Natália Abreu Damasceno
Mestranda em História da Universidade Estadual de Maringá
No tempo da presente crise política, em que milhões de brasileiros em todo o país assistem diariamente à espetacularização de crimes de corrupção nos noticiários impressos, digitais ou na TV, nos sentimos convocados a formular e a emitir opiniões sobre os acontecimentos e personagens em cena na política nacional. Mesmo os que afirmam não ter ‘apetite’ para inteirar-se do cenário político, ou os que acreditam que política não se discute, frequentemente têm se sensibilizado e opinado sobre escândalos relativos a comissões de inquérito, polêmicos projetos de lei em votação no Congresso ou sobre marchas, quebra-quebras e violência em manifestações civis. De fato, as informações e o debate político chegam cada vez mais ‘quentes’ às nossas mesas, mas como são eles preparados para o nosso consumo?
A receita não é lá muito simples, mas fica um tanto mais fácil se começarmos pelo seguinte questionamento: como se dá o nosso contato com os fatos sobre os quais opinamos? Podemos dizer seguramente que, na maioria das vezes, nós não presenciamos o desenlace dos acontecimentos políticos, não participamos diretamente das suas negociações ou simplesmente não estivemos ‘lá’, não fomos sequer testemunhas oculares. Sendo assim, vivemos num mundo de símbolos, no qual a única realidade sobre a qual nos posicionamos é construída a partir do que nos contam sobre ela, o que passa, é claro, pelo filtro das nossas experiências individuais, estereótipos e valores subjetivamente consolidados. Ou seja, salvo os que estiveram ‘lá’ (manifestantes, ativistas, membros da classe política, curiosos etc), nós formamos nossa opinião não sobre os fatos em si, mas sobre ‘imagens’ que carregamos e que nos foram trazidas deles. E, sabemos que o nosso acesso a esses fatos se dá a partir da imprensa escrita, TV e dos sites de notícias, crônicas e comentários políticos, considerados verdadeiros ‘portais’ para os acontecimentos do Brasil e do mundo.
Considerando a missão declarada de informar de que se imbuem os meios de comunicação, é preciso entender que levar a informação, veiculá-la, é também construir um acontecimento. Os fatos não chegam crus ao nosso conhecimento. São temperados, cozidos, fritos ou assados ao sabor dos interesses de quem os prepara. A liberdade de imprensa da qual gozamos hoje torna isto um tanto mais nítido na medida em que é cada vez mais difícil falar em ‘um’ acontecimento, já que um mesmo fato pode ser e é publicizado de diversas formas, com ênfases variadas e ‘cortes’ convenientes. Por isso, não podemos ignorar que a mídia é um importante integrante do jogo político e participante fundamental na construção de acontecimentos históricos. Tal qual um cozinheiro manipula e combina ingredientes, repórteres, diretores e financiadores de jornais elaboram a realidade política sobre a qual nos posicionamos.
Metáforas à parte, construir imagens dos acontecimentos e dos personagens que integram a cena política é, portanto, ter o poder de condicionar e orientar sobre o que e como vamos opinar e decidir. Quem tem a palavra, tem o poder de definir quem é quem num jogo político que acontece longe das nossas vistas. Quem detém a voz autorizada da produção da informação, detém o poder de legitimar, descaracterizar, privilegiar e negligenciar as muitas realidades em disputa na pluralidade do mundo que vivemos. Ter isto sempre em mente, não é só um dever de historiadores e cientistas sociais e políticos no trato de suas fontes ou na prática de suas análises científicas. Deve ser um exercício crítico diário de todos os cidadãos, uma espécie de resistência, de luta pela autonomia do nosso pensamento diante das vozes dos diversos interesses que competem pelos nossos olhos, ouvidos e mentes. Em tempo, não há dúvida de que por trás de qualquer receita pronta, há inúmeras escolhas e possibilidades de paladares a serem apetecidos.
Saiba mais:
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008.
GUARESCHI, Pedrinho A. (coord.). Comunicação & Controle social. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2004.