As guerras de cada um.

Nos anos 1960, o menestrel Juca Chaves era famoso.

Suas músicas xistosas, risonhas e melodiosas, encantavam a muitos.

Uma destas modinhas, engraçada e delicada, glosava a aquisição de um navio porta-aviões, pelo governo Juscelino Kubitschek, que recebera o nome de Minas Gerais, virando a nau capitânia da nossa armada, isso nos idos de 1956.

Construído em 1942, num esforço britânico para expandir rapidamente sua frota de porta-aviões contra os nazistas, o Porta-Aviões, Minas Gerais, tivera por nome original, HMS Vengeance, e havia servido brevemente à Marinha Real de Sua Majestade Inglesa, tanto no Almirantado da Inglaterra, como nas Forças Navais Australianas, tudo isso antes de chegar ao Brasil, quando foi adquirido, com um certo escândalo, mote da musiquinha do cantor-comediante, Juca Chaves, que bem vale relembrar:

O Brasil já vai a guerra,

comprou um porta-aviões

Um viva pra Inglaterra

de oitenta e dois bilhões

Mas que ladrões!

O tempo não era de censura, era de muita liberdade, pois vigia a era JK, o sorridente mineiro, Peixe-Vivo, epíteto de outra canção que o enalteceria, sorridente e dançarino com um governo operoso e realizador, que pacificaria a nação com vários decretos de anistia a movimentos armados insurgentes, todos acontecidos após o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, no fatídico dia 24 de agosto de 1954.

Aqueles tempos eram sobremodo golpistas.

Da lavra do tribuno Carlos Lacerda, o maior barítono do golpismo, repetia-se em verso livre, nas prévias eleitorais marcadas para 3 de outubro de 1955: “O senhor Juscelino Kubitscheck não pode ser candidato. Se for candidato, não pode ser eleito. E se for eleito, não pode ser empossado.”

E o curioso é que aquelas eleições iam ser disputadas, sem denúncias de fraudes, mesmo porque nelas seriam sufragados os votos em cédula única, uma novidade fantástica, contendo os nomes dos postulantes a Presidente e Vice-Presidente da República.

A chapa, vale resgatar por fotografia, vinha assim encimada:

PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA

’ – JUAREZ TÁVAORA

’ – ADHEMAR DE BARROS

’ – PLINIO SALGADO

’ – JUSCELINO KUBITSCHECK

         PARA VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

’ – JOÃO GOULART (JANGO)

’ – MILTON CAMPOS

’ – DANTON COELHO

A cédula eleitoral, lembro-a bem, porque eu, menino, com oito anos de idade, acompanhei minha mãe à secção eleitoral, levando no bolso a minha chapa pessoal contendo as minhas escolhas, como se me fosse permitido inseri-la na urna que seria inviolável..

Como a História bem registra, aquelas eleições nunca foram denunciadas por fraudadas.

Todavia o resultado desagradaria os golpistas de sempre, porque as eleições de outubro de 1955 ratificaram a vitória de JK, que recebeu 36% dos votos, contra 30% dos votos para Juarez Távora, 26% para Ademar de Barros e 8% para Plínio Salgado.

Tentando barrar a posse do vencedor, Juscelino, e intentando tisnar a sua vitória, os setores derrotados, sobretudo os lacerdistas e udenistas, apoiadores do perdedor, Juarez Távora, passaram a alegar que o resultado não conferira a ele Juscelino, qualquer vitória, afinal uma maioria absoluta de votos não houvera sido obtida, um preceito nunca exigido então, em previa lei.

E a posse do eleito restou ameaçada, sendo preciso desferir um contragolpe preventivo desferido pelo Marechal Henrique Batista Dufles Teixeira Lott, pondo a tropa na rua e seus blindados, derrubando dois Presidentes da República no caminho: o Provisório, Carlos Luz, então Presidente da Câmara dos Deputados, e o Titular, João de Café Filho, Vice-presidente afastado para tratamento de saúde, empossando um terceiro, Nereu Ramos, então Presidente do Senado da República, e 3º na linhagem de sucessão presidencial, com os derrubados fugindo espavoridos para um navio fundeado na praia, o Almirante Tamandaré, comandado pelo célebre Almirante Penna Boto, dono de grande fama por atirador em boa pontaria, de onde esperava-se vir um canhonaço por ensaio de resistência, mas que deu xabu, com o navio rumando para São Paulo, onde governava Jânio Quadros, que os acalmou.

A acalmia todavia, não impediu novos golpes e tentativas, porque surgiram outros levantes distantes o de Aragarças e Jacareacanga, nada que prejudicasse o  governo de Juscelino, sendo por cinco anos festejado por canção mineira de seu folclore:

Como pode o peixe-vivo

Viver longe de água fria.

Não poderei viver, não poderei viver.

Sem a tua, sem a tua: companhia

Valia a piada, sorria-se as pandegas, sem preocupações, daí o baiano risonho, Juca Chaves, sempre lembrado no gracejo e na viola, criticando a compra do porta-aviões como um mimo à Marinha, sempre abespinha a Juscelino, em gasto inútil do erário:

Comenta o zé povinho

Governo varonil

Coitado coitadinho

Do banco do brasil

Há, há, quase faliu

Porque pelo que se ouvia e se comentava, tudo isso em bochichos inscientes, de parca rede social, a compra daquele navio se dera, como um afago à nossa Armada.

Mesmo porque, residia nas forças embarcadas a maior  insatisfação contra os rumos políticos da nação, de modo que ali reinava, senão o pior ninho conspirador, mas o mais aguerrido na garganta, embora lhe faltassem a força decisória de se fazer líder numa eventual conjura, como tantas que se seguiriam em anos posteriores.

E porque fora assim, a compra era um presente, dizia-se então, para pacificar tais ânimos, valendo a chacota e a crítica da cançoneta, afinal o Porta-aviões, chegava semi-obsoleto, quase inútil, conforme ver-se ia depois.

Enquanto uns idiotas

Aplaudem a medida

E o povo sem comida

Escuta as tais lorotas

Dos patriotas

Porque o povo, de antes, de hoje e de sempre, vive carente…, de comida!

Daí bem valia a piada, mais que lamentada:

A classe proletária

Na certa comeria

Com a verba gasta diária

Em tal quinquilharia

Sem serventia

Entretanto, como o ufanismo mascarava qualquer tolice, a canção continuava, denunciando o despertar para o briga intestina da esquadra com a esquadrilha, porque neste ser ou não ser, de quem pertencia o brinquedo de tosca valia, quase rebentou uma guerra cruenta entre a Força Aérea e as Embarcadas, afinal ninguém sabia quem pilotaria os aviões, nem de quem seria sua manutenção e intendência no antes e no pós poiso.

Porém há uma peninha

De quem é o porta avião

É meu, diz a marinha

É meu, diz a aviação

Ahhhh! Revolução!

E como a quase-guerra infantil entre a Marinha e a Aeronáutica sumiu nos ares e mares de nosso Brasil, varonil, sobrou o resto da música, com o Brasil, terra adorada, sempre, amado e idolatrado, mas roubado e continuado; em muitos milhões!

Brasil, terra adorada

Comprou um porta aviões

Oitenta e dois bilhões

Brasil, oh pátria amada

Que palhaçada!

Palhaçada ou não, àquele tempo, nossa armada, nossa marinha cisne-branca, no âmbito das três armas, forças de terra, mar e ar, rotineiramente vinha querendo ter um papel político à frente dos destinos da pátria, isso desde antigas revoltas nos primeiros anos de vida da nossa República, combatendo sem sucesso os nossos dois Presidentes Marechais, o Manoel Deodoro da Fonseca e o Floriano Peixoto.

Na Marinha, pelo que se comentava em pouco saber e muita suspeita, era ampla a conspiração contra os poderes constituídos, sobretudo se os governos posassem maior em simpatias comunistas, justo em tempos de guerra-fria.

A conspiração se dizia mais radical, com os embarcados posando mais guerreiros que os Marechais e os Brigadeiros, os primeiros com amplo poder de fogo, enquanto a Força Aérea era recente e pouco combatente, até porque os aviões voavam baixo e tinham pouca autonomia.

Digo assim, falando dos Marechais, porque sendo tempos posteriores à 2ª Grande Guerra, eram muitos os Marechais,Generais de História conhecida nas terras Italianas, hoje um título em extinção, ninguém mesmo sabendo o que é um Marechal e o que fizeram para assim merecer tal título.

Quanto aos Golpes de Estado, conspirados e intentados, dava-se golpe com bala e tiro, canhão desfilando na rua, muita parada, de corneta, com caixeta,  clarim e trombone…

Hoje o golpe se dá num domingo, com donas-de-casa, velhos desocupados e meninos em calça curta, manicure com batom grafitando estátua, pipoca, rolete de cana chupado e muito algodão doce, quebra-quebra de vidraça, todo tipo de arruaça, nenhuma prova, gravação ou filme, com câmaras escondidas, muitas delas espalhadas, mas ardilosamente desligadas, por inseridas, mal servidas ou esquecidas, só para vigorar a versão, triste variação,  sem prova nenhuma.

Mas; quantos vilões! Poder-se-ia até cantar de novo do Juca a canção não fossem muitos os bytes, sem que nenhum os reconhecessem.

E sem erigir um herói em tantos infiéis apreendidos e enjaulados a requerer o perdão e a merecida anistia.

Ah, anistia, quantas vezes tu fostes invocada para perdoar tantos pérfidos lutando pela democracia.

Ah, democracia! Quantos crimes são cometidos em teu nome!

E tantos bons fiéis com Terços e Bíblias invocando aos Céus! Muitas coragens de milicos!

Infiéis que nada mereciam! Embora sempre façam jus ao perdão para os delitos políticos em busca do arrefecimento de ânimos, e o esquecimento por necessário!

E quando eu vejo espíritos tão doces rejeitando a Anistia, eu lhes constato a vil intolerância, naquela mesma beligerância, para quem tudo se justifica, lamentavelmente, até o pior bombardeio, por troco advindo e necessário, pois é contra estes que os romanos já diziam todo e sempre, e de longe: “si vis pacem, para bellum!”  Se queres a paz, prepara-te para a guerra!

E é nesse contexto que eu vejo, sem esperança, a necessidade de rearmar os espíritos, para uma nova refrega, para que não se chore o mesmo choro do vencedor de Cartago, porque o fogo é o mesmo, e a vingança sempre vem, e é maligna!

De Cartago, e só por lembrança, revejo as lágrimas de Públio Cornélio Cipião Emiliano Africano (185 a.C. – 129 a.C.), conhecido também como Cipião Africano Menor ou Cipião Emiliano, que em 146 a.C., conquistou definitivamente Cartago, incendiando-a e matando todos os cartagineses resistentes, adversários de Roma, como pretendem agora os antagonistas à anistia do “’golpe’ de oito de janeiro”, como se assim o pudessem impunemente.

As lágrimas de Cipião Emiliano, perante as chamas de destruição de Cartago, e sentindo o seu cheiro tão próximo, vale lembrar como assevera o Historiador Políbio, enquanto testemunha daquela destruição inconsequente, por velha premonição, cantada desde Homero na sua Ilíada oracular: “Chegará (para Roma) também o dia em que perecerá a sagrada Troia”

Ou seja: quando a intolerância prevalece, nenhuma chama como as de Cartago, impedirá a vingança.

Algo semelhante ao que se vê agora com Israel, pequenino, bombardeando cirurgicamente o arsenal nuclear dos Aiatolás Iranianos, querendo eliminá-los, definitivamente!

Irá Israel conseguir, terminantemente, a sua segurança?

E o Brasil: conseguirá sua pacificação interna quando envereda “venimosamente” contra o amainar de ânimos, com tanta aversão à Anistia pacificadora?

Tal odiosidade à Anistia não é um convite a novas refregas?

Não reclamemos se a luta vier a ser reiniciada novamente.

O alerta, penso valer por necessário, porque rejeitando a pacificação via Anistia, o Brasil estará enveredando, sem perceber, numa refrega já, dèjá, anunciada!

E não vai ser com simples eleição mascarada, onde tudo vale desde que o adversário seja impedido de concorrer…

Porque esse é o plano que se prenuncia: contra a Anistia, e contra o livre concorrer das escolhas, que já se anunciam perdidas pelas esquerdas, sempre elas; intolerantes.

No mais, pode-se cantar a música à moda, Juca Chaves; o Brasil querendo ir à guerra aliando-se a tudo de pior que vige no mundo.

 O Brasil quer ir à guerra,

sem ter porta-aviões,

com dívida de bilhões;

ó que ladrões!

Porque os ladrões campeiam distantes, e sempre “des-condenados” sem prescindirem de Anistias.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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