Reflexão à Quaresma III

Refletindo sobre os dois sentidos históricos, o histórico-historisch, aquele, cuja existência é atestada pela História, e o historial-geschicctlich, por evento duravelmente marcante em realidade significativa, dissera eu que John P Meier, em citando o teólogo alemão Rudolf Bultman, vira aí uma síntese entre o cristianismo e o existencialismo na linha de Martin Heidegger (1889-1976) o celebrado, e mui execrado Reitor da Universidade de Freiburg.

Se o primeiro sentido histórico está já, irreversivelmente acontecido, por ossaturas nuas e déjá dessecadas do nosso conhecimento do passado, o segundo ao evocar um passado que tem sentido e que desafia, fascina e provoca ainda, a reflexão nos homens e mulheres de hoje.

E de sempre, poder-se-á dizer em acréscimo, que é o caso bem além de nós e do que prosseguirá depois do nosso  presente em outras Quaresmas que virão.

Embora estes dois sentidos históricos, ditados por tradição da língua alemã, procurem delimitar conceitos distintos, eles vêm suscitando muitas ambiguidades entre autores, arrastando consigo uma sobrecarga de interesses teológicos e ideológicos, de modo que a distinção dos dois termos não basta para a complexidade do tema, sendo ineficaz no mundo real da pesquisa.

Neste sentido, a proclamação (o kerygma) da morte e ressurreição de Jesus como tema central da fé cristã é o que importa, e não tomar o Jesus histórico como fundamento ou conteúdo desta fé, pelo menos fora assim que muitos autores explicitaram em proteção dos ensinamentos fundamentais da fé cristã, qual seja a divindade de Jesus Cristo, sua verdadeira humanidade, à exceção do pecado, e sua ressurreição, contra toda e quaisquer invasões da crítica histórica.

Como verdade de fé, o simples fato de Jesus ter morrido na cruz basta para o reencontro entre o crente e Deus.

Nesta encruzilhada, volto a uma reflexão antiga, porque se há um debate entre os que creem e os que não creem, há sobremodo uma altercação sobre a inutilidade dessa mesma crença, se esta não vier em suficiência: em obras!

E quando se fala em insuficiência, volta-se ao eterno dilema do copo de água em meio à sede: estará ele meio cheio ou meio vazio?

Ter fé ou não a ter, eis a grande dúvida.

Para uns o ter fé, ou possuí-la, é uma inutilidade. E tudo é inútil, enquanto simples cadeia alimentar, a terra, túmulo dos nossos pais, nos esperando!

– E vã será qualquer discussão em tempos ou não tempos de Quaresma. – Porque, diz aquele que se perdeu e não se achou:  – O tempo é o mesmo; inexorável!

 

– “Por que afinal pensar em tempos reflexivos de Quaresmas, e de Páscoas, por ilusórias passagens; e de outras miragens mais, como Natais e Carnavais? Os tempos não são iguais, repetidos e progressivos, tudo ao rodar do Sol, sem esperança de mudança?”

 

Alguém poderá ainda, em praticidade questionar: – “Melhor não é saber a tábua de marés, domar o vento e a chuva, buscar se abrigar do raio e da procela, com para-raios por cautela, essa coisa bem pensada por físicos e matemáticos, como Benjamin Franklin e Newton, tantos que em matéria de Fé, viveram os mesmos dramas em dúvidas iguais; esquadrinhando-as?”

 

Eis-nos então em nova Quaresma, refletindo sobre o existir, sobre a falibilidade do ser, sua fugacidade, que não quer dizer inutilidade.

 

E que não pode ser, nem que isso revolte e desafie.

 

Um tempo posto pela Igreja para reflexão.

 

De sacrifício, de penitência, de parada. De jejum, de abstinência, essa coisa pouco comum, no corre-corre que a vida impõe, sem regra ou freio.

 

Jesus, diz a tradição dos Evangelistas, retirou-se para o deserto, após batizado por João, o Batista, no Rio Jordão.

 

Ali retirado, jejuou em silêncio por quarenta dias, daí a Quaresma, por inspiração e modelo.

 

No Evangelho de Lucas se lê:  “Jesus pleno do Espírito Santo voltou do Jordão; era conduzido pelo Espírito através do deserto durante quarenta dias e tentado pelo diabo. Nada comeu nestes dias e, passado esse tempo teve fome”. (Lc 4;1,2)

 

Já no relato de Mateus está: “Jesus por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome”. (Mt 4;2)

 

Quanto a Marcos, após o Batismo no Jordão escreveu: “o Espírito o impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta dias , sendo tentado por Satanás; e vivia entre as feras e os anjos o serviam” (Mc 1;12,13)

 

Sem investigar uma eventual impossibilidade física, por inanição tão plena, não questiono se Jesus comeu ou não por quarenta dias. Não vejo o porquê de se perder tempo com isso.

 

Prefiro crer que o seu jejum se fez abstendo-se dos comuns alimentos não encontrados no deserto.

 

Foi um jejum silencioso e reflexivo, tendo ali sofrido as tentações de todas as fomes.

 

No contexto religioso do cristianismo, o Jejum é pregado hoje, recomendando-se a abstinência de bebida e comida, sobretudo das carnes vermelhas.

 

Nesse particular, há um bom conselho melhor afeito aos cardiologistas, afinal os apodos de bebida e comida são sempre bem-vindos.

 

A parte tudo isso, a tradição quaresmal resiste ainda com dias consagrados, não mais à oração e ao jejum como dantes.

 

Se a prece diminuiu nos Dias de Preceito Santificados, sobraram-lhes horas só para o lazer apenas.

 

Seria isso um mal? Não creio. Faz parte da liberdade, da escolha de cada um.

 

Fica esse desafio para os pregadores e religiosos, os profissionais desta área, numa tarefa dificílima para os nossos tempos assaz gentios, em esvazio de templos, igrejas amplas, magníficas, e até das toscas capelas.

 

No contexto de Quaresma, por reflexão, silêncio e prece, o tempo sempre será o mesmo, e as tentações, como as do Cristo, iguais.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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