No domingo de carnaval, 11 de fevereiro, tomei um avião para New York, levando comigo minha companhia favorita, Dona Tareja, sem a qual eu me perco, me confundo, sinto frio, sinto calor, me desaprendo em desamparo.
Estávamos, ela e eu, precisando saber-nos vivos, no além do espaço vital que nos circunda.
Queríamos nos desafiar numa outra ambiência, saber como o mundo anda, indiferente à insolvente discussão, se Lulavenceu realmente, ou se foi o Mito garfado na urna inconfiável, porque tudo continua numa pior incompreensão, um aplaudido nas ruas, outro fugindo escafedendo, escambiado e fustigado, pior que demo, escanteado; malvisto e malquisto, um quisto em pior Mefisto indesejado, sumindo das ruas e fugindo das vaias, sem tréguas conquistadas, ainda!
Estávamos cansados (quem não está?), do que víamos e líamos, afinal bem pior do que aquilo que se não vê, é ter que ler o que nos põem à mesa como iguaria, desfocando a realidade, falsificando-a ao sabor avinagrado, do apodrecido, mal fedido e rejeitado, do desagrado acontecido, numa eleição que fica, cada dia pior, como retrato roto de uma democracia escariada.
E a cárie, todos o sabemos, quando é do dente, molar, incisivo ou canino, pode-se colmatar o desatino, resgatar eventual recidiva, em prevenção obturada, mas quando ela atinge os ossos, o esqueleto fende, não ergue o corpo, tudo piora, desaba tudo.
Mas, como de início falei, fomos aos Estados Unidos, nação portentosa construída por um povo vocacionado à grandeza, excluindo a miudeza dos homens que veem no progresso só o mal, o pecado, e a exploração dos fracos pelos fortes.
E os Estados Unidos fascinam… Embora muitos não vejam assim, querendo uma perfeição de diarréica paradisíaca.
E nessa fascinação já antiga, não foi à toa que Alexis de Tocqueville, nos idos vencidos de 1835, justo quando a sua França se despedaçava em novas prévias de sequentes Revoluções sanguinolentas, escrevera enaltecendo a “Democracia na América”, texto ainda hoje referido e pouco imitado mundo a fora.
Porque os Estados Unidos, cada vez pujantes, mostram ao mundo uma história florescente, com instituições que funcionam e atraem, alguns achando que por ser assim, sobra-lhes uma dívida insolvível com os famélicos de todo mundo, com os do Brasil inclusive, cuja fome aos Yankees é sempre atribuída, como miséria a ser cobrada e repartida.
E porque o sucesso é fruto do esforço e da força de vontade, compreende-se o porquê de os Estados Unidosquererem se isolar em muralhas cada vez maiores, como nós todos nas nossas residências enjaulados, ou nos condomínios isolados.
Interessante é que a Ilha de Manhattan, coração da cidade Nova York, é resquício holandês, justo daqueles que daqui foram expulsos de Recife e Olinda, a partir das heroicas vitórias nas Tabocas e nos Guararapes, com o trigueiro, André Vidal de Negreiros, o usineiro português, João Fernandes Vieira, o negro, Henrique Dias e o índio, Felipe Camarão, todos bravos, reunindo o mito das três raças tristes, alma máter, por feitos de deleites, ou defeitos de enfeites, por amoroso olor nacional, e outros confeitos que acrescento ao aprendido em criança, no Educandário Brasília, auxiliado pelas Esquadras Luso-Espanholas, de Dom Fradique de Toledo Osório, Marquês de Vilanueva de Valdueza, na invasão da Bahia, e Dom Antônio Oquende, no Recife.
Repito assim, salvo engano, porque o fato maior exaltado foi a vitória contra o Almirante Adrien Jansen Pater, que se enrolando na bandeira holandesa, pulou ao mar de sua nau, antes declamando em castiço neerlandês: “O mar é o único tumulo digno de um almirante batavo!”.
E lutas outras onde pontuou como “traidor”, Domingos Fernandes Calabar, os holandeses fugindo para Manhattan,onde construíram mais do que pontes, e as pontes novaiorquinas são formidáveis!, num tempo em que o Brasil mais queria ser Luso-Espanhol, sob o reinado de Filipe IV, de Espanha e Portugal, e outras plagas de América, como a Flórida dos Rojas y Borjas, justo um “rei opressor”, segundo o poeta Francisco de Quevedo, e nós em mau arremedo de versos e outros arrevessos, rejeitando os holandeses de Nassau, no contexto da assim chamada Guerra dos Trinta Anos (1618-1848) da Europa.
Se Recife não perdeu tanto, e o Brasil também, enalteça-se que ali tem o melhor Carnaval do Nordeste, com os frevos de “Felinto e Pedro Salgado, Guilherme e Fenelon e seus blocos famosos”, em tantos embatuques de Maracatu e Caboclinhos, a partir do Marco Zero, muito melhor do que a Manhattan ilha, no meio do frio, Rio Hudson, constituindo a cidade que nunca dorme; New York, New York, na música de John Kander e Fred Ebb, e na voz de Frank Sinatra, que alguns não gostam.
Gostando ou não, a ilha de Manhattan é belíssima, e eu não me enfastio em percorrê-la de norte a sul por suas longas avenidas, onze, salvo engano, todas numeradas, e de leste a oeste por infindáveis ruas, numeradas também, num traçado quadriculado de orientação facílima, porque só há destoamento desta orientação com a famosa Broadway, que possui um traçado único, cortando a ilha diagonalmente, no meio da qual situa-se a Time Square, região mais famosa da cidade, por luminosa, fervilhante de passantes e colorida, onde se situam as melhores casas de show e espetáculos do universo, embora muitos o pensem diferente.
Nas minhas estadas em NYC, tenho me abrigado na 24st, no Mela, justo entre a Broadway e a 5ª Avenida.
Gosto de percorrer a cidade a passos lentos sem me distanciar, porque ali não está tão longe da Macy’s, da Igreja Saint Patrick, da Apple Store, no inicio do Central Park, e posso conhecer tudo andando; do Empire State Building, ainda magnifico e centenário, ao Flatiron, ainda charmoso.
Ir ao Rockfeller Center, perguntar pelo mural desconstruído de Diego Rivera, tomar um ônibus turístico em vários roteiros incluindo a Estátua da Liberdade e o One Word Trade Center, edifício de gigantesco que sucedeu as famosas Torres Gêmeas assassinadas e que ainda não escalei.
Infelizmente desta vez fiquei mais afastado, na 10st Avenida, esquina com a 22nd Street, bem próximo à Port Authority, o bus terminal, de onde mais uma vez tomamos um ônibus para o Woodbury, um dos mais famosos outlets da cidade.
Como dito anteriormente, muitos desses passeios o frio nos apeou, nada impedindo as visitas às lojas, mais requeridas por Tereza, que tem as suas preferencias, eu me afastando das livrarias e bibliotecas, já que no inglês, sou um jejuno analfabeto.
Dos espetáculos da Broadway, consegui assistir o musical, Hamilton, como era meu desejo, adquirindo o ingresso na porta do Teatro Richard Rodgers, na 226 W 46th St, sem pagar cambistas, como assim projetei desde a partida.
O musical Hamilton, é fulcrado na vida de Alexandre Hamilton, um dos “Pais fundadores”, da nação americana, junto a George Washington, de quem foi seus longos braços e em firme pensamento, John Adams, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin e tantos outros.
Hamilton, cuja efígie ilustra a cédula de dez dólares, é tido como o verdadeiro formador da identidade econômica americana, enquanto delineador da politica financeira que restou vitoriosa, ele que foi o mais notável secretario de tesouro, que permitiu a imposição central da união, forte e coesa, perante a dispersão federalista que tudo ameaçava na nascente República, como se evidencia na peça com a presença do Rei George III tripudiando de um eventual sucesso daquela nascente rnação de bárbaros.
Curiosamente o musical Hamilton é encenado por atores negros, interpretando personagens que, no tempo e no espaço, eram escravagistas, embora o personagem central Alexander Hamilton fosse uma figura sem nobreza, nascido e criado nas Índias Ocidentais, quase um órfão de pai vivo, que se destacou por sua inteligência, como primeiro auxiliar de George Washington na Guerra de Independência Americana, amigo do Marques de Lafaiete e que foi morto num duelo, aos 47 anos de idade, por Aron Burr, então 3º Vice Presidente dos Estados Unidos.
Dos Estados Unidos, muitas coisas a destacar: Uma, para mim notável; o apreço dos americanos à sua moeda.
Ali não há cédula rota ou suja como aqui.
Até uma cédula de um dólar, com a efígie George Washington, o seu personagem principal, circula novinha, “estalando”, como eu dizia no meu tempo de criança quando recebia um dinheiro de presente e resistia até mesmo a gastá-lo, isso no distante tempo do Cruzeiro.
Por outro lado, o troco em moeda é ali contado, requisitado e reembolsado. Ninguém o substitui ou arredonda, afinal eles não são tão ricos como nós que os desprezamos, jogando-o à toa.
Outra coisa: Senti falta de flanelinhas, de tomador de conta de automóvel, de pedintes a cada esquina de semáforo. Se eles existem, talvez seja porque os auxílios tipos “bolsa família” são mais eficientes.
Muita coisa eu poderia contar, porque depois nós fomos a Las Vegas, uma coisa monumental em alegria cores; um “inferno na terra em excessos de vícios”, como propagandeiam os que condenam o luxo, vendo nele a miséria de muitos, dos famélicos do nordeste e de África, por exemplo.
Porque no campo da orgia há muita heresia, a suscitar o inferno e as danações, sempre para os outros: aqueles que não são do nosso agrado.
Las Vegas é o resultado da liberdade americana.
Ali os Estados por possuírem legislações próprias, ditas federativas, podem liberar o chamado “jogo de azar”, e com eles os Cassinos, e o dinheiro se reproduzir em progresso crescente.
E assim Las Vegas floresceu no meio do deserto, desafiando tantos que o desejariam intocável.
Intocável não deveria ser a miséria que campeia na mente de todos que se insurgem contra o progresso, o homem sendo o mesmo em sonhos e angústias.
De Aron Burr o matador de Alexandre Hamilton num tolo duelo, restou uma carreira decrescente jogada no ralo da História, refletindo em palavras próprias sua pouco refletida memória: “O mundo lhe fora tão grande e ele não percebera que nele bem cabiam tanto a si, como a Hamilton!”
Porque o mundo nos cabe a todos, aqui neste Aracaju tão calorento, em Las Vegas colorida, e em Nova York gelada.
Eis-me de volta!