Pelé e o Papa Emérito Bento XVI

A semana começou com dois corpos insepultos, colhendo o pranto e o aplauso de vasta humanidade.

Um, o Papa Emérito, Bento XVI, um homem de grande valor, figura proeminente da Igreja Católica.

O outro, um rei do futebol, emérito também, que se perpetuou com o título: o Rei Pelé.

Mais que um rei entronizado, Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, virou uma lenda, tornou-se um deus, por suas jogadas gravadas e repetidas no cinema e na telinha, informando que a perfeição no trato da curva esférica, fora um dia possível, justo com ele, um brasileiro de Três Corações, em jogadas nunca imitadas em precisão.

O outro, um Padre apenas, um alemão da Bavária, não fora tão-só e mais um, entre os “Levitas do Senhor”, como assim eram chamados e ainda resistem, os ungidos pela Igreja, Santa Mãe e Mestra, tão pecadora, quão penitente e persistente, professando a no Deus feito Homem por filho de Maria, em sua eterna e difícil missão de guiar apascentar, e conduzir o seu rebanho pelo mundo.

Que tarefa complexa, passar e seguir pelo mundo, buscando amainar espíritos, dirimir os conflitos, despertar nos homens à compreensão mútua, à tolerância pelo menos, à busca incessante da santidade, sobretudo nos hodiernos tempos de amplo relativismo de ideias.

Por que não repetir por reflexão similar e em dúvidas persistentes, o genial poeta taciturno, na sua sem igual Tabacaria, pouco e toscamente, assossegado, em sendo quase mais um apenas: desesperado!

Pensando e se ensimesmando, no eterno questionamento ao qual nenhum humano se exime, em abrigo próprio que o ponha à salvo ou longe, distante, seja ele padre ou bispo, coroinha estudante, crente ou leigo, e até aquele que descrente ou no todo indiferente, persiste e segue, e continua, incongruente na vida e no viver, nas suas circunstâncias e consequências: “Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!”

Quem não possui suas dúvidas?

Quem não possui suas falhas?

De Pelé, o jogador exemplar, mais que um goleador exímio e inigualável, houve quem o execrasse porque quando estava fora do campo “ele era um poeta”. Ou mau poeta, como se poderia até acrescentar, porque a finalidade era essa: desaprová-lo!

Mas, quem na vida, do que faz e do que diz, bem se revela por bom poeta, “se o poeta é um fingidor”; apenas!

E o que dizer daquele que não finge o que é dor, nem sofre com a dor, em julgar e execrar, aquilo ou aquele que lhe não é do agrado?

Eis então os dois homens, Pelé e Ratzinger, agigantados na horizontalidade terminal, onde não valem mais a oração perdida nem a ofensa, bem ou mal e real: proferida!

Quanta crítica se fez a Pelé, pelo seu pensar, enquanto cidadão Edson Arantes do Nascimento, em CPF e RG, por números próprios e dele apenas, e por seu DNA exclusivo e inimitável, e por seu assim direito, de ser e do jeito que bem o quis e escolheu?

Ah, as nossas escolhas!

Por causa delas tudo vale! Qualquer pecado!

E qualquer execração é permitida por assaz, e sempre miúda, humanidade.

Os homens não nascem santos, todos o sabemos…

Todavia, eles podem se santificar se assim o desejarem.

E ademais: não é de amplo aceite, que o comum pecado, bem está já em prévias, por si só, bem perdoado?

Não é do feitio humano tal mau lavor, apedrejar a árvore boa, aquela que só dá frutos?

Quanta crítica se fez ao Padre Ratzinger por ser assim culto, estudioso, inteligente e produtivo?

Não era ele um ser arrogante, opressivo e autoritário no seu saber?

E o saber não é sempre visto assim quando ousa denunciar o vulgo, clareando as ideias que teimam em vingar no erro?

Ah, o erro! Como denunciá-lo se melhor é a ele ceder, por entropia natural do ser , sobretudo quando muitos cegos podem ser ajuntados e reunidos e em assembleia congregados, porque a democracia nivela melhor, ao rés do chão ou abaixo dele, por cúmulo fim do possível, sem se achar cloaca, escoadouro, refazendo a mútua ofuscação, no desvendar da vera luz, que não é verdadeira, mas tem que ser assim definida por votação.

Pelo menos pensa-se assim enquanto durar o mutável codicilo, e um novo conselho assim o redija, reja e corrija.

Se a ciência exige estudo, meticulosa pesquisa, exegese, dane-se até mesmo a patrística, dizem alguns, sempre, práticos, levianos e apressados.

Para que relembrar o que nos escreveu o padre alemão, se ele o “Papa Panzer”, tem um, sempre denunciado, “viés nazista”!

O que foi não interessa, valendo até a execração por ter usado na infância um uniforme escolar nazista, provado e fotografado, como todos da sua geração e meninice, e como se fosse possível restar diferente, escarrando aquela farda, que era glória comum de sua pátria!

Por que não dizer que tudo restou em descaminhos?

E por que não se valer de novo do poeta, se bem melhor valeria repeti-lo, até por uma melhor repulsa?  “O que foi, não é nada!”

A parte tudo isso, e mesmo que insepultos estejam ainda, o dono das jogadas imortais, reverenciado no mundo inteiro em foto, rádio ou mídia, e o pensador notável, no mundo inteiro também, professor e doutrinador, que para uns bem teria sido melhor, se vivesse afastado e longe dos livros, e da sua cátedra, o que é mais importante! Porque só a cátedra ilumina e aclara, desvendando o véu ignorante da obscuridade.

Mas, a humanidade contemplando os seus esquifes, prossegue no seu caminhar, querendo com preces singelas e aplausos, espelhar-se no exemplo de ambos.

Se foi embora o atleta da bola e do futebol, está indo também o atleta de Cristo. Ambos concluíram sua missão e agora voltam ao Pai, “perante quem ninguém é justo”, como bem dissera para todo o sempre o Salmista.

De minha parte, ficam as minhas toscas lembranças, algumas já perdidas no tempo, pois vi Pelé aqui jogar no Gramado do Baptistão, quando da sua inauguração, goleando um combinado local, e também de outra feita ao meu Clube Esportivo Sergipe, isso no tempo em que eu torcia e frequentava a torcida colorada.

Quanto ao Padre Ratzinger, o tão execrado “Papa Panzer”, restou em mim um autor a revisitar seus textos na minha empoeirada biblioteca.

Que fazer: “se eu gosto de ler os livros errados?”

Que fazer também se os meus heróis não costumam se desvestir de suas armaduras?

Joseph Ratzinger, por exemplo, viveu o suficiente para combater o erro, fustigar os propensos teólogos, ditos católicos, enfrentando-os em desabridos duelos. Que continuassem os teólogos fascinantes que de fato o eram, mas que não se confortassem nem se escondessem sob o Pálio da Igreja Católica Apostólica e Romana!

Neste contexto, tornou-se por liderança e lucidez um dos maiores Papas da Igreja, tomando o nome de Bento XI, revisitando um santo esquecido na modernidade, São Bento, um dos grandes evangelizadores da Europa…

Como Papa, enfrentou polêmicas, como aquela de ampla crítica quando ousou fustigar o Islamismo, em sua nocividade contra o cristianismo, em posição corajosamente assumida de não temer o erro em contraste com a excessiva tolerância, que tem feito uma descaracterização da Igreja, em seus ritos e regras.

Igreja que o Papa Bento repetia, e que poucos, fora e dentro de suas colunas, o compreendiam: “Igreja que não é minha nem sua (e nem nossa, por suprema e moderna heresia, como aquela, mais que festejada, “Teologia da Libertação ”), mas DELE”.

Bento que enfrentou com calma e pureza os acalorados embates com os escândalos alarmantes de pedofilia grassando no mundo em todas as cúrias.

Bento que nunca ousou da incúria e da pusilanimidade ao enfrentar os excessos cometidos no Pós Vaticano II, Concílio iniciado por um Santo, o Papa João XXIII e a requerer outro Santo para a sua conclusão definitiva.

Bento que tentou pacificar a Igreja trazendo para o seu seio os seguidores do Arcebispo Lefebvre, demonizados e até excomungados, só por resistirem no seu rito tradicionalista e em discordâncias outras ao Concílio Vaticano II.

Bento que foi se inspirar em outro Santo, São Celestino, para renunciar ao seu papado, em se reconhecendo finito, débil em forças, para melhor conduzir a Igreja, dando um grande exemplo de humildade, já que ninguém na vida ousa renunciar nada, nem mesmo a uma dor de cabeça, desde que se entupa de analgesia.

Nesse particular publiquei em 13 de fevereiro de 2013 uma matéria sobre a Renúncia do Papa Bento XVI, que vale inserir. É só visitar: https://infonet.com.br/blogs/a-renuncia-do-papa/

Desde a renúncia, Bento XVI virou Papa Emérito, uma figura nunca vista e que poderia ensejar conflitos, afinal ao Papa, pensador e filósofo, substituiu um outro bem diferente dele, sobretudo em conteúdo intelectual, o Papa Francisco, muito festejado, mundo afora, por suas falas e preces.

De fevereiro de 2013 até a presente data, o Papa Emérito Bento XVI recolheu-se no anonimato de seu claustro, rezando, estudando e produzindo, lúcido até o fim, por quase dez anos, sem nunca gerar conflitos nem promover divergências com o Papa Francisco, aquele que restou o usuário atual das Sandálias do Pescador.

Como natural do humano, durante esse tempo, nunca faltaram semeadores de cizânia e plantadores de fofoca entre os dois, nada sendo comprovado, sobretudo agora que morto está e se faz exemplo somente.

De Pelé falou-se muito agora, sobretudo depois que o Brasil perdeu a Copa do Mundo mais uma vez.

Isso porém é um comentário fugaz, e de quatro em quatro anos se renovará.

Resta-nos agora rezar apenas por eles.

Que Deus os receba no seu seio e nos ajude a passar.

Para terminar, ouso transcrever parte do testamento espiritual do Papa Emérito Bento XVI escrito pouco antes de falecer.

“Se, nesta hora tardia da minha vida, olho para as décadas que percorri, vejo primeiro quantos motivos tenho para agradecer. 

Agradeço primeiramente ao próprio Deus, doador de todo bem, que me deu a vida e me guiou em vários momentos de confusão, sempre me amparando quando eu começava a escorregar e sempre me devolvendo a luz do seu rosto.  Olhando para trás, vejo e entendo que mesmo as partes escuras e cansativas dessa jornada foram para minha salvação e nelas Ele me guiou bem.

 Agradeço aos meus pais, que me deram a vida em um período difícil e que, à custa de grandes sacrifícios, prepararam para mim com seu amor uma casa magnífica que, como uma luz brilhante, ilumina todos os meus dias até hoje.  A fé lúcida de meu pai nos ensinou a acreditar, nós seus filhos, e sempre se manteve firme em meio a todas as minhas conquistas científicas;  A profunda devoção e grande bondade de minha mãe são um legado pelo qual não posso agradecê-la o suficiente.  Minha irmã me ajudou por décadas de forma abnegada e com atenção amorosa;  meu irmão, com a lucidez de seus julgamentos, sua resolução vigorosa e a serenidade de seu coração, sempre abriu o caminho para mim;  sem a sua constância que me precede e me acompanha, eu não teria encontrado o caminho certo.

 Do fundo do meu coração, agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que sempre colocou ao meu lado;  para funcionários em todas as fases da minha carreira;  pelos professores e alunos que me deu.  Eu os confio com gratidão à sua bondade.  E quero agradecer ao Senhor por minha bela pátria nos pré-alpes da Baviera, onde sempre vi brilhar o esplendor do próprio Criador. 

Agradeço ao povo da minha pátria, porque foi nele que experimentei, repetidas vezes, a beleza da fé.  Rezo para que a nossa terra continue a ser uma terra de fé e rogo-vos, queridos compatriotas: não vos deixeis desviar da fé. 

E, finalmente, agradeço a Deus por toda a beleza que pude experimentar em cada etapa da minha jornada, mas especialmente em Roma e na Itália, que se tornou minha segunda casa.

 A todos que prejudiquei de alguma forma, peço desculpas de todo o coração.

 O que disse antes aos meus compatriotas, digo-o agora a todos os que na Igreja foram designados para o meu serviço: mantenham-se firmes na fé!  Não se confundam!  Muitas vezes parece que a ciência – as ciências naturais por um lado e a pesquisa histórica (especialmente a exegese das Sagradas Escrituras) por outro – é capaz de oferecer resultados irrefutáveis ​​em contraste com a fé católica.

 Por muito tempo experimentei as transformações das ciências naturais e pude ver como, ao contrário, desapareceram as certezas aparentes contra a fé, revelando-se não ciências, mas ciências das interpretações filosóficas;  assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance das suas pretensões e, portanto, a sua especificidade.  Durante sessenta anos, acompanhei o caminho da teologia, em particular das ciências bíblicas, e com a sucessão das diversas gerações, vi desmoronar teses que pareciam inabaláveis, revelando-se como simples hipóteses: a geração liberal ( Harnack , Jülicher, etc.), a geração existencialista (Bultmann, etc.), a geração marxista.  Vi e vejo como, do emaranhado de suposições, surgiu e ainda emerge a razoabilidade da fé.  Jesus Cristo é verdadeiramente o caminho, a verdade e a vida – e a Igreja, com todas as suas inadequações, é verdadeiramente o seu corpo.  (Grifo meu)

 Por fim, peço humildemente: Rogai por mim, para que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e insuficiências, me receba nas moradas eternas.  De todo o coração, a minha oração dirige-se a todos aqueles que, dia após dia, me são confiados”. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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