Lagarto guarda em sua história a tradição de partilhar as terras, harmonizando as presenças de colonos que logo se tornaram proprietários, produziram, viveram melhor e ainda hoje ocupam os mais de 100 povoados do município, com autonomia econômica. O primeiro testemunho foi dado em 1757, quando o vigário João da Cruz Canedo, em sua Notícia sobre a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Vila do Lagarto, observou que as propriedades ficavam “em distância de três, de duas, de uma, de meia légua de umas as outras, e algumas ainda mais vizinhas.” A situação de Lagarto contrastava com a das demais Freguesias, cuja colonização isolava os colonos. Na segunda metade do século XIX, um padre nascido em Simão Dias, em 23 de junho de 1828, que foi vigário em Lagarto por longo tempo, deixou entre os fiéis lagartenses um gesto inesquecível, de exigir de quem fosse casar, que possuísse um cavalo e um pedaço de terra. Essa exigência, que está na tradição, tem singularizado o município de Lagarto, com seus sítios de fruteiras e pequena lavoura de fumo, dando independência econômica aos seus proprietários. É raro um sítio que não tenha como garantir o sustento familiar e não tenha, em sobra, gêneros úteis, que sejam levados à feira da cidade. Bicicleta e motos e mais recentemente automóveis atestam o poder aquisitivo dos lagartenses, resultante do trabalho e do compromisso que parece ter ficado das prédicas e atitudes do padre Daltro. João Batista de Carvalho Daltro, de importante família simãodiense, viveu os primeiros anos na sua terra natal, depois foi estudar no Liceu Sergipense, em São Cristóvão, único estabelecimento de ensino secundário da Província, que funcionou entre 1847 e 1855, fechando quando a capital mudou para Aracaju. Depois de estudar Filosofia e outras disciplinas no Liceu, entrou para a vida clerical, no Seminário da Bahia. Ordenado, voltou para sua terra e foi, por muito tempo, mais de 50 anos, pároco de Lagarto, sendo de sua iniciativa a construção do Cemitério local, de um Hospital, que levou o nome de Nossa Senhora da Conceição, e a conclusão das obras da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade. O padre Daltro não apenas viveu em Lagarto, mas viveu por Lagarto e pelo seu povo. Gervásio Prata, que o conheceu e guardou impressões da convivência nos últimos anos, disse em alto som, pelo microfone da Rádio Difusora, na noite de 23 de setembro de 1947, que o padre doou a casa onde foi instalado o Hospital, sua casa de morada e boa quantia em dinheiro. O mesmo Gervásio disse que o enterro do padre Daltro, realizado no dia 3 de fevereiro, “ foi o maior acontecimento que o Lagarto, até então, jamais presenciou. Mesmo morrendo na Fazenda Baixão, em Simão Dias, no dia 2 de fevereiro de 1910, há exatos 100 anos, ele pediu para ser sepultado na igreja que servira, de forma tão completa e consciente. E foi atendido, e, mais que isto, recebeu as homenagens mais justas pelo carinho que soube conquistar. Sobre a sua idade cabe registrar que viveu 81 anos, 7 meses e 10 dias, como se pode lê no “santinho” que em sua homenagem foi impresso em Lagarto como lembrança de inauguração do seu monumento, realizada solenemente, no dia 7 de setembro de 1947, naquela cidade que adotou como sua. Gervásio Prata, no seu Lagarto que eu vi (Aracaju: Imprensa Oficial, 1943) afirma que o monsenhor Daltro viveu 84 anos. Ilustrado, o padre João Batista de Carvalho Daltro, depois monsenhor, esteve na Europa, peregrinou a Palestina e firmou biografia reconhecida pelos méritos de uma cidadania religiosa, acentuadamente marcada pela caridade, uma das virtudes teologais, com a qual a hierarquia da Igreja Católica motivou os proprietários e outros abonados na vida. Tudo o que o monsenhor Daltro conseguiu amealhar, na sua longa vida como sacerdote, empregou para os pobres, deu aos pobres, usou para minorar o sofrimento dos necessitados. A imagem de bondade de homem caridoso não foi, no entanto, maior do que os conselhos que deu, as exigências que fez, para realizar casamentos em Lagarto. Um capítulo da biografia do monsenhor João Batista de Carvalho Daltro está relacionado com a paternidade assumida de um filho: Pedro Garcia Moreno, nascido em Simão Dias, em 1º de novembro de 1880, que se tornou farmacêutico, com boticas em Maroim – Farmácia União – e em Laranjeiras. Patriarca de uma família das mais importantes de Sergipe, dr. Pedro Garcia Moreno devia saber que seu sobrenome havia sido tomado por empréstimo pelo monsenhor Daltro, para homenagear um líder do Equador, aplaudido pela sua disposição em ajudar, com recursos e apoio, a ação da Igreja naquele País. Os filhos do farmacêutico Pedro Garcia Moreno conquistaram lugar respeitável entre os sergipanos. Três foram médicos – Canuto Garcia Moreno, João Batista Peres Garcia Moreno, que neste ano completa 100 anos de nascido, e Pedro Garcia Moreno, que exerceu mandatos de Deputado Estadual, com forte votação em Itabaiana, onde tinha seu Consultório. As gerações seguintes dos Garcia Moreno continuaram a oferecer talento e espírito público, exercendo funções que não dispensam o preparo humanístico no exercício da cidadania digna. Uma família que goza da admiração dos sergipanos. O dr. Pedro Garcia Moreno (o pai) morreu em 29 de junho de 1956, deixando na memória dos que privaram de sua amizade um legado de lembranças, sempre evocadas com respeito e admiração.
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