“Tão grande é o defeito de confiar em todos, como o de não confiar em ninguém” (Sêneca). Mentir é falar o que não representa a verdade. Algo contrário ao fato, à ocorrência, à ação ou ao ato. Enquanto a verdade é a expressão do real, do ocorrido; a mentira é a negação: não foi nem é assim, ocorreu ou ocorre exatamente ao contrário. Alguém sempre nos lembra que nos tempos idos a palavra empenhada tinha muito valor. Há até quem afirme que os negócios de antigamente tinham como garantia o fio do bigode. A expressão “Fio do Bigode” foi o que poderíamos chamar predecessor do lacre, da assinatura, da rubrica e, mais modernamente, da assinatura digital. Esta prática, embora de origem controversa, constava de dar em garantia um fio da própria barba, retirado, geralmente do bigode. Há quem diga que a expressão é de origem germânica “bi Gott”, ou inglesa “by God”, ou seja, “por Deus”. Representava a total ausência de documentos assinados quando da realização dos negócios. Nos dias atuais, contudo, as transações entre as pessoas são asseguradas por contratos, letras, cheques, garantias, registros em cartórios, testemunhas… e, mesmo assim, ainda são quebrados com muito mais facilidade que antigamente. A palavra vale pouco, muito pouco. A mentira faz parte não somente dos negócios, mas permeia toda a nossa vida, desde que nascemos até o dia em que partimos. Podemos afirmar, sem muito medo de errar, que uma criança, já na sua sagrada inocência é atingida por várias mentiras verbalizadas, por irônico que possa parecer, por aqueles que nunca poderíamos imaginar que o fizessem: os próprios pais. “Se você não comer, não vai crescer”, “se você desobedecer, o papai do céu vai castigar”, “se você teimar com mamãe, a cuca vem pegar”, se você não fizer isso ou aquilo, eu vou chamar o… – coloque aí o nome do velho ou bicho de sua infância. Na minha era o “Mané Doido”. Minha mãe dizia “se você…, eu vou chamar o Mané Doido, com o seu saco de carregar menino”. Tudo mentira. Papai do céu não castiga ninguém; a Cuca nem existe, como também, não existe aquele velho imaginário com a barba grande, portando um saco enorme e sujo onde anda catando criancinhas “levadas”… E as canções de ninar, verdadeiros terrorismos e mentiras para, imagine, acalantar. Cito aqui a mais famosa: boi, boi, boi, boi da cara preta, pega este menino que tem medo de careta… Podemos citar outras, se necessário, todas elas seguem a mesma toada: mentira e terrorismo puro. E isso, infelizmente, prossegue na adolescência, na juventude e vida adulta a fora. As formas são as mais convenientes possíveis. Exemplo? Alguém bate a porta e a mãe não quer receber e diz: filhinho, diga ao moço que a mamãe não está. Aí acontece a coisa mais inesperada, para ela. A criança, que ainda vive o seu estado de pureza e não sabe mentir tão bem, diz: “a mamãe “dizeu” que num tava”. Ela desmente a mãe não é porque deliberadamente quer, é que mentir para enganar ela ainda não sabe bem, a mentira da criança restringe-se à fantasia, a mentira com fitos de tapeação é uma das coisas que, felizmente, as crianças demoram a aprender. Elas aprendem mais cedo e com mais facilidade a andar, falar, brincar, perguntar… Mas mentir, só lá mais para frente, quando os “sabem tudo”, os “amadurecidos”, que somos nós, com as rudes e desajustadas ferramentas, conseguimos estragar a sua pureza e as suas fantasias. Mentirosas como os adultos, as crianças só estarão formadas quando também se tornarem marmanjos. É pena que isto aconteça, mas é real. Na maioridade dos jovens, testando os valores, muitas vezes mentirosos, que lhes foram entregues pelos adultos até ali, entram numa fase perigosa da vida, fase essa, segundo alguns estudiosos, criada pela sociedade moderna, a chamada adolescência. Idade vulnerável a qualquer influência, sobretudo às mentiras. Idade de rebeldia e contestação que, através de mentiras, arrasta, em alguns casos, para tão longe os jovens que quando querem retornar e não podem mais. Já não é tão fácil. Têm tanta dificuldade que, infelizmente, muitos não conseguem. Pois a “mentira de passagem” se transformou em “mentira permanente” e arrasta à perdição eterna pelo prazer transitório da inclinação as grandes mentiras, droga, bebida, sexo, preguiça e consumismo, etc… Existem vários tipos de mentira e todas, sem exceção, representam um equívoco que deve ser evitado, que seja a mentira doutrinária, teórica, dogmática, ou simplesmente irresponsável. A mentira é sempre predadora, pois engana, falseia o real, além de ser o instrumental usado para outras práticas menos nobres. O pior é que a mentira, entre nós, até parece uma coisa normal, saudável, que não prejudica que parece facilitar a convivência e que constrói. A mentira está entranhada na nossa sociedade como um todo. Mentem os cidadãos e as autoridades, o pobre e o rico, o culto e o inculto. Os pais mentem para os filhos, os filhos mentem para os pais, os subalternos dissimulam para os dirigentes e estes para os subalternos, os eleitores para os políticos e estes, bem, estes… Julgue você mesmo.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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