Pelo império da virtude

A figura do padre e professor estanciano, e Bispo de Goiás, Domingos Quirino de Souza ganhou relevo na Dissertação de Mestrado do professor e psicólogo Dionísio de Almeida Neto, também nascido na Estância. O livro – Pelo Império da Virtude – Formação, saberes e práticas de Dom Domingos Quirino de Souza (1813-1863 (Aracaju: Gráfica e Editora Triunfo, 2007) recupera informações pessoais de D. Quirino, contextualizadas na vida religiosa e educacional da Estância, que é, reconhecidamente, berço da civilização sergipana.

 

Bastaria o fato do padre-mestre ter sido professor de Tobias Barreto de Menezes, no início da década de 1850, para que o interesse pela biografia de Domingos Quirino de Souza fosse justificado. O padre iria se tornar bispo e do seu bispado difundir regras morais ortodoxas para proteger a religião, ilustrar sacerdotes e criar um Seminário para novos padres, portadores dos ideais de vida santa, que vigoraram eficazmente na Idade Média, afirmando exemplarmente o Catolicismo. Tobias Barreto tomaria caminho diverso, abraçando os progressos das ciências, trocando a teologia pela filosofia, e contribuindo para a formação da cultura brasileira, com uma obra que mais do que contemporanizar o conhecimento, conquistou adeptos de uma revolução intelectual, que tomou forma na chamada Escola do Recife.

 

A biografia de Domingos Quirino de Souza tem, claramente, duas faces. Uma, longa, ligada ao ministério religioso e educacional na Estância, onde firmou conceito e referência, e onde conquistou a simpatia do Imperador Pedro II, que em janeiro de 1860 visitou Estância, conheceu a Matriz e tomou conhecimento da história local. Não parece mera coincidência que a nomeação do padre –mestre para Bispo de Goiás tenha ocorrido em 23 de abril daquele mesmo ano, pouco mais de um mês depois que o Imperador o fez do religioso Comendador da Ordem de Cristo. Outra, quando nomeado Bispo de Goiás, chamou para si a responsabilidade de definir as regras básicas do bispado, como consta dos documentos ordenados por Dionísio de Almeida Neto, desde a Carta Pastoral, datada de Estância, em 10 de março de 1862 (Salvador (Bahia): Tipografia de Camilo de Lellis Masson, 1862), que marcaria sua escrita como Bispo.

 

Nomeado em 1860, sagrado em 1861, empossado em 1862, ainda em Estância,  D. Quirino morreu pouco tempo depois de chegar em Goiás, em 1863, aos 50 anos, embora haja quem diga que o prelado tinha 48 anos quando faleceu. Na sua doença e morte fica clara a idéia de sofrimento pessoal, pela sua mãe e irmãs, doentes e dependentes, agravando seu estado de saúde, como também sua consciência ética. O pensamento do Bispo de Goiás está na Carta Pastoral  e nos textos que Dionísio de Almeida Neto recolheu e incorporou à sua Dissertação, com destaque para o assédio de alguns padres, que queriam assumir o bispado e exigiram pronta reação de D. Quirino, expressão também de fortaleza pessoal, e assim deixando à mostra as lutas internas da Igreja, assunto pouco difundido.

A Dissertação convertida em livro dá ao seu autor o justo prêmio pela pesquisa, reflexão, elaboração intelectual, que representa uma contribuição extraordinária aos estudos da história e da cultura de Sergipe. Armindo Guaraná, no seu Dicionário biobibliográfico sergipano (Rio de Janeiro: Pongetti, 1925) e Liberato Bitencourt, no Vultos do Brasil – Sergipe (Rio de Janeiro, 1913) biografaram Domingos Quirino de Souza, chamando a atenção dos sergipanos e dos brasileiros, sobre um padre que chegou a bispo. Agora, Dionísio de Almeida Neto completa o trabalho, não apenas por levantar o contexto local, evocando a Estância,  como destacando o perfil pessoal, religioso e moral do Bispo de Goiás, desde sua trajetória no púlpito e na cátedra.

 

Certamente que a orientação dos professores Jorge Carvalho do Nascimento, que domina o conhecimento da formação sergipana, e de Anamaria Bueno de Freitas, que tem historiado a educação em Sergipe, ajudou a Dionísio de Almeida Neto bem cumprir com sua obrigação escolar no Mestrado de Educação da UFS. O autor de Pelo Império da virtude reúne, em sua própria experiência, aspectos essenciais para definir a escolha e para realizar o feito final, oferecendo uma contribuição inestimável à Estância e a Sergipe.

 

Sobre a situação de Dom Quirino, o mulato estanciano que ascendeu na vida eclesiástica, pelas suas virtudes, vale transcrever um pequeno texto de monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, sacerdote nascido em Simão Dias, afamado em Lagarto, onde ainda hoje corre no imaginário do povo que ele só casava alguém que tivesse um pedaço de terra e um cavalo. Texto que está incluído, entre aspas, na Carta Pastoral:

 

“Depois de oferecer o mais puro sacrifício, deliberei-me romper tão repreensível

silêncio. Minha linguagem é sincera porque é filha do meu coração, e este me

revela que a ereção de um Sacerdote ao Episcopado, e de um Sacerdote

incógnito, que sempre fugiu às dignidades e aplausos do mundo, não pode ser

indiferente à Providência, acreditando o mundo que as recomendações dos

homens não bastarão. Quando se trata de vossa eleição, figura-se-me ver o

Onipotente criando a Samuel à sombra do Templo, ou tirando a Gedeão e a

Davi dos últimos degraus da Sociedade para os colocar sobre o trono de Israel.

Ou antes estou vendo a Nosso Senhor Jesus Cristo convidando os pescadores da

Galiléia para lançar os fundamentos da sua Igreja. Não hesiteis, pois, nem

temais que a Barca naufrague, descansai no Piloto, que vela. O espírito de

temor e de piedade, de sabedoria e fortaleza, derramar-se-á sobre vós, e com

o espanto do mundo gloriosamente enchereis o fim a que a Providência vos

chamou.”

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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