NA MINHA CASA existem dois Odilon. Um paga as contas, o que é maravilhoso. Porque quem não paga as contas é quem sofre. Quem não paga as contas pode gritar e berrar que ninguém dá bola. Um, portanto, é o provedor, uma espécie de Secretário da Fazenda, mais poderoso que qualquer governador. O outro é o que mais recebe telefonemas e mensagens no e-mail. Como é o único filho que ainda nos resta em casa, já que os outros dois estão casados, Tereza e eu giramos em torno dos desejos de Odilon Junior. Mas o nome Odilon, este nome que eu carrego há sessenta anos, nunca me pareceu comum, sobretudo em criança, porque raro era encontrar um outro Odilon, soando como o meu, exótico e suscitando explicações. Tratava-se de uma homenagem a meu avô, Dr. Odilon Machado, médico em Capela, que eu não cheguei a conhecer, embora saiba de seus muitos méritos dissertados por clientes. O meu nome, portanto, é uma homenagem a este avô. Lá em casa é assim; Nina, Odilon, Félix e Ascendina, tudo nome de avô. Somos, portanto, homenagens vivas, com obrigação de não ensejar qualquer deslustre a si e ao ancestral. Mas, eu que nunca pensara ter um filho chamado Odilon, fiquei surpreso quando Tereza insistiu em batizar o nosso caçula como Junior. Assim eis o Odilon Junior, funcionário concursado do poder judiciário, o sujeito mais importante aqui de casa, o que recebe mais telefonemas, e também o que entope a caixa de e-mail. Portanto aqui em casa existem dois Odilon. O mais importante é Junior. Eu sou apenas o que paga as contas. FALAR EM CONTAS, acho que uma das coisas piores do mundo é não ter dinheiro para poder pagar as nossas contas e de quem a gente gosta. E disto, graças a Deus, eu não sofri. Prefiro ser pródigo a somítico. Ninguém daqui de casa irá reclamar do sorvete não tomado, do cinema não assistido, da revistinha de gibi, da viagem a Disney, da bicicleta desejada, ou do automóvel bem equipado no sucesso do vestibular, junto com o toca-fitas, o videogame, o mp3, o computador de última geração, o ar-condicionado no quarto desde criança, etc. Todo mundo recebeu tudo, mas na outra ponta eu cobrei tudo, em dedicação aos estudos e responsabilidade. E não fui mal sucedido, graças a Deus, fazendo escola, espero, com os netos. NUNCA ADMIREI COBRANÇAS sem prêmios; “Primeiro a obrigação, depois a devoção”, diziam os antigos. “Passar de ano é obrigação! Tirar nota boa é obrigação! Passar no vestibular é obrigação!” É. Tudo é obrigação sim! Mas, todo mundo tem desejo e vontade. Por que não premiar o sucesso de um filho, se o podemos fazer? Por que tolher o seu sorriso negando o presente desejado se o podemos dar? Infelizmente, muitos podem presentear os filhos e não o fazem. Alegam que criança tem que se submeter a tudo que é idiotia de adulto, sobretudo se isso demandar gastos. Há pais, inclusive, que vêem as despesas com colégio, livros, material escolar e aulas de reforço como o grande vilão do orçamento doméstico, contanto que não lhe reprimam os gastos com picanha argentina e vinhos delicados. Mas enveredando pela picanha argentina e por vinhos parece que estou a me perder no tema que me propus; a minha eterna perseguição por Adilson. E QUEM É ESTE ADILSON? Será o Barreto, meu amigo comerciante de roupas bonitas no shopping Riomar? Não, este não me persegue. Quem me persegue não é um Adilson específico, são outros que teimam em ler Adilson o Odilon tão bem grafado. Tem sido assim desde o meu tempo de colégio. Confundem-me com Adilson, enquanto outros Adilson são chamados chatamente por Odilon. Talvez porque esteja acostumado, devo dizer que prefiro ser Odilon a Adilson. Que o digam em troco os Adilson que não se gostam confundidos com Odilon. Mas que é chato ter que consertar, isso é! Uma coisa, porém, acrescento por pior. É grafarem o meu nome como Hodilon ou Odilom, com um H arranhado na frente ou um m de dejeto no final. ORA, MUITO PIOR POR REAL, sofre o meu amigo Dr. Fedro Portugal que unanimemente vem despertando corretores, sendo rebatizado como Dr. Pedro. Assim eis inconvenientemente colocado um Dr. Pedro no lugar de Dr. Fedro em todos os catálogos da vida. Já lhe acontecendo, inclusive, contratar serviços custosos de divulgação de sua profissão em propaganda, e tudo sair em nome de Dr. Pedro Portugal, que ninguém conhece, não é médico dermatologista, e muito menos contratou o serviço. Desnecessário dizer que só confunde Fedro com Pedro os de poucas letras. PORQUE HÁ FEDRO E FEDRA, como há Pedro e pedra, e destes, e só destes, muita pedrada também. Pedradas à parte, porém, Platão relata que Fedro emocionara Sócrates ao lhe dissertar sobre o amor relatando um discurso de Líseas sobre o tema. Dali viria uma grande discussão sobre o amor verdadeiro: o Amor Platônico. E de um amor não menos verdadeiro, mas equivocado por inteiro fala-nos Jean Baptiste Racine (1639 -1699), em Fedra a tragédia de uma paixão tresloucada. Racine é um dramaturgo, matemático e historiador francês de obra monumental. Em Fedra uma das suas mais famosas tragédias é luminar a sua visão do amor paixão sem freios nem rodeios, uma loucura terrível, mas sempre possível por repetível. Fedra é esposa em segundas núpcias de Teseu, o mitológico rei de Atenas. Mas Fedra apaixona-se perdidamente por seu enteado Hipólito. E é Racine que pela boca de Fedra externa o amor loucura, irrefletido e equivocado:“Eu o vi, eu enrubesci, eu fiquei pálida ao vê-lo ;/ Uma perturbação se elevou a minha alma desvairada; /Meus olhos não viam mais, eu não podia falar; / Eu senti todo meu corpo esfriar e queimar: / Eu senti Vênus e seus feitos notáveis”. SABENDO-SE VIUVA, Fedra declara-se em amores a Hipólito, sendo rejeitada por este, virando uma inimiga feroz, como qualquer mulher desprezada. Depois, sabe-se que Teseu não estava morto e então a tragédia descortina uma seqüência parecida com a saga de José do Egito que também rejeitara os encantos lascivos da mulher de seu patrão, o eunuco Putifar. Igual a outros não tanto eunucos, presentes nas infinitas estórias de insinuações de adultérios, repetidas e sempre diferentes, em efeitos picantes e mutantes, e em desfechos semelhantes por iguais. Salvou-se José o filho de Jacó, só por saber desvendar sonhos. Com Hipólito e Fedra não houve sonhos a desvendar e o término foi infeliz. Teseu, que não estava morto, ressurgiu lépido e fagueiro. Encontra Fedra chorosa, bancando esposa pura e fiel, a lhe tecer investidas libertinas do inocente Hipólito. E assim, como mais um marido traído e enraivecido, Teseu enreda por derradeiro a morte do filho bem amado. E o final é uma seqüência de lágrimas com Hipólito e Fedra mortos de um amor bem mal-amado. E agora eu deixo o Fedro de Platão, deixando a Fedra de Racine e de Eurípides que lhe fora modelo e inspiração. Deixo também meu amigo Fedro Portugal e a confusão de seu nome trocado por Pedro. Antes, porém, reafirmando que só troca Fedro por Pedro, quem não leu Fedro nem Fedra, coisa de quem, em porfia, tasca pedra na filosofia e assaca contra toda poesia. Mas, voltemos à estripulia de quem troca Odilon por Adilson, ou da minha perseguição por Adilson até no aeroporto de Ezeiza, na Argentina. NO AEROPORTO DE EZEIZA, em Buenos Ayres, numa viagem recente, nos apresentamos Tereza, Junior e eu ao guia turístico que portava um cartaz Señor Odilon Machado em letras garrafais. Apresentaram-se também dois outros casais, acompanhados de cinco adolescentes, que atenderam ao mesmo guia. Será que há um outro Odilon Machado? Perguntava-me diante do inusitado. E o guia demonstrava um espanto, não compreendido, porque sua missão era recepcionar três pessoas de um Odilon Machado, e juntos éramos três comigo e mais nove a encher a peruavam com malas, cuias e outros babados, e ainda restavam outras pessoas a embarcar. É importante ressaltar que no antes, no durante e em todo o tempo do embarque os adolescentes brincavam com o pai sorrindo e gracejando com a palavra Odilon repetida na galhofa. E o Odilon debochado era pronunciado exoticamente com o Ô des-vocativo, abafado de som circunflexo, como sói os sulistas assim o pronunciam. E assim era Ôdilon pra cá, Ôdilon pra lá. Hô! Hô! Hô! Há! Há! Há! E aquilo já estava me incomodando. A mim, a Junior e a Tereza. F oi aí que Tereza resolveu tomar satisfação: – Por que vocês estão com essa brincadeira com o nome Odilon? Odilon é o nome de meu marido e de meu filho! QUAL É A GRAÇA? A pergunta calara a molecada, suscitando uma desculpa esfarrapada do pai dos meninos, um homenzarrão de miudez cerebrina. Soara perdidamente tolo o galerão tentar explicar agora que no seu colégio confundiam o Adilson de seu nome com o Odilon que não era o seu, mas é meu. Mas, e daí? Que temos com isso, os dois Odilon de cá? O fora já tinha sido dado e Tereza não perdoava, com o carão já desferido, ferindo e encerrando a debochada brincadeira. E foi aí que tudo ficou desvendado. Os galhofeiros, com o rabo e o pouco siso entre as pernas, despejados da perua, por aboletados como penetras, foram cantar e curtir o seu fora em outra freguesia. Desnecessário dizer sem heresia que o riso mudou de lado da aventura, ao ficarmos sós na viatura, agora livres dos penetras e barulhentos zombeteiros, levando suas malas, cuias e puias, com o sorriso amarelo os conduzindo pras cucuias. E ainda hoje, contando a tola estória, o riso me vem como glória, embora saiba que continuarei, para sempre, a ser perseguido por Adilson, no usual, no inusual e até por igual, em qualquer latitude ou longitude, mesmo no confim do boreal ou do austral. Que tolo final!?
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários