Segundo o Napolitano, Gianbattista Vico (1668-1744), autor de “La scienza nuova” (A Ciência Nova) ”, em muitos ensaios “Sobre a natureza dos estudos em nosso tempo” (De nostri temporis studiorum ratione) e outros; “Sobre a Sabedoria Mais Antiga dos Italianos” (De Antiquissima Italorum Sapientia), e a “Lei Universal” (Diritto Universale), que chegaram até nós, esquecidos ou lembrados, o homem vem tentando conhecer a sua História, muitas vezes imaginando-a erroneamente com sendo algo matemático, cartesiano, falhando sempre por mal prevista ou pouco previsível, em causa e efeito.
No seu tempo pós-renascentista, a História, vinha sendo interpretada à luz do pensamento dominante, bitolada por interpretações míticas, e infectadas por “pseudomitos”, a respeito das origens das instituições humanas e de suas formas sociais, e também pelas concepções escolásticas, erigidas por dogmas improváveis e até com barreiras limitadoras ao livre pensar humano.
Segundo Vico, para se conhecer realmente o âmago de qualquer coisa era necessário tê-la feito, o que não era o caso dos objetos naturais e da natureza em particular, porque sendo estes uma criação divina, só Deus a tudo conheceria no todo realmente.
Quanto ao mundo das nações, o desenvolver da história humana, sendo uma construção do humano apenas, só o homem poderia conhecê-la de fato, ou esperar, pelo menos, verdadeiramente atingir o seu conhecimento.
E nesse contexto de esperança e tentativa de conhecer a História, Vico imaginou uma teoria muitas vezes refutada, batizada de “Corsi” e “Ricorsi”, em que a humanidade teima em avançar aos solavancos, progredindo e regredindo, permeando inclusive por uma impensável rebarbarização de costumes, o que seria algo impensável, porque esperar-se-ia que o homem aprenderia com os próprios erros e jamais enveredaria no puro desconcerto.
Mas o homem erra. E como erra!
O Século que passou, o vigésimo da era cristã, jaz insepulto ainda com os seus notórios desacertos incomensuravelmente cometidos, justo por nossos avós e bisavós, não tão distantes ainda, enquanto humanidade próxima, sofrendo e cometendo a intolerância nossa de sempre, e com as nossas crenças sempre iguais…
Não foi de seu pensar, destes velhinhos de onde viemos, que duas Grandes Guerras explodiram e muitas Revoluçõespipocaram ou foram intentadas em todo azimute universal, culminando com a explosão de dois artefatos nucleares sobre a cabeça de japoneses, cogumelo letal que permanece em ameaças a nós todos, nos jugulando ainda, sufocando os nossos ódios terríveis, sempre ressurgentes, sem nenhuma explicação a conter, como vulcão imprevisível, pois que hiberna conosco o subterraneamente contido?
Por acaso não é assim também, porque a despeito de uma Guerra-Fria que se foi, e do colapso das ideologias Nazifascistas e Comunistas, e de tantos outros regimes de parca liberdade, aqui e alhures, vencidos, os ódios nutridos por tais regimes ainda permanecem latentes, cada um a seu modo, querendo reiniciar uma contenda, mal deferida e pouco vingada, como agora em terra-pátria, com tantos sofrendo na peia, por uma bagunça de vidraças quebradas, sem heróis e todos restando injuriados como bandidos?
E bandidos da pior classe, porque bandoleiro que se preza não usa Bandeira Verde Amarelo, Azul, Anil, nem canta amor febril pelo Brasil… E não se escuda com Bíblias e Rosários, nem entoa rezas, jaculatórias, invocando auxílios divinos, de querubins covardes, nem arcanjos de pior valentia.
Bandidos por pior classe, pergunte-se aos matadores de Marielle, armam-se de adaga, de punhal e de metralha, utilizando-os contra a gente que lhes é o seu melhor alvo, sem erro a eliminar…
Bandido que se quer ousado não ataca um mobiliário, nem aquele de uma serventia emporcalhada, ou contra as vitrines hialinas que nada escondem o que bem deveriam, afinal o estilhaço pode ser bem barulhento, mas no final resta incruento, desnecessário, por vestígios de tolos, vandalismo inútil, sem erigir, pelo menos; um Átila, um Alarico, um Huno qualquer a chamar de Bárbaro para o seu consolo.
Todavia, a imprensa oficial está louvando a tortura de duas centenas de tolos sendo presos e condenados como “golpistas”, esta inusitada vertente brasileira de maximizar o erro onde este não existe, em velho cacoete nacional, a lembrar por exemplo, a crítica da imprensa francesa nos idos pós-1964 da então assaz decantada “Revolução de 31 de Março” , que numa entrevista ao Governador Calos Lacerda, que estava em Paris a defende-la, um jornalista questionou: “Como pode ser feita uma revolução no Brasil sem derramamento de sangue?”
A pergunta do jornalista era irônica, afinal uma Revolução para os franceses é sinônimo de muita luta e bastante efusão de sangue.
Pergunta à qual Lacerda respondeu chistosamente, arrancando risos, a não merecer reparos: “As revoluções brasileiras são como os casamentos franceses ; sem sangramentos!”
Sem outros consertos, hoje estamos a viver um noticiário cada vez mais rejeitado de que um golpe sanguinário e sicário foi intentado em Brasília abandonada, imaginado, no sonho e no pesadelo que findou em quebra-quebra de vidrarias e esquadrias, por golpe de vigário, na Praça dos Três Poderes, inerme e covardemente desamparada à vilania que assim foi atraída e findou por simulacro num dia tórrido de domingo.
E o golpe do domingo, Dia 8 de Janeiro, quer restar na História Pátria como “The infamous day”, o dia infame, por inspiração no celebre discurso do Presidente Franklin Delano Roosevelt após o bombardeio da Base de Pearl Harbournas Filipinas,
Cada um com a sua História, seus Heróis, e seus farsantes em muitos bandidos.
Se as nossas Revoluções se fazem sem derramamento de sangue, sem santos, heróis ou mártires, a de 31 de Março de 1964, virou Golpe de 1º de Abril, por melhor nome por Dia da Mentira, a fim de que o feito perdurasse desfeito, como aquele que jamais existiu.
E se o Regime Militar durou vinte e um anos e teve cinco Generais Presidentes, todos eleitos pelo parlamento, sem reivindicarem reeleições, e muitos discursos ouvidos pelos mesmos mobiliários e assentos e pelas vidraças não tão infamadas e odiadas como agora restaram despedaçadas!
Quanto a aquele Regime Autoritário, fala-se de horrores e sofrimentos inconsolados, que nem infindáveis Comissões de Verdade têm conseguido desvendar os milhares de milhões que restaram insepultos a invejar os poucos e ralos que sofreram os horrores de Stalin, de Pol Pot, e de muitos Ugandenses , Somalis, Sudaneses e Nigerianos, e por que não falar de tantos Cubanos sob Castro e tantos Nicaraguenses, sob Ortega…
Como bem disse um dia Joseph Stalin, “a morte de um homem é uma tragédia a de milhões é uma estatística!. E que não me peçam para repetir em Russo, porque não manejo alfabeto cirílico.
Todavia, pelo que se conhece da tortura repressiva militar desse período houve uma morte muito comentada no Doi-Codi de São Paulo: a do jornalista Vladimir Herzog, um vespeiro cutucado, que suscitou maiores danos, afinal se não há nenhum homem que mereça ser morto, há muitos que são mais pranteados.
Depois, do mesmo modo e do mesmo jeito, morreu sem maior carpição o pedreiro Manoel Fiel Filho, alguém do povo e sem maior expressão, levando o Presidente Ernesto Geisel a demitir o General Ednardo d’Ávila Melo, comandante do II Exército, responsabilizando-o por não conter os radicais, afinal estes atrabiliários sempre existem como agora, subterraneamente escondidos.
Todos o sabem que o Presidente Geisel estava comandando sem tergiversar nem recuar a sua “lenta abertura gradual e segura” à qual teve que abater muitos oponentes no interior de seu governo, os Generais Frota e Hugo Abreu e seus seguidores, abertura que depois se concretizaria com a “Anistia, ampla, geral e irrestrita”, aprovada em 28 de agosto de 1979 no governo que se seguiu.
Um perdão difícil, que quase atolou no lameiro e no chiqueiro dos eternos radicais, porque aconteceu o famoso Atentado do Rio Centro, promovido por setores raivosos e que ficou pouco desvendado, vingando uma anistia ainda hoje contestada, por muitos espíritos recalcitrantes que estão a invocar, como sempre, a sua própria vendeta.
Pelo menos é assim que muitos se colocam contra a anistia a tantos sofrimentos surgidos a partir do quebra-quebra de oito de janeiro de 2023.
Para estes radicais equivocados, ao invés de anistiar e pacificar a alma nacional é melhor reavivar esse ódio entre irmãos que nos levará, quem sabe um dia, a uma batalha real definitiva, nunca vista, nem tão desejada.
Revanchismo igual que me faz lembrar os idos de 1914, onde ódios entre irmãos ou primos, herdeiros gauleses e germânicos do mesmo pai, o Imperador Carlos Magno, conduziram espíritos notáveis, por patriotas, a enveredarem na luta que os desunia, sem ver o quanto a todos ajuntava.
Vingança que me faz lembrar, pelo conteúdo idealista e viril ali contido dos versos guerreiros de Charles de Péguy(1873-1914), a orar sua prece final, por inútil e equivocada:” Felizes os que morreram pela terra carnal,… numa guerra justa, […] Felizes aqueles que morreram nas grandes batalhas, Adormecidos sobre a terra e à fronte de Deus […] Felizes as espigas maduras e os trigos colhidos”
A guerra que Charles de Péguy idolatrava era aquela que ceifaria a sua chama. E que bem se poderia aplicar aos equívocos de tantos que lutaram na Guerrilha do Araguaia…
Uma guerra inútil, como todas as guerras.
E aquela franco-germânica era uma guerra entre vizinhos; os alemães e os franceses que hoje convivem dirimindo diferenças, enquanto os saudosistas dos guerrilheiros de ontem aclamam hoje; “Não à anistia!”, reivindicando, quem o sabe, uma nova refrega, assalto que os vingue, sem imaginar que pode tomar de volta; bala de novo!
Em outras elegias, Charles de Péguy, o poeta da Pequena Esperança, era um homem de crenças absolutas.
Ele acreditava que aquela 1ª Grande Guerra seria uma contenda justa; definitiva! Uma situação em que os heróis que nela morressem em combate, bem poderiam ser considerados felizes!
Não foi nem uma guerra definitiva, muito menos restaram ditosos os milhares de cadáveres sepultados sem fertilidade nas lamas das trincheiras, porque logo outra guerra surgiu, a 2ª, uma repetição trina de assaltos na mesma luta, afinal se tratava apenas de uma luta territorial pelo controle dal Alsácia, Lorena, seus dois estados limítrofes, produzindo três grandes conflitos, porque a 1ª divergência territorial notável entre franceses e alemães se deu em 1870, a segunda em 1914, e a terceira em 1940, com múltiplas gerações sendo enterradas numa luta baldia.
Algo semelhante ou igual aos que se negam a aprovar a Anistia dos infaustos acontecimentos do “Oito de Janeiro”, querendo talvez programar um novo acirramento de ânimos, uma rebarbarização à moda prevista por Gianbatista Vico, por Corsi e Ricorsi, em busca de uma nova refrega…
E quando tudo de novo explodir, o Brasil rebarbarizado será o mesmo, sem chorar de parte a outra.
É assim que eu penso, no meu refletir nada indiferente.