Assisti ontem, 27 de novembro o filme “Napoleão” de Ridley Scott, tendo Joaquim Phoenix, no papel título do General Corso-Francês Napoleão Bonaparte, contracenando com Vanessa Kirby, representando Josefina de Beauharnais, sua parceira, e esposa de 1796 a 1810.
Napoleão Bonaparte, ou Napoleone Buonaparte, por origem, nasceu em Ajáccio, Córsega (quarta maior ilha do Mar Mediterrâneo, depois da Sicília, Sardenha e Chipre), a 15 de agosto de 1769.
Era filho de Carlo Maria Buonaparte, um modesto advogado formado em Pisa, e de Maria Letícia Ramolino, constituindo uma família de origem italiana, que adquirira a nacionalidade francesa, uma ano antes, a partir da assinatura do Tratado de Versalhes em 1768, com o qual a República de Génova deixara à França, dando-lhe carta branca para invadi-la, e assim restar anexada.
Da família Bonaparte sabe-se ter pertencido à classe média baixa da Córsega, ilha italiana, como dito, por origem, e francesa por nacionalidade, situada a oeste da Itália, quase colada a outra ilha, a espanhola, Sardenha, da qual é separada por um fino estreito, chamado Bonifácio, a testemunhar a desunião italiana, por longos séculos, desde o apogeu do Césares, sempre fragmentada em diversos estados, republicanos, monárquicos, ducados e até eclesiásticos, tendo o Papa, como tutor e gestor de uma vasta área central, cenário de muitas guerras intestinas, revelando pouca unidade em fragilizada liderança, não conseguindo até hoje empalmar as duas ilhas, tão próximas, perdidas irreversivelmente para seus vizinhos, França e Espanha, estes mais unidos e sedimentados, enquanto estados nacionais, desde a Idade Média.
Durante a juventude e adolescência, Napoleão Bonaparte sentira as incertezas e os excessos dos partidarismos exaltados, em vendetas cruentas inerentes as estas lutas políticas numa Córsega dividida entre os que queriam ser franceses e aqueles que se ousavam italianos, e aqueloutros, porque sempre os há, querendo ser autônomos e independentes, afinal reinava maior o nacionalismo nativo e autóctone, resistente ainda hoje pelo uso ilhéu de um idioma próprio, o Corso, uma língua românica, dialeto similar ainda falado em regiões Toscanas do âmago da “bota” italiana.
No filme de Ridley Scott, Napoleão, então com 22 anos, assiste enfastiado e sem qualquer empolgação a execução da rainha Maria Antonieta, esposa do Rei decapitado Luís XVI, que passa impassível sob seu olhar, digna e corajosa, perante uma turba furibunda, que nela centrava a expiação de todas as suas mazelas recolhidas por catarse enfurecida.
O filme mostra bem esta ralé furiosa, sempre sedenta e sequiosa de tudo, procurando os eternos culpados de suas frustrações existenciais e coletivas, requerendo o esvazio sanguinário, e o desvario justiceiro, tão comuns e rotineiros, a toda chacina escancarada, pela atrabiliária sanha daqueles que bem açulados e em turba reunidos, assim se desembestam, bestializando-se, sobretudo naquele momento “sans coulottes”, cenário novo de cidadãos e cidadãs, todos ruidosos, odientos, e mais-do-que-orgulhosos vingativos, com seus humores e horrores, desenfreados, em nova e plena, cidadania.
Espantou-me ver na tela um Joaquim Phoenix, não muito rejuvenescido, contemplando indiferente e pouco enojado a passagem da “austríaca” sendo levada ao patíbulo em 16 de outubro de 1993, quando o Napoleão verdadeiro, era um Napoleone, ainda recente, e estava muito distante, nas imediações da Fortaleza de Toulon, pelejando para ser ouvido por seus superiores, tentando convencê-los de suas ideias, tidas como inviáveis e impossíveis, de conquistar aquela fortaleza que estava ocupada pelos inimigos, inglês, italiano e espanhol, ali encastoados, juntos aos exércitos franceses recalcitrantes, por monarquistas, que resistiam à República Francesa, recém proclamada, naquela que foi entendida como Uma Coligação Inicial.
Toulon, então fortaleza francesa, estava e está situada na região de Provence-Alpes-Côte d’Azur, praça estratégica e turística no Mar Mediterrâneo, a cerca de 800 km de Paris, e pelo que sabemos, naquele tempo não havia cavalos que permitissem levar o Corso à Praça da Guilhotina, e de lá voltar embalado para vencer e tomar a fortaleza, sessenta e poucos dias depois, em 19 de dezembro de 1793, porque na sua lenta caminhada para a glória, foi uma luta para o jovem capitão conseguir convencer superiores em ampla anarquia de comando.
Nesse contexto, um dos seus biógrafos, Max Gallo, desseca dia a dia, e horas sem fim gastas em pesquisa pelo jovem corso aos arredores do sitio a atacar, analisando vulnerabilidades e dificuldades, e bem pior, tentando convencer teimosos derrotistas em tantos, sempre maiores, presunçosos e ociosos, superiores e maus combatentes. Porque ninguém acreditava naquele miúdo capitão, quase um joão-ninguém, ousando conceber tão vã ousadia.
Ou seja, nunca haveria tempo nem ubiquidade para que um Joaquim Phoenix, enquanto Napoleão, estivesse babando a guilhotina de Maria Antonieta, em Paris, e ao mesmo tempo juntando tantos barris pólvora em Toulon, porque se há uma coisa notável no filme, são os efeitos especiais com muitos tiros, e vivos papocos.
Do filme poder-se-ia, quem o sabe, ver um pouquinho do julgamento de Maria Antonieta, quando o acusador público Fouquier Tinville, em bons serviços à República, se embevecia na tentativa de fazer daquela orgulhosa “Austríaca”,não só uma nova Messalina como uma nova Agripina.
Messalina, por assim escolhida, porque fora a promíscua esposa do Imperador Romano Claudio, notabilizada por seu insaciável furor uterino, tida como repasto da ampla guarda pretoriana do marido, e Agripina, por ser tida e havida como incestuosa, mãe de outro Imperador, Cesar Nero, aquele que incendiara Roma.
O julgamento de Maria Antonieta tomara este caminho escandaloso, quando tentaram até forjar o testemunho de seu filho, o Delfim, uma criança de oito anos, que sob tortura, tudo “confessara” o incesto com a mãe, por dé-jà vu, e “mal-élevé”, “reeducado, para ser um bom ‘cidadão’”, por um seu tutor designado, o bruto Simon, sob fome, frio e tendo o cacete, por castigo, naquela velha lógica conhecida intolerável, que até bem pouco se ouvia: “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”.
Poder-se-ia, quem o sabe, se o filme assim o quisesse por mais épico e alongado, ouvir o testemunho da mãe aviltada e desonrada no tribunal revolucionário, em repulsa do da lubricidade mal acusada, sendo forçada e exigida a responder: “A natureza se recusa a permitir tal acusação feita a uma mãe. Apelo, em minha defesa, a todas as mães que porventura aqui estiverem”, em palavras pouco ouvidas, mas restadas imortais, por muito dignas.
Poderia ter sido relatado assim, porque o filme ao mostrar a coragem e altivez da Rainha destronada conduzida à guilhotina, comparou-a à covardia aviltante, por exemplo, de Robespierre, e seus sequazes, perante o mesmo transe, e porque o filme de Scott, nesse contexto de promiscuidade, relata uma Josefina, quase uma rameira , vendendo-se em gestos lascivos e procedimentos voluptuosos, traçando com isso um Napoleão, rendido e remido, a seu sexo e em tudo concedente, em nome de uma paixão incompreensível, por irracional, que lhe outorgava toda e qualquer permissividade, inclusive a infidelidade, dela Josefina, retirando o guerreiro de seu amor estratégico, seu labor, sua luta, de sua missão a concluir.
Pelo menos é assim que Napoleão abandona seus exércitos no Egito, numa estratégica fuga que o livra de derrota definitiva frente aos ingleses na Batalha do Nilo, em Aboukir, comandados por Horátio Nelson, feito não relatado no filme, preferindo destacar as infidelidades de Josefina, que comentadas na imprensa parisiense, chegaram ao general, com pirogravuras escandalosas, acontecimento que o levaram intempestivamente de volta a França, para saciar o fogo da amada, e colher os frutos dos seus feitos gloriados, justo no momento de descredito geral da classe politica vigente.
Por brincadeira inexplicada, o Napoleão do filme bombardeia com um tiro de canhão o topo da Pirâmide de Quéops, num fato inverídico e inconsequente, esperdiçando pólvora e chumbo, em pontaria descabeçada.
Pior seria, por mais mentiroso, culpar o corso-francês pela destruição do nariz da Esfinge de Gizé, que já se encontrava, do mesmo jeito, desfigurada.
No filme não aparece Jean-François Champollion desvendando os hieróglifos da Pedra da Roseta, nem o célebre discurso imortalizado na Batalha das Pirâmides: “Soldados, do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!”
Todavia o Napoleão, vivido por Joaquim Phoenix, examina o interior de um sarcófago, talvez de Alexandre, o Grande, para se comparar com ele em estatura, oportunidade em que a cheirou a múmia de perto, querendo o que; ninguém o sabe, nem desconfia!
Como dito anteriormente no filme relatado como simples “dor-de-corno”, Napoleão, quase derrotado no Egito, dali escapa em duas chalupas, enganando a vigilância inglesa, chegando a Paris que o festeja como audaz vitorioso.
Sem que ele soubesse o seu exercito conseguira seguir em frente vencendo os mamelucos em Haifa e na Síria, justo nessas terras de recentes conflitos.
Se o filme mostra um Napoleão genial, apresenta-o também um amante voluntarioso, quase um ruidoso javali no acasalamento com a sua amada Josefina, que transparece muito consentimento, alguma ausência de ternura, em farto excesso de indiferença.
O casal, embora seja tratado como exemplo de um amor infinito e imorredouro, não chega a se parecer com umRomeu e Julieta, enquanto pas-de-deux, arrebatado, ou a um Abelardo e Heloisa, mesmo com ele padre, emasculado, e muito menos a um François Chopin com a sua Georges Sand, em suaves acordes bem embalados.
No entanto, a paixão do general a fez esposa, alçando todo poder que a França lhe permitira, extinguindo a Revolução e galgando com ela todos os estágios, do Consulado ao Império, coroando-se a si e a ela, Josefina, como Imperador e Imperatriz dos Franceses, na Igreja Notre Dame de Paris, com toda pompa e circunstância, sob olhar embasbacado do Papa Pio VII, em um gesto de enorme afronta, inclusive, à Igreja.
Na verdade não houve um constrangimento tão irreal, porque aquele gesto, longe de ensejar repulsas, conquistara a muitos, sobremodo, afinal vivia-se ainda a memória recente dos ecos das campanhas revolucionárias contra o clero e os poderes da Igreja Católica.
Como espetáculo, o filme é notável, sobretudo nesta cena de coroação e das inúmeras batalhas, destacando-se a Batalha de Austerlitz, ou dos Três Imperadores, (Napoleão, Alexandre I da Rússia, e Francisco II da Áustria) onde os exércitos da Áustria e Rússia são dizimados em pleno lago descongelado, a tiros de metralha, numa memorável refrega, não menos gloriosa, que aquela comparável aos feitos de Alexander Nevski, na filmografia de Serguei Eisenstein, que bem merece ser revisto, em semelhante temática.
No contexto histórico, o filme dá pouco destaque a Maximilien Robespierre, seu apogeu e queda, em discutível tentativa de suicídio, não fala sequer da Campanha de Itália que trouxe Napoleão como herói, derrubando o último Diretório e instituindo o Consulado.
Mostra-o comandando o bombardeio da multidão nas Jornadas de 13 Vendemiário.
Há uma confusão com o golpe de 18 de Brumário confundindo-o com a Instituição do Império, quando no interregno das duas datas foram consumidas muitas batalhas, Jena, Marengo, Wagran, não relatadas.
A batalha de Austerlitz tem o melhor destaque, por ela valendo o filme.
Quanto à campanha da Rússia, a batalha de Borodino, a entrada em Moscou, abandonada e nunca rendida, preferindo incendiar-se, são outros feitos de impressionante realidade no filme, faltando o seu retorno por Smolenski, sendo fustigado pelos russos de Kutuzov, temas rigorosamente bem descritos pelo monumental relato, Guerra e Paz, de Leon Tolstoi, e bem descrito por Nigel Nicolson em Napoleão 1812, formidável, sobretudo se tivesse como pano de fundo a Abertura 1812 de Piotr Ilitch Tchaikovski
Se há um total desprezo por personagens como Barras, Sieyès, Talleyrand de Perigot, Joseph Fouché, não consegui identificar um sequer dos seus generais; Ney, Murat, Bernadotte, Junot,… Parece que os fartos figurantes do filme combatiam sem comando.
Há uma notável cena, isso na campanha de Toulon quando o cavalo de Napoleão foi ferido com um balaço de canhão e o herói foi jogado no chão.
No mais o filme fala do divórcio amigável com Josefina, incapacitada de lhe dar um herdeiro, oportunidade para mostrar cenas bizarras de sexo, quase um filme erótico mambembe, por pouco não mostrando sexo explicito.
Se o sexo não foi mais explicitado, percebi como fundo sonoro, salvo engano, a melodia do filme, Orgulho e Preconceito, cujo piano foi tomado por empréstimo a Dario Marianelli e Joe Wright em afagos de Jane Austen, porque depois Napoleão se casou com a Arquiduquesa Maria Luísa de Áustria, uma menina quase adolescente, que lhe deu um filho, algo revelado no filme com ternura, inclusive com o menino sendo acarinhado no colo do pai e sendo ninado por Josefina, a esposa rejeitada.
Como a história é longa, explicando pouco, Joaquim Phoenix abdica de seu império, virando rei de Elba, dali voltando para cumpris os seus derradeiros “100 Dias” de glória, quando perde a Batalha de Waterloo, relatada de tal modo que parecia Lorde Wellington findar vencido.
Como o objetivo do filme era mostrar o grande amor de Napoleão por Josefina, ei-lo findando na Ilha de Santa Helena, em 22 de junho de 1821 com 51 anos de idade e sem esquecer da amada.
No filme não é relatado o menosprezo de seu carcereiro, o Governador da Ilha de Santa Helena, Lorde Hudson Lowe, a quem se atribui ter amputado o pênis do corpo inerme do Imperador, a título de suvenir, como se fosse isso uma grande troféu de guerras n!ão travadas.
Glória mesmo aconteceu, a partir de 1821, quando Napoleão morreu e virou mito, suas cinzas sendo resgatadas em procissão monumental em 15 de dezembro de 1840, resgatado pelo Rei Luís Filipe, avô do Conde d’Eu, marido da nossa Princesa Isabel, para o descanso definitivo no Hotel des Invalides, onde é reverenciado pelo mundo inteiro. Eu mesmo já fui ali reverenciar minha admiração incontáveis vezes.
Por caprichos do destino, Lorde Hudson Lowe, o carcereiro de Napoleão, envelhecido e esquecido, presenciou em Paris, ao vivo e em cores, a grande procissão funerária conduzindo o féretro do seu prisioneiro.
Por ser um grande admirador de Napoleão Bonaparte decepcionei-me com o filme de Ridley Scott. Podia ser melhor.
Vai restar no esquecimento, sobretudo comparado com outras fitas suas como “O Gladiador”, tendo Russell Crowecomo um fictício pretoriano, General Máximo e Joaquin Phoenix, como Comodo, o estabanado filho e sucessor Marco Aurélio.
Da literatura sobre o corso-francês, destaco vários livros que vadeei: “Napoléon” de Max Gallo, em quatro volumes, “Vie de Napoléon”, de Stendhal em resposta aos golpes desferidos ao corso por Madame de Staël, Roger Dufraise, em “Napoleão”, Giles Lapouge, em “A Batalha de Wagram”, Jaques Godechot, em “A Revolução Francesa”, Léon Bloy, em “L’Âme de Napoléon”, notável, Steven Englund, em “Napoleão”, Sudhir Hazareesingh, em “La Legende de Napoléon”, Thierry Lentz, em “Le 18 Brumaire”, e Dominique de Villepin, em “La Chute”, entre muitos outros que possuo, apresentados nas gravuras listadas.
Por fim, recomendo a meus leitores que assistam o filme e tirem as suas conclusões, sobretudo com as batalhas bem filmadas.
Quanto às cenas eróticas podiam ser dispensadas. Por elas, admira-se pouco o seu campear.