Desagradável

Dizem de um famoso jornalista que na busca de um abrigo para os seus escritos, um seu presuntivo empregador pediu-lhe que escrevesse sobre o Governo Getúlio Vargas, então ditador, ao qual respondeu: – “O Senhor quer que eu escreva contra ou a favor?”

A resposta restou famosa, suscitando o agrado e o sorriso do pretenso empregador que lhe deu o emprego, tendo o ainda nascente redator ganhado fama, e se imortalizando em longa vida, pululando na crônica sulista.

Em verdade, os vocábulos são neutros, podendo ir e vir ao sabor de quem os pronuncia, ferindo ou acarinhando, provocando afagos e até desferindo golpes letais, nunca pensados.

No cerne dos infaustos acontecimentos da História, está um ovo ofídico lentamente fecundado por uma opinião pueril, inocente mesmo, como tudo que nasce tenro, trazendo consigo toda cepa, seu veneno original, disponível para contamino.

Júlio Cesar, o famoso General vencedor das Guerras Gáleas, não resistiu aos conciliábulos de Brutus, Casio e Cina, notáveis cidadãos, sempre zelosos da República Romana, que cochichavam os seus conceitos, num tempo em que a imprensa não existia, muito menos as hodiernas, por terríveis, redes sociais.

Na 1ª República Francesa, quando os panfletos se espalhavam como praga, uma mulher, dita virgem, inconspurcada, Charlotte Corday, saiu de sua cidade natal la na distante Normandia e viajou a Paris, a pé cerca de 60 léguas, ou no lombo de uma mula, só para enfiar uma faca adredemente afiada no ventre de Jean-Marie Marat, o jornalista leproso, muito amado e por demais bexiguento em moléstias purulentas, odiado e muito amado, por ser um fervoroso Jacobino, a si nomeado, “L’Amie du Peuple”, por seu panfleto venenoso, “O amigo do Povo”, responsável pelas perseguições aos grupos políticos mais moderados, como os Girondinos, acusando-os de conspiração contra a Grande Revolução Francesa.

Charlotte Corday, está casta de 25 anos, restou louvada e reverenciada como heroína, por ter cometido um assassinato que se revelou definitivo, afinal tudo mudou a partir de seu gesto, porque o seu pescoço, por seu feito, foi decepado, sendo seguido pelo de seus algozes e julgadores, na mesma guilhotina que poupara Marat, cortando igual, na mesma praça, no mesmo retalhe, e no mesmo apupo da velha massa, que ri e folga, e permanece; bestificada!

Em bestificação semelhante, do outro lado do Atlântico, e em meio a uma luta entre irmãos, muitos escritos levaram à chamada Guerra da Secessão, e com ela o Presidente Abraham Lincoln chegou a escapar de alguns atentados, um deles com um balaço arrancando-lhe a cartola do cimo de sua cabeça, o que não impediu de depois ter o seu cérebro fendido por uma bala deflagrada por John Wilkes Booth, um ator, que dele se aproximou sorrateiramente enquanto o velho Abe assistia a comédia de Tom Taylor, “Our American Cousin”, ou “nosso primo americano”, sem deixá-lo terminar uma ultima gargalhada, justo na tribuna de honra do Teatro Ford em Washington, onde estava vulnerável a comemorar uma paz já conquistada.

Em outro campeio pela paz, Jean Jaurès, o grande tribuno da esquerda francesa, por seus escritos e suas falas, enquanto beletrista do Jornal “L’Humanité”, foi fuzilado em frente a um prato de sopa, justo em sua ceia solitária, só porque incomodava a tantos em sua pregação pacifista contra aquela que seria a 1ª Grande Guerra

Do lado nosso, por tolices também geradoras de cizânias, o senador rio-grandense, José Gomes Pinheiro Machado, notável líder e condestável da 1ª República Brasileira, que até bem pouco fora estátua na nossa Praça da Igreja São José, foi apunhalado pelas costas, pelo sicário, Francisco Mâncio de Paiva Coimbra, que se orgulhava de ser um Mâncio de Paiva Coimbra, e não de transparecer um jumento, cavalo ou jerico, para restar grafado como “Manso”, justo pela imprensa pátria, que o quis assim, gravosamente amansado, na notícia do seu feito, escandalosamente relatado…

Pinheiro Machado que fora aos dezesseis anos um lutador desde a Guerra do Paraguai, foi apunhalado solertemente pelas costas na escadaria de um hotel, só tendo tempo de verberar uma dor, por protesto, definitivo e terminal: canalha!!!

Seu matador, Mâncio de Paiva, por suas muitas leituras jornalísticas, entendia que os males de nossa Repúblicaseriam dirimidos com a eliminação daquele condestável e grande contendor de Rui Barbosa.

O mesmo Rui, que em prévias de “Águia de Haia”, um dia consertara o vernáculo de seu colega Pinheiro Machado, porque este dissera: Se Vossa excelência se deter”;  num escorrego do debate, justo nas arcadas do velho Palácio Monroe onde situava o vetusto  Senado.

Fora um erro crasso ao qual não faltara a Rui Barbosa o momento de corrigir repreendendo-o: “Não é deter, excelência! É detiver! Se Vossa excelência se detiver!”. Talvez, quem o sabe: soletrando miudamente: DE-TI-VER! Por maior chiste e melhor facécia.

Ao qual respondeu Pinheiro Machado; in verbis”: “Quando Vossa Excelência estava aprendendo gramática, eu estava defendendo o Brasil na Guerra do Paraguai!”

Cartaz de campanha para Presidente dos Estados Unidos da América em 1901 entre William McKinley e William Bryan.

 

Algo semelhante à propaganda de Wiliam McKinley em 1901, contra o democrata William Jennings Bryan na campanha dos dois à Presidência dos Estados Unidos, quando o primeiro se arvorava de estar combatendo desde 1861 por sua pátria, enquanto o outro desde aquela data só choramingava e sujava as fraldas.

Refiro-me nesse texto a William McKinley, porque foi outro ceifado à bala, covardemente, sempre por um mau leitor dos piores escritos.

Nesse sentido a história americana é farta em assassinatos, como o ocorrido com os irmãos Kennedy, com o pastor Martin Luther King, e agora como o debatedor Charlie Kirk, recentemente eliminado por um atirador de elite, e quase-quase com o “Laranjão”, Donald Trump, que teve sua orelha arranhada por um balaço mal assestado.

Em mau assesto, uns dizem também, ter sido a facada desferida contra o Mito Bolsonaro que ainda hoje o infelicita em soluços cruéis e continuados…

Isso, porem, é outra história, porque outras punhaladas lhe têm sido desfechadas, mas tudo de forma legal e incontestavelmente solertes e imerecidas, só para dizer que uns merecem muito mais, tudo a critério dos muitos padecimentos requeridos.

Tudo valendo e sem recurso, a menos que venha de fora algum clarim da cavalaria montada, para botar ordem no poleiro. Tema que não falarei, porque o noticiário nesse contexto vem lento, com o Bolsonaro padecendo em prévias de martírio, o que será uma inutilidade, afinal somos uma terra sem santos nem heróis, em excedente bandidos.

Que o diga Getúlio Vargas, que se imolou sem carregar consigo um só dos seus algozes!

Mas, eis que me afastei da palavra que orienta a guilhotina e alimenta o matador sempre disponível para eliminar o herói e realçar o bandido.

E neste recordar pueril, eu relembro um texto antigo; “Só não quebre meus canhões”, em que eu me espelhei numa série de músicas ditas de mal gosto, por duplo sentido, afinal a graça e o riso podem suscitar a desgraça e o mal juízo de quem lê e tudo desvirtua.

Nesse contexto de gracejo, eu lembro de uma música, do Sandro Becker, salvo engano, que explicitava repetitivamente, “Quer centavos novos!”, por conta de uma moeda que não existe mais.

Uma outra música falava repetidamente: “É só capim canela”, como ração de engorda para uma troça por criação.

Outra ária gritava: “Vá tomando rum!”, abusadamente muitas vezes, mandando alguém tomar não tragos de rum, como se pensa, mas querendo mandar tomar “no rum”, como se recomenda a tantos desafetos

Ou ainda, sem imprecar, mas para enaltecer, outros afetos, nada abjetos: “Ela gosta de língua / ah que demasia / língua no cozido / no assado todo dia”.

Porque o pior dejeto seria no canto e no verso, mandar alguém comer pirarucu ou quiabo cru, numa música junina, ao reverso, e a controverso.

E também; por que não?: “Nambu seca sim, nambu seca quero, eu gosto  de nambu seca, que é um prato singelo”.

A singeleza restando para o diverso mais divertido, daquele que chega em casa gritando não tão esfomeado: “Eu quero comer Tereza!”, quando a ausência de uma vírgula, transforma o vocativo no direto objeto do desejo.

Ou seja, quem escreve nunca sabe se no todo só enseja o riso, alguma farsa ou uma falsa comédia!

Porque algumas vezes nenhuma graça produz, mas mata!

Veja-se quantos colocam veneno na sua pena, como Marat, o leproso, que recebeu seu remunero nunca imaginado vindo de uma vigem desconhecida, em meio ao banho termal, quem o diria!

Extrair o mal assim, definitivamente, extirpando de vez a praga daquele que escreve desagradavelmente, não é comum, mas acontece!

No contexto da política, eu tenho visto ultimamente muita gente rascunhando contra os pretensos candidatos à próxima eleição, como se isso lhes produzisse qualquer apoio, quando em verdade, o seu viver, enquanto escriba formador de opinião, é um continuo  deseleger-se, por fracassados marqueteiros, bancando pitonisas.

É só lhes perquirir o existir!

E que se não fale do que os anima enquanto proselitismo partidário, como seria esperável, afinal faz parte do processo político cada sigla enaltecer o seu preferido e desfazer o seu adversário…

Eu falo de gente que se mascara como isento, vive a soldo de pena, e nos tenta  conduzir ao engano.

 

Porém, como diziam os antigos: “O desengano da vista é furar os ‘zóios’”!

Coisa de ‘zóião’, simplesmente!

Praga que benzedeira e banho de arruda com sal grosso previnem, mas não curam!

No mais, é gente que erra tanto, que nem sequer atualiza o retrato, para se contemplar em decadência!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais