Hoje, 28 de Dezembro, pela Liturgia da Igreja, é o dia dedicado aos “Santos Inocentes, Mártires”.
Quem seriam estes mártires inocentes?
Há mártires que são culpados e outros que são inocentes à luz das leis dos homens, tomadas como lei de Deus?
Há mártires que bem o merecem a coroa do sofrimento e que por assim receberam a paga de uma temerária ação?
Há em cada ação do indivíduo uma contrapartida por paga ou troco da sua escolha e posição assumida no conflito dos interesses vários aos sabores e desmereceres de proveres e quereres do bicho homem, enquanto algoz, juiz, injuriador ou verdugo, açoitando chicotes e outros manguais disponíveis contra aqueles que os entojam, repugnam ou os incomodam apenas?
E nesse apequenar inconsequente. Há mártires justiçados por necessário, e há outros injustiçados mas merecidos porque uteis restaram como baixas de uma batalha, apodrecidos numa guerra justa, ou numa refrega injusta, porque de um lado a outro vinga a mesma ideia, a mesma crimideia, enquanto distopia.
Crimideia, palavra nova, em Novilíngua surgida a partir da obra literária, 1984, de George Orwell, um novo idioma concebido, dando-lhe um sentido pior, por político, por contração e condensação de palavras com os seus respectivos sentidos, eliminando-os do vocabulário comum, com a finalidade de restringir o pensamento, uma vez que ao não falarmos sobre algo, os Santos Mártires, por exemplo, os mesmos passam a não existir, ou seja, mediante um reles cerceamento da linguagem, controla-se sobretudo o pensamento, nivelando-o rasteiramente ao rés do solo, ou da sarjeta, onde escorrem todos os dejetos inúteis.
Não que Orwell imprecasse contra os Santos, mas porque os homens nunca foram santos, nem mesmo assim o desejam; santificar-se!
“Les hommes sont egaux!”, “Os homens são iguais!, grita de Orwell o herói ensandecido cantando alto em “Bolero”, ou “Les uns et les autres”, “Uns e outros” em “Retratos da Vida”, filme notável de Claude Lelouch, lançado em 1981 e estrelado por Robert Hossein, Nicole Garcia, Jorge Donn, dançando em pleno Trocadero parisiense a coreografia de Maurice Bejat para o Bolero de Ravel, com Daniel Olbrychski, enquanto concertante espelhado, creio eu em Herbert von Karajan, e Éveline Bouix, James Caan, Geraldine Chaplin, Fanny Ardant, em trilha sonora belíssima de Michel Legrand e Francis Lai.
Filme lembrado porque narra a saga infeliz de quatro famílias de distintos países – Estados Unidos, França, Alemanha e Rússia – se cruzando em circunstâncias históricas, e a se unirem através da dança e do drama, justo quando o mundo batalhava entre si durante a Segunda Guerra Mundial, só para firmar que “Les hommes sont égaux,… mais il y en a qui sont plus égaux que d’autres!”; Os homens são iguais,… mas há homens que são mais iguais que outros”, no dizer de outros, inspirados no mesmo Orwel, mas lhe pensando diferente.
E nesse contexto; o mártir, pode ser pouco mártir ou muito menos inocente, o que termina parecendo a mesma coisa, segundo o lado da trincheira, no filme, em “Les uns et les autres”, e na vida de cada um, como agora entre Israel, o agredido, e o Hamas, como agressor, e da Venezuela agora, querendo garfar o petróleo da Guiana, que ousou deixar de ser: Inglesa!
Mas a Liturgia das Horas, de quem me distancio, fala dos Santos Mártires, aqueles que a fio de espada foram retirados dos regaços de suas mães, recém-nascidos, a mando do Rei Herodes, que imperava nas terras de Jerusalém, quando nasceu em Belém de Judá um Menino que fora saudado em prévias por uma estrela cometa, atraindo Três Magos Reis do Oriente, em busca de uma profecia longínqua, milenar, de que um Rei iria nascer por aqueles sempre aziagos dias.
E Herodes sabendo a notícia, quis encontrar o menino, livrar-se dele enquanto ser frágil, como de costume, temendo perder o trono e a dinastia para o rei-menino que surgia.
E a história conta que muitas mães choraram por aquele crime terrível, sempre crível, e concebível, quando a humanidade, em error igual, por vícios e maldade, o remete, sempre em gana e raiva, quando se sente ameaçada nos seus planos e vontades.
É quando me vem a memória infantil de um José, bom velhinho, e uma Maria, bonitinha, santos humildes acossados, partindo correndo em demanda ao Egito, levando o menino urgente, naquela mesma geografia ingente, por desértica, fugindo dos prepostos de Herodes, que nos rastos sondava até os passarinhos na busca dos traços da passagem, cabendo até mesmo a onomatopeia doce e infantil da Rolinha Fogo-Apagou: “Fogo apagou, por aqui não passou!”, desmentindo o Bem-te-vi, ave triste assertiva, que pouco incrédulo retinia, sem aos guardas convencer: “Eu bem que vi!”
História que na minha infância via a Rolinha posava de boazinha e o Bem-te-vi não tão bonzinho.
Se há muitos Herodes no mundo, fala-se ali daquele Herodes, dito, O Grande, construtor de muitas obras em Jerusalém, segundo o Historiador Judeu Flavio Josefo, que logo morreu sufocado ajudado até por um Antipas, seu sucessor.
Dos sucessores de Herodes, e de seus filhos; Arquelau, Antipas e Filipe, fala-se de muito adultério, crimes outros sujos por incestos, nada que vale a pena narrar, sobrando até a cabeça de João Batista, justo aquele “que nunca haveria maior entre os filhos nascidos de mulher”, servido numa bandeja de prata como praga de orgia.
Se dos crimes a humanidade semeia e o fará para sempre, louvemos neste 28 de Dezembro os pequeninos mártires inocentes, aqueles sangrados sem culpa, e que Deus perdoe as nossas omissões!
Feliz Natal, ainda!