A emoção é sempre algo vacilante, faz-nos sentir crianças e ao mesmo tempo grandes. Emoção está cada vez mais rara nos dias de hoje. “Tempo de partido, tempo de homens partidos” – diria nosso poeta de Itabira, Drummond.
Ao receber o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a Praça de São Francisco na
cidade de São Cristóvão, 4ª cidade mais antiga do Brasil, é elevada ao grau de
importância para o mundo que ela sempre, na verdade, teve, independente do título ou não. Agora, evidente, de fato e de direito.
A Praça de São Francisco está localizada no centro da cidade é é cercada pelas também
históricas igreja de São Francisco, Convento de São Francisco, Capela da Ordem Terceira –
atualmente sede do Museu de Arte Sacra -, Santa Casa e igreja da Misericórdia e Palácio
Provincial. A praça é a única no Brasil com um traçado urbanístico de origem tipicamente
da colônia espanhola. Sua construção é do período conhecido como União Ibérica
(1580-1640), quando os reinos de Portugal e Espanha tiveram como único soberano os reis
Felipe II, Felipe III e Felipe IV da Casa da Áustria.
Tirando os dados históricos , a Praça São Francisco, na verdade, guarda uma peculiaridade
belíssima para o povo de Sergipe. Foi nela que vi mais de dez festivais de Arte de São
Cristóvão, organizados pela Universidade Federal de Sergipe, quando não era, como hoje,
oficiosa. Ali, se apresentaram centenas de grupos nacionais e internacionais sob a batuta
de intelectuais e mestres como Albertina Brasil, João Cardoso do Nascimento, então reitor
e Luiz Bispo que fora nomeado pelo Presidente Médici para ser o novo magnífico, sob a
idéia de Núbia Marques, já professora da UFS e poeta consagrada. Isso em 1972. De lá pra
cá a Praça São Francisco, hoje patrimônio da Humanidade, recebeu vários grupos do Brasil
inteiro, alunos e artistas consagrados que fizeram aquele espaço se imortalizar. Foram
emoções grandes, espetáculos inesquecíveis de balé, dança contemporânea, música, circo,
folclore, literatura e cinema, oficinas de artesanato, mostra de livros, recitais,
teatro, gastronomia e festa, muita festa.
Da formação do Fasc até quando ele conseguiu resistir, porque o atual reitor, Josué
Modesto dos Passos Subrinho, fez a proeza de enterrá-lo, passaram nomes gloriosos da UFS.
O Fasc mais rico foi sem dúvida, o que tinha Maria da Glória Santana de Almeida, a
professora Glorinha, à frente. Ela era Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comuniários e
conseguiu junto aos Ministérios uma fábula em dinheiro, prestigiando todos os artistas e
grupos importantes. Foi a glória! De vários reitores me lembro de Aloísio de Campos,
Gilson Cajueiro de Holanda, Eduardo Antonio Conde Garcia, Clodoaldo Alencar Filho(um
apaixonado pelo Fasc), além de nomes como José Carlos Teixeira, Thétis Nunes, Luiz
Fernando Ribeiro Soutelo, Lu Spinelli, Maria Nely dos Santos, Terezinha Oliva, Francisco
José Alves, Luiz Antônio Barreto e Aglaé Fontes de Alencar, Luiz Eduardo Oliva, João
Costa, Tereza Prado, Eluzia Carvalho, Gizelda Moraes, José Costa, Fernando Lins, Jorge
Lins, Iara Vieira, Djaldino Mota Moreno, Severo D´Acelino, Eliane Fonseca Medina, Dom Luciano Duarte e tantos outros.
Ali naquela praça não está faltando ele, porque passaram Grupos como Corpo, Balé de Belo
Horizonte, Ilê Ayê(Salvador), Companhia dos Homens(Recife), Alejandro Moro jazz Quarteto
(Buenos Aires), Wagner Tiso, Nando Reis, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Otto e tantos
inesquecíveis nomes.
A arte de Sergipe na música também foi destaque sempre, ali na praça, de Nino Karva à
reação, de Amorosa à Joésia Ramos, Naurea ao quinteto de cordas, orquestras, Antonio
Carlos Du Aracaju a Chico e Antonio Rogério, Patrícia Polayne e Crys Emmel, além de
tantos que incendiaram o palco com seus talentos.
A Praça São Francisco guarda em si a grande glória de tudo isso. Dos bracelets, que as
freiras fazem iguais na suissa, à queijada de dona Geninha que, quando viva, enrolava-as
em papel cor de rosa e verde, aquele velho papel de pão; de Vesta Viana endeusada por
Jorge Amado e Zelia Gatai por sua obra – tudo ali é mágico, é poético, é deslumbrante.
Mas o mais divino e ambicioso prêmio da Praça São Francisco, além de sua gente, sua arte
e seu significado, é o Museu Histórico de São Cristóvão, localizado ali, na Praça São
Francisco, que guarda a mais bela obra “Ceci e Peri”,de Horácio Hora, o pintor sergipano
que morreu em Paris, enterrado no Père-Lachaise, onde estão nomes como Honoré de Balzac,
Paul Éluard, Oscar Wilde, La Fontaine, Piaf, Chopin, Allan Kardec, Molière, Marcel Proust,
Raymond Roussel e que foi erroneamente transladado para Laranjeiras, sua terra natal, estando
servindo, hoje, de esterco para cavalos amarrados ao seu monumento. Ele que estava enterrado no mais nobre cemitério da França ao lado também de Victor Hugo. Mas nada disso tira a
imagem de Ceci e Peri, imortalizada por Horácio, inspirada na obra de José de Alencar,
uma das mais belas páginas da literatura mundial. Ceci e Peri, por si só, já remete a
Praça São Francisco ao título de patrimônio da humanidade. Isso falo porque é impossível
não chorar diante da tela, é impossível não sentir aquela sensação de etéreo, de Deus. A moça branca deitada no barco, protegida pelo índio, como num
filme de Visconti, uma ópera de Villa Lobos. Atentamos também para o Museu de Arte e
Sacra que guarda as mais belas imagens já vistas no país, depois de Ouro Preto, onde um
dia, Clodovil, chorou ao visitar.
Por tudo isso, diante da janela do museu, que dá para o pátio do convento, vendo as
folhas verdes dos antúrios entremear o espaço cortando a tarde, cujo sol é lilás e a
brisa verde, é que a Praça de São Francisco, tão bem cultuada pelo historiador Thiago
Fragata, é hoje um portal vivo de lágrimas e riqueza. Riqueza eterna, essa que o tempo
não corrói.