Raquel Anne Lima de Assis
Doutoranda em História Comparada pela UFRJ (PPGHC)
Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
Ex-professora substituta da UFRRJ (DH/IM)
E-mail: raquel@getempo.org
Quando olhamos o monumento da Justiça, localizado em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, nos deparamos com uma figura feminina com os olhos e os ouvidos cobertos. A ideia representada é que a Justiça deve ser imparcial, julgar todos e todas sem preconceitos políticos, étnicos ou sociais. Segundo o artigo 1º da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, promulgada em 1789, na efervescência da Revolução Francesa, “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a utilidade comum”.
Essa ideia atravessou o Atlântico e os séculos e, nos dias atuais, ainda é tão cara, principalmente àqueles localizados nos estratos recriminados da sociedade ocidental. Estamos realmente todos em “pé de igualdade” diante das instituições que deveriam salvaguardar nossos direitos? Esse é o debate do filme “Os 7 de Chicago”, lançado em 2020 pela plataforma Netflix e dirigido por Aaron Sorkin.
Baseada em fatos reais, a película aborda o julgamento de oito jovens – ao final, tornaram-se sete – que atuaram na grande manifestação de Chicago contra a Guerra do Vietnã, em 1968. Com o slogan “o mundo inteiro está assistindo”, diferentes grupos, dentre eles hippies, negros, pacifistas e estudantes, se dirigiram à Convenção Nacional Democrata, que tinha como propósito anunciar a candidatura de Hubert H. Humphrey à presidência dos EUA. Esses jovens exigiam o fim do conflito que estava convocando milhares de estadunidenses todos os meses e os enviando de volta para casa em caixões, mutilados ou com traumas de guerra.
Contudo, a manifestação saiu do controle por conta da repressão policial e os manifestantes Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong), Tom Hayden (Eddie Redmayne), Rennie Davis (Alex Sharp), David Dellinger (John Carroll Lynch), Lee Weiner (Noah Robbins), John Froines (Daniel Flaherty) e Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), co-fundador do Partido dos Panteras Negras, foram acusados pelo governo norte-americano de conspiração contra a ordem.
Ao longo do filme, é perceptível como o julgamento tornou-se um ato político em que aqueles manifestantes não estavam ali para serem julgados, pois já entraram no tribunal condenados. Com uma forte cobertura da imprensa, o Estado norte-americano queria tornar aqueles réus exemplos para coibir manifestações contrárias ao seu projeto político. Quem cumpriu o papel de carrasco foi o juiz Julius Hoffman (Frank Langella), que não aceitou qualquer prova ou argumento que pudesse inocentar os sete (ou oito) de Chicago. O mais emblemático foi o tratamento racista que Bobby Seale recebeu sem qualquer direito a um advogado, sendo, inclusive, amarrado e amordaçado no tribunal. Como essa medida causou desconforto com a promotoria, Seale teve as acusações de participação na manifestação anuladas, o que fez os oitos se tornarem sete.
Esse é um filme que dialoga com o momento histórico pelo qual os EUA estavam passando em pleno 2020. Foi o ano da morte de George Floyd, vítima de racismo pela polícia de Minneapolis, e de eleições presidenciais em que mais uma vez foram demonstradas as fragilidades da democracia estadunidense com a tentativa de golpe do ex-presidente Donald Trump. A mensagem transmitida diz respeito ao ataque a nossa liberdade por parte de governos e do uso deturpado de instituições que deveriam fortalecer nossa democracia. Portanto, “Os 7 de Chicago” é um alerta, não somente para a sociedade estadunidense como também para o resto do mundo.