Reflexões à Barbary e sobre centenas de detidos.

Chamava-se Barbary

Chamava-se Barbary o cavalo, montaria ideal do Rei Ricardo 2º , na peça de William Shakespeare.

Ricardo 2º , o verdadeiro, com nove anos apenas, assumira o trono da Inglaterra, com a morte do avô, Eduardo 3º,já que seu pai, o Príncipe de Gales, Eduardo também, conhecido em bravura como, oPríncipe Negro”, em função da cor de sua armadura, para melhor destaque, em visibilidade, morrera em combate nos campos de França, na inútil “Guerra dos Cem Anos”.

A Guerra dos Cem Anos fora cenário de outras peças históricas do vate, como Henrique 4º, 1ª e 2ª Parte,  onde se destaca o debate antitético entre Shylock e Falstaff, este último sendo considerado pela crítica como o melhor personagem Shakespeareano, aí comparado com Hamlet, papel título, Iago insinuando chifres adulterinos em Coriolano, ambições desmesuradas de Edmund em Rei Lear, o próprio Henrique 5º, herói inglês por excelência, e também a mais que temível, Lady MacBeth, em sinistra tecitura.

Só para aproveitar o mote, e não a maldade, direi que Falstaff, o herói folgazão e principal de Henrique 4º, termina morto na forca como ladrão, justo por Hal, agora já coroado rei e herói, na peça seguinte, Henrique 5º, isto em prévias da batalha de Azincourt, considerado o feito mais notável dos ingleses conquistando a França, depois perdida nos albores da outra peça sequente, Henrique 6º, quando o poeta leva justo agora, à fogueira como herege, a Pucelle Joana d’Arc, pintada como uma nociva feiticeira, boca suja, em piores hábitos, e jamais a donzela, tão heroína de Domrémy, como nos cantam os franceses.

Mesmo porque, no além e no aquém do Canal da Mancha, tudo se dismancha, o herói restando bandido, e o rendido roído, por terminado.

Na história e na vida, o Rei Henrique 5º, o herói vencedor de Azincourt, embora tenha conquistado a França, por feito de luta e bravura, logo a perdeu, morrendo de uma diarreia ali contraída e jamais curada.

Já seu filho, Henrique 6º, aquele que o sucedeu, não conseguiu resgatar o feito glorioso do pai.

Mas, eis que me afastei de Barbary, o cavalo, montaria bem-amada do Rei Ricardo 2º, justo aquele destronado por Henrique 4º, na peça magistral onde se destacam o jovem Hal, futuro Henrique 5º e herói de Azincourt, e Falstaff, o seu seguidor fanfarrão.

Na peça Ricardo 2º, o dilema da usurpação é traçado com maestria em traumas e versões.

Para uns, o destronado Rei Ricardo 2º, exorbitara do seu direito, entendido por ele como divino, afinal fora ungido para isso; ser Rei e não um comum mortal.

Aos demais mortais, por comum, caberia o respeito às suas ordens e desejos, assim cometendo falhas que comprometeram a sua coroa, culminando com a revolta de um seu primo, que o destronaria, assumindo o trono como Henrique 4º, feito censurado pelo próprio filho deste, Hal, aquele que seria depois seu sucessor, como Henrique 5º.

De Ricardo 2º, o personagem usurpado e destronado, há uma vasta reflexão quanto à fugacidade do poder em contemplação com a própria humanidade, dele recuperada, em degradação sucessiva, constatando-se abandonado por todos e por tudo, sentindo a própria impotência e finitude.

Mas, como dito numa sua fala, igual para todos; “Pior é a morte, e essa vem sem falta”.

Do Hal, jovem e impetuoso, há a censura do ato lesivo do pai, em vendo-o um Rei usurpador e ilegítimo.

Nesse contexto, de usurpador e ilegítimo, o tema me vem a mente, sobremodo agora quando muitos estão nos quarteis, querendo um movimento viril das Forças Armadas, contra os desmandos advindos do processo eleitoral.

Querem, tais impetrantes, que as Forças Armadas de moto próprio refaçam o feito, de maneira igual ao rei Ricardo 2º,que assim queria de seu cavalo Barbary.

E Barbary, por função e missão, a de ser montaria apenas, serviu contente o novo Rei, mesmo sendo um usurpador empossado, trazendo-o no lombo e garboso, na mesma sela e no mesmo arreio, e com idêntico orgulho.

Se a missão das Forças Armadas é bater continência em homenagem a qualquer Presidente Constituído, poder-se-ia esperar que assim não o fizesse, e que agisse diferente do Barbary da peça?

E a peça termina com o Rei Ricardo 2º, jogando-se contra as lanças de seus carcereiros, decepcionado apenas com o seu cavalo Barbary.

Quase igual aos que reprovam a continência e as homenagens prestadas pelas Forças Armadas ao novo Presidente, mal deglutido, do Brasil.

Como invocar de um cavalo aquilo que não é da sua essência e missão?

Como invocar das Forças Armadas o que também não é da sua missão e essência?

Poderia ser diferente do cavalo que é uma montaria, um transporte, uma alimária apenas?

Eis então a mesma insatisfação: a do Rei Ricardo 2º, suicidando-se, e dos patriotas enfurecidos que assim permanecem à beira dos quartéis.

Diferente do que traçou Shakespeare, o destronado Rei, Ricardo 2º, morreu de fome e frio na Torre de Londres, ali mantido e vigiado pelo seu primo, Henrique 4º, o Rei usurpador.

Quanto ao Henrique 4º da peça, e não o verdadeiro, se houve algum pecado a confessar com a derrubada e morte do primo, sua fala final bem podia corrigir com uma peregrinação “à Terra abençoada, (aonde iria) lavar o sangue dessa mão culpada”.

Ou seja: uma peregrinação à Terra Santa era invocada, afinal tudo assim podia ser perdoado e saneado.

Já o que nunca saneia é o que abunda e vicia!

Não viciando,… pode abundar!

 

Centenas de detidos.

Falam em centenas de detidos.

Contam cerca de mil ou mais de mil, retirados de um acampamento derrubado à beira de um quartel, onde estavam, cantando hinos e rezando preces, em inúteis desejos de levante das Forças Amadas contra o desmando já instalado no país.

Segundo os apoiadores do governo federal, tais pessoas são “baderneiros”, “terroristas” e “criminosos”; as aspas sendo necessárias para individualizá-los em precisão sem erro, já que assim estão, desde já configurados, sem defesa ou contradita, por hediondo delito próprio, indescritível e imprescritível, palavra da moda, a dispensar oiças de advocacia.

Curioso, é que nesse delibar acusatório, ninguém ousou fazer referência, por estranha firmeza, ou safadeza patranha, incluir em tal rol de delinquência devidamente escriturado, tantas “baderneiras”,  “terroristas” e “criminosas”envolvidas nas malfadadas façanhas, ao mal explicitar os todos incluídos, excluindo todas e até os “todis”, por presos, presas e presis, mal fichados, pouco fichadas e sem ser fichadis, segundo os trames e inovais ditames, custodiais.

Interessante, é que não foi criminosa a eleição acontecida, que assim resiste ainda: “inauditável” e cheia de mistério, motivando , crescentes, continuados e resistentes protestando, à procura de um mártir que a simbolize.

Interessante também, como sói comum às urdiduras em construção, criminosos somos todos, e aqueles que de hora em frente o serão, se ousarem resistir desconfiados, falando pior da lisura mal explicada do resultado eleitoral denunciado.

Triste porém, do cerzido mal costurado, é saber que dali virá o rasgo, ou permanecerá rasgado e sujo esgarçado, como péssima cerviz por cicatriz.

E não é por um triz, um acaso, ou um simples chamariz de escumalho, tomar em novel uso da palavra “baderneiro”, quando assim era a antiga praxe do PT, isso nos seus antanhos tempos barbudinhos e maltrapilhos.

Tempos de infausta memória, quando o barulho era desafiador, o grevismo era tomado, exacerbado, época em que tudo valia embora não merecesse, inclusive o não esperar, nem ousar, porque “esperar não é (nem o seria) saber”, tudo hoje perdido em outros lábios, em sobejos sons mal afinados, afinal o povo é sempre o mesmo, igual, destabocado e desaprumado, sempre iludido e acreditando de novo, oura vez, e mais uma vez, que desarrumados mas juntos e amontoados em desfile “unidos jamais serão vencidos”.

O mote sendo o mesmo, a motivação idêntica, a insatisfação também, mudando-se os atores com os personagens similares trocando apenas de trajes e fantasias, sem necessitar nem mesmo de novas falas, renovação de texto, ou nova autoria.

Para que trocar a autoria se a canastronaria é igual?

Assim a tragédia continua, faltando-nos por hora um cadáver, que sem ele não se faz revolução.

Pode-se virar ônibus, quebrar móveis, estalar vidros, tudo o que no tempo exige troca por mau uso ou desuso, necessária despesa a requerer dispensa de licitação, por emergência, sem a qual ninguém enriquece ou faz rapina.

Não é essa a nossa sina?

Ou estarei falando de coisas inconsúteis, fantasmagorias inúteis de sólidos bólidos extraterrestres?

Nunca tantos se regozijarão em suficiência, ousando repor o fausto, que precisará ser mais luxuoso e nababesco, para permanecer indigno, enquanto durem por “casas do povo” e republicanas, por excelência e nobreza, até que venham novos “vândalos” e a destruam de novo,  por catarse.

Casas “do povo, pelo povo e para o povo”, estenderão alguns, tomando, sem pejo,  Abraham Lincoln por bengala: “Quosque tandem, ó tempora, ó moris!”,  sem merecer bala igual em têmpora própria…

Porque em terra que falta mártir sobra samba, muito requebre e batuque.

Batucadas à parte, houve tempo em que o povo hoje ocupante do poder podia tudo, inclusive assaltar banco, enquanto “casa verdadeira de ladrões”, sequestrar embaixador de potência estrangeira, “mas opressora” , e até matar se necessário fosse , porque “contra a ditadura tudo valia, inclusive a guerrilha e luta armada!”

“Terroristas” foram chamados aqueles atos que resultaram em repressão vencida pelo Estado, que condenado restou como “intolerante” quando usou uma brandura nunca vista.

Tanto que na esteira da interpretação histórica, restou a dúvida ainda não resolvida, enquanto mera divergência político-ideológica, para nunca, jamais, ser deferida!

Não é à toa, que diante do balanço estatístico, indevidamente mal apurado e bem pior comprovado, restam insuficientes ainda, enquanto matérias a vingar nebulosas, em infindáveis “Comissões de Verdade” a convocar.

Resiste, todavia, a pergunta: foi o “malfadado regime militar”  uma ditadura cruel ou uma revel “ditabranda”, nunca de todo defendida?

Como o que não merece defesa, acusado continua, eis agora os novos “terroristas”, sem defesa, nem libelo, já no prelo e ao escabelo, e já por fim denunciados.

Não são “terroristas” aqueles que ousaram invadir os Palácios dos Poderes, justo quando jaziam, e vazios estavam, tão silenciosos quanto inúteis, até como símbolos?!

E indefesos, dirão alguns, quando os palcos e até as coxias, vagos se encontravam, e assim não retinham culpas, encrespações ou vozes, de males atos e fatos, ali acontecidos, permitidos e encenados?

Indefesos estavam, que terrível! Justo os cenários inculpados de tantos males e vozes!

Seriam os móveis depredados e os vidros quebrados os verdadeiros destinatários de tanta ira e desprezo?

Não é sintomático ver a fúria do povo atingir tal desvario, justo contra as “casas do povo”, em pior desprezo e insatisfação?!

Não se sentem os Senhores Deputados, Senadores e Ministros como reais e destinatários supremos dos vidros quebrados, dos assentos dilacerados, e do incêndio intentado, e tudo lhes parecer e continuar, indiferente, inconsequente e até mesmo imputado por criminal, a seu favor, porque melhor é sentir-se assim, achar-se justo, impoluto, imparcial, ao abrigo das armas, se possível, afinal a lei é a lei, e se ela me ampara e não me julga: “fiat lege voluntas mea, et pereat mundus”!, ou que se imponha a minha vontade, nem que o mundo assim pereça!

É a velha inflexibilidade muitas vezes utilizada: “Fiat justitia, et pereat mundus”, atribuída ao sucessor de Carlos V, o intolerante, Fernando  I (1556-1564), do Sacro-Império, para quem, sob o garrote vil “sua justiça tinha que prevalecer, mesmo que todos os patifes do mundo o perecessem”.

Mas, quem são os patifes de agora?

A julgar pelos novos Fernandos”, no poder e no mando, os patifes são os novos loucos, os invasores, depredadores dos palácios, os “baderneiros, terroristas e criminosos”, já bem denunciados pela imprensa “chapa branca” a querer conferir-lhes excesso de  periculosidade contra o “estado democrático de direito”, essa figura carcomida, odiada e rejeitada por vasta parcela da população, a requerer ser ouvida, e não a criminalização, pura e simples, pelo que eu entendo e observo.

Se não pensam assim, “pereat mundus”!, e que se locupletem os cárceres e presídios!

Porque se há os que invadiram o Congresso, o Supremo e o Palácio Executivo, há aqueles que ali não foram, nem estiveram, mas cuja desaprovação se fez bem menor que o aplauso acontecido, afinal nessas causas sem efeitos, se tudo restar igual, sem mudança, é porque no fim da contradança, muito pouco, aconteceu.

O que se prenunciam novas exações, em prévias de agitação.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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