente delicado, esse que vivemos, especialmente para a cultura. Vemos algo morrer aos poucos, e é a nossa auto-imagem, aquela criada por nós mesmos, a cair em esquecimento.