Há duas semanas, no final de março, chegou ao conhecimento público uma investigação do Ministério Público Estadual em conjunto com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, intitulada Indenizar-SE, que busca apurar casos de desvios de aproximadamente R$ 7 milhões de verbas indenizatórias na Câmara de Vereadores de Aracaju. São alvos da investigação 15 dos atuais 24 legisladores do município e três empresários, além do ex-vereador Robson Viana (que, pela condição atual de deputado estadual, possui foro privilegiado).
De imediato, a publicização da investigação gerou manifestações de diversas naturezas, dentre as quais críticas que tendem a generalizar más condutas e a caracterizar a atividade política como essencialmente corrupta. É aí que costuma-se ouvir “é tudo ladrão”, “tem que prender todo mundo”, “político não presta”, etc. Essas manifestações são bastante compreensíveis, afinal trata-se de dinheiro público, dinheiro que de um modo ou de outro é resultado do trabalho dos cidadãos e cidadãs de Aracaju, e pelo fato de estarmos num país em que o combate à corrupção de modo eficaz, e tornado público, é novidade da última década. Não que estejamos livres das interferências do poder político e do poder econômico no combate à corrupção, mas quem não lembra que em outros tempos era mais presente a afirmação de que no Brasil fatos como esse acabariam em ‘pizza’?
De todo modo, acredito que o momento exige – especialmente da imprensa, dado o seu papel com a formação de opinião – o cuidado de não estabelecer generalizações nem acusações que antecipem os julgamentos. Mesmo parlamentares como Agamenon Sobral – que se notabilizaram por ter a agressão e ofensas irresponsáveis como principais armas políticas e por, de forma leviana e sem qualquer fato concreto, acusar colegas parlamentares, dirigentes sindicais e lideranças políticas de corruptos – devem ter o direito à ampla defesa respeitado. Chamá-lo, por exemplo, de ladrão quando o processo ainda segue em fase de investigação é usar da mesma arma que ele sempre utilizou. Ainda que existam muitos e consistentes indícios de que ele e outros vereadores estão envolvidos diretamente em casos de sonegação fiscal, peculato e lavagem de dinheiro, é preciso lembrar que indícios não são provas e, assim, não se deve, no afã de justiça, cometer injustiças. Exemplo: circulam informações que um dos 15 investigados não será indiciado, por não haver confirmação de provas contra ele. Ao mesmo tempo, outras informações dão conta de que alguns vereadores podem ter cassação de mandato e até mesmo prisão. Como, então, no decorrer das investigações tratar todos do mesmo modo? Por outro lado, também não dá para aceitar declarações como a do prefeito João Alves Filho, que, tentando deslegitimar a Operação Indenizar-SE, disse acreditar que os órgãos de fiscalização estão "superestimando" o que ocorreu e que os vereadores "não fizeram nada de agressão ou corrupção".
Outra responsabilidade da mídia local é explicar ao conjunto da população como se dá o funcionamento das verbas indenizatórias. Uma tentativa de explicação: para desenvolver a atividade parlamentar, os vereadores de Aracaju utilizam uma estrutura de serviços e materiais, não viabilizados pela Câmara, como carro, combustível, telefone, gabinete, material de expediente, assessoria jurídica, material gráfico, dentre outros. Essas despesas são realizadas pelo vereador, com recursos pessoais, com base numa lei que impõe limites a cada gasto e, ao final de cada mês, é apresentada prestação de contas à Câmara de Vereadores, acompanhada de notas fiscais e recibos de pagamento, sendo cada vereador ressarcido dos gastos efetuados através da verba indenizatória.
Compreender esse processo é fundamental para que o objeto de questionamento não seja a verba indenizatória em si, mas como esses recursos estão sendo utilizados, afinal a investigação do MPE e Polícia Civil se baseia em denúncias de usos de notas fiscais falsas, emitidas para justificar despesas por materiais e serviços não utilizados.
Entendo também que para além do legítimo e necessário clamor pela apuração, investigação e punição dos envolvidos em casos de corrupção que sejam confirmados, tarefa que deve ser facilitada pela Câmara de Vereadores (fornecendo todas as informações e documentos necessários aos órgãos de investigação), a Operação Indenizar-SE abre uma janela de oportunidades para a discussão sobre transparência, combate à corrupção e controle social do Poder Legislativo de Aracaju.
Sobre isso, acredito ser fundamental como primeira medida a substituição de toda a composição titular da Comissão de Ética da Câmara, afinal os três integrantes titulares estão sendo investigados (Jailton Santana, Adriano Taxista e Dr. Gonzaga). Cabe lembrar que, até o momento, a Comissão de Ética não se pronunciou sobre as investigações.
Em consonância com a Lei de Transparência e com a garantia do controle social, são necessárias também medidas como: o acesso irrestrito da população a informações relativas à atuação parlamentar (incluindo todos os recursos utilizados pelos vereadores); a viabilização pela Mesa Diretora da Câmara, e não via pagamentos individualizados pelos vereadores, de todos os serviços e materiais utilizados pelos parlamentares; a criação do Portal da Transparência da Câmara de Aracaju; a instalação de uma Ouvidoria da Câmara, que tenha autonomia e estrutura para desenvolver os seus trabalhos e que seja ocupada por servidores efetivos; e a garantia, com brevidade, da instalação da TV Câmara Aracaju no sinal aberto e digital de televisão.
Como disse anteriormente, a Operação Indenizar-SE deve ser vista também como uma oportunidade de transformar a Câmara de Vereadores num espaço que seja marcado pela transparência e pelo controle social. Cabe agora ao conjunto dos vereadores decidir se optam por esse caminho, qualificando a nossa democracia, ou se insistirão na tática de afastar a população da política e das decisões que afetam a sua própria vida.