O noticiário alarma: “O partido de esquerda radical Syriza venceu neste domingo (25) as eleições legislativas na Grécia”.
Com 96% dos votos apurados, faltavam apenas duas cadeiras ao Syriza para que conseguisse um total de 151 cadeiras no parlamento.
Uma maioria suficiente para governar a Grécia sozinho, sem necessidade de conchavo ou qualquer aliança visando a governabilidade.
A eleição foi conduzida em promessas de rejeição às políticas de austeridade ditadas pela zona do euro, e que vinham bem ou mal sendo defendidas pelo atual primeiro-ministro Antonis Samaras, o grande derrotado na eleição.
O partido de Samaras obteve apenas 76 cadeiras. Uma rejeição acachapante de ¾ do eleitorado.
Do Syriza, o partido vencedor, sabe-se apenas constituir-se de uma Coalizão de Esquerda Radical, fundada em 2004, cujo líder, Alexis Tsipras, alcançou enorme popularidade numa Grécia atolada em desemprego e crise econômica.
Numa apreciação apressada, aguarda-se que Tsipras seja o novo Primeiro Ministro sem necessitar estabelecer concessões no parlamento.
Será isso verdade, ou mais um engodo entre tantas esperanças de políticas radicais, de moratória e desrespeito a contratos e acertos?
A Grécia como a Argentina e o Brasil, em tempos não tão distantes, sempre têm escutado estes discursos contra qualquer austeridade nas contas públicas.
Em terra nostra, e nesse mesmo sonho idílico de verão, demonizamos nossos Generais Presidentes, santificamos Tancredo Neves, “Mártir da Nova República” e experimentamos todo tipo de droga enquanto medidas econômicas; plano cruzado, plano cruzado novo, plano verão, plano feijão com arroz, plano Collor, o único patenteado em rejeição, e o plano real que se lhe incorporou, venceu e vem resistindo.
Quantas vezes ouvimos palavras vazias tipo “moratória soberana”, para o não pagamento da dívida externa e coisas parecidas em condenações vis ao Fundo Monetário Internacional, etc?
E quem não lembra os excessos de demagogia que entronizaram e derrubaram todo tipo de governo e de partido nesta Nova República, culminando com a ascensão de Lula, o “sapo barbudo que teríamos que engolir”, e que foi tão bem deglutido pelo mercado, que dele tem grande saudade?
Será Alexis Tisipras um simples Lula em ressaca de Vodca Orloff, no célebre comercial do “eu sou você amanhã”, agora aplicada ao ouzo, a célebre aguardente grega em buquê de anis?
A pergunta se enquadra porque a esquerda tem sempre os seus mitos. Ela vive no sonho; na irrealidade do almoço gratuito e no ócio remunerável.
Anima-lhe a vontade de melhor taxação dos ricos. Uma utopia nunca realizável, afinal quem não é rico deseja sê-lo.
A burguesia, igual ao canto de sereia, e o tilintar de moedas, endoidece qualquer marujo.
E não há maneira racional de enriquecer senão aceitando as regras do livre mercado, respeitando os contratos, os compromissos assumidos, à propriedade privada, tudo o que a esquerda recusa e demoniza.
Por outro lado, o estado de bem estar social, esta notável invenção do homem em modernidade, o “welfare state”, veio para se impor, permanentemente, qual “fim de história”, mas está se tornando insustentável.
O problema é que a austeridade não pode ser dispensada quando a farinha é pouca, a energia é escassa e a água mingua nas nossas torneiras.
E em momento de escassez, não se pode simples e jocosamente dizer: “em farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Há, todavia, dois tipos de austeridade: aquela que é real, precisa e necessária, e a outra que atinge apenas os menos desfavorecidos.
Em nome de uma falsa austeridade, a escravatura e o servilismo constituíram por longo tempo a grande força e pujança das nações.
E não foi a bondade do homem que liberou o trabalho servil. Foi a máquina, domando o vapor, a automação.
Porque o homem não se compadece por bondade, comiseração ou piedade com o sofrimento do seu semelhante.
Não fosse isso verdade, não existiria tanta exploração, ao arrepio da lei com suas punições terrenas, em ralas expectativas de danações eternas.
Sem palavra terna, mas com constatação sempiterna, só a máquina é que vem libertando o homem, independente de apelos religiosos e de solidariedade, seus horrores e clamores.
Não é o amor nem o medo, muito menos a sensibilidade pelo outro, o verdadeiro amor que anima a humanidade.
O amor é meta de santificação apenas, não o é de humanização.
Humanização é tarefa de domesticação da fera, que todos a somos, por natureza, igual às listras na pele do tigre, passadas de pai para filho.
“O homem é o lobo do homem”, dissera Thomas Hobbes no seu Leviatã de 1651.
O homem, que é o maior predador da natureza, é também o maior predador de si mesmo.
Daí Hobbes falar da necessidade de defender o homem de si próprio, instituir um Leviatã, algo ou alguém, que em encarnando uma autoridade inquestionável, pudesse assegurar a paz interior das nações e a defesa comum dos cidadãos.
Ora, em tempos de crise, tal Leviatã perde a capacidade de pacificar as sociedades, caso da Grécia que pretende experimentar uma nova política, rejeitando qualquer tipo de austeridade econômica, preconizada pela Europa unificada.
Do Mercado Comum Europeu sabe-se que trouxe consigo ampla pacificação desta região assaz conflituosa.
Concebido como grande sonho de progresso, chegou a hora dos países pagarem as suas dívidas contraídas com o Banco Europeu. E assim as cobranças de austeridade.
Mas esta palavra austeridade é um grande palavrão. Todos acham que já o são austeros em demasia. E assim o emprego se faz escasso.
Fala-se que na Grécia um entre quatro helenos está desempregado, vivendo à mingua da caridade pública.
O governo atual, aquele que se propunha realizar medidas duras em cortes de despesas, foi fragorosamente derrotado nas urnas.
Não se sabe nem mesmo se houve algum sucesso nos cortes pretendidos, ou se tudo ficou encalhado no debate e na resistência dos movimentos sindicais organizados.
De concreto sabe-se que os grandes tigres populistas do palanque, tornam-se gatos angorás nos gabinetes.
Ramsey Macdonald, o grande líder trabalhista inglês ao assumir o poder em plena crise econômica dos anos 20 e 30 do século passado, nunca conseguiu satisfazer os seus comandados socialistas.
Só conseguiu fazer alguma coisa em benefício dos menos aquinhoados depois que foi expulso do partido de quem fora o seu maior líder e fundador, e governou em aliança com os liberais
E se houve algum sucesso, este chegou apenas com o advento da 2a Grande Guerra, com Hitler bombardeando Londres. Mas isso é outra história.
Quanto ao trabalhismo, depois de Macdonald, o maior líder trabalhista britânico foi Tony Blair, isso em 1992, ou seja sessenta e dois anos depois, inaugurando um trabalhismo com fortes fumos conservadores.
Agora há uma expectativa grega no pedaço.
Da Grécia sobraram ruínas e muitas pedras espalhadas.
Dos escritos sóbrios de Platão e Aristóteles cada um a seu modo prega a necessidade que os reis sejam filósofos ou que seja apenas cidadãos comuns regidos por leis sábias.
Filosofias à parte, a matemática de Euclides e Pitágoras permanece imutável, sempre difícil de ser aprendida pelos incapazes de disciplina e esforço, sobretudo na gestão de orçamentos.
Dir-se-á tratar-se de aporia ou aporema, coisa de filosofia grega, em eterno dilema de toda demagogia, esta também bem nascida na polis e no coreto da “ekklesia” ateniense.
Aporia, enquanto dificuldade de axiomatizar um problema lógico, seja por contradição e paradoxo, e sobretudo por farta existência de raciocínios igualmente coerentes e plausíveis, mas divergentes na objetividade desejada.
E aporema, por silogismo impossível de conciliar a veracidade de raciocínios dispersos, tão distantes como divergentes.
Quanto à demagogia, só ela descaminha a humanidade, aqui e alhures, na Ática e no Planalto Central.
Se Alexis Tisipras terá sucesso nos seus planos ninguém o sabe. Que a Grécia não acorde amanhã em enxaquecas de ouzo.