PIANOS E LIVROS

A música e a leitura tiveram, no passado, maior importância na formação cultural das pessoas. A leitura, na língua nacional e em língua estrangeira, especialmente a francesa, era hábito comum na escola e na casa, como componente na ilustração dos jovens. Romances, poesias, livros de aventuras e manuais eram lidos costumeiramente, sedimentando um lastro literário que distinguia os grupos sociais. Os pianos, como móvel essencial nas salas de visitas das casas sergipanas, estimulava a aprendizagem da música, o domínio de repertórios, perfilavam autores com suas composições, nas récitas informais de moças e rapazes, das classes elevadas e médias de Sergipe.

 

Para os pobres, a leitura era componente da alfabetização, figurando nas escolas noturnas, criadas com o sentido de atrair os adultos, como o fez a Liga Sergipense contra o Analfabetismo, criada com o aval da Maçonaria, conscientizando-os politicamente. A música do povo era a das filarmônicas, bandas da capital, como a Filarmônica Santa Cecília, e do interior, como a Lira Carlos Gomes, em Estância; a Euterpe Maruinente de Maruim; a Euterpe Japaratubense, de Japaratuba, e muitas outras bandas de música de Laranjeiras, Simão Dias, Capela, Lagarto, dando, praticamente, a cada lugar uma orquestra popular, cada uma com seu maestro, compositores, e músicos, presentes nas festas religiosas, cívicas, e nos bailes.

 

Em Sergipe havia, com riqueza, todas essas manifestações ligadas aos pianos e aos livros, a instrução e a ilustração, refletindo o progresso que o processo de emancipação política, iniciado em 8 de julho de 1820, ensejou, criando oportunidades de vida cultural nas diversas comunidades sergipanas. O quadro demográfico das últimas décadas da Província e primeiras décadas da República atestam quanto vicejaram comunidades que hoje, lamentavelmente, enfrentam a decadência econômica e social. Uma análise da estatística de 1937, por exemplo, permite que se verifique a situação dos 41 municípios sergipanos, com relação a sua população. Aracaju, capital do Estado, tinha uma população de 60.203 habitantes, seguindo-se, pela ordem populacional, Lagarto, com 29.204, Itabaiana, 27.512, Propriá, 24.110, Capela, 21.903, Nossa Senhora das Dores, 21.742, Simão Dias (Anápolis) 20.718, Campo do Brito, 20.162, Itabaianinha, 19.999, Frei Paulo (São Paulo)18.195, os dez maiores. Estancia ficava com 17.766, São Cristóvão com 15.778 e Laranjeiras com 14.130, retrato do declínio social dos núcleos mais antigos e florescentes do Estado.

 

Tomando-se o ano de 1937, com sua surpreendente estatística demográfica, colhe-se dados especiais, que precisam servir à reflexão dos estudiosos e das autoridades sergipanas. Justo naquele ano, a Papelaria Vera Cruz, estabelecida na rua de João Pessoa, 50, em Aracaju, oferecia o que denominava de “Biblioteca de Aluguel”, um serviço prático, de leitura domiciliar, de qualquer livro do estoque da Papelaria, ao custo de 10% do preço de capa do livro. O livreiro oferecia romances, literatura de viagem, de aventuras, biografias e o famoso Tesouro da Juventude. Formava-se, então, uma espécie de clube de leitura, democratizando o acesso ao livro. No mesmo ano de 1937, a firma Vieira, Sampaio & Cia, localizada na rua de São Cristóvão 18 e 20, exibia no jornal O Estado de Sergipe, edição do dia 24 de novembro, o que considerava “um verdadeiro recorde batido pela afamada fábrica de pianos Essenfelder, em Curitiba.” O anúncio informava que foram vendidos, no Estado de Sergipe, “em curto espaço de tempo,” 53 pianos daquela marca. E como uma homenagem ao Governo do Estado, (era o capitão médico Eronídes de Carvalho) que comprou 2 pianos, de modelo especial, e aos 51 particulares que adquiriram pianos para as suas residências, transcrevo a relação de nomes:

 

Aurelino Azevedo, Manoel Martins de Oliveira, Antonio Soares de Melo, José de Barros Franco, Dr. Domingos Dias Cabral, Antonio Ouro, Pedro Andrade, Tenente Coronel Eurípedes Esteves de Lima, João Gonçalves Franco, Dr. Francisco Fonseca, 2 pianos, Arquimedes Curvelo de Mendonça, Joel Faro, Camilo de Calasans, novamente João Gonçalves Franco, Marieta Maciel de Andrade, José Lins de Carvalho, Associação dos Empregados no Comércio de Sergipe, Maria Isabel Maynard, 3 pianos,  Dr. José Tomás de Ávila Nabuco, Cônego Mario de Miranda Vilas Boas, Dr. Wolney Tavares, Heráclito Rocha, Antonio Mesquita,  Antonio Alves, Josias Oliveira, José Kipermann, Dr. Leonardo Gomes de Carvalho Leite, Nestor Acioli de Faro, José Euclides da Cunha, José Lacerda, Francisco de Oliveira Leite, Lindonor Barreto Cardoso, Acilino Barreto, Silvino Fontes, Marcos Roitman e Constâncio Vieira, todos de Aracaju, Francisco Bragança, Manoel Francisco dos Santos, Manoel Santos Silva, de Laranjeiras, Druval Maynard, de Maroim, Maria Guimarâes Cabral, Adroaldo Campos, Agenor de Souza Barbosa, de Capela, Adelson Silveira Lima, de Santa Luzia, Eliziário Silveira, Raimundo Mendonça e Arnaldo Ferreira, de Estancia, José Cornélio da Fonseca, de Itabaiana.

 

Não será preciso perguntar o destino desses 53 pianos, todos da marca Essenfelder, e de outros tantos, de outras marcas, que deram o toque elegante às residências sergipanas. De livros, o que já se sabe é a dificuldade de acesso à leitura, pelas camadas populares, estudantes, pela falta de bibliotecas atualizadas, e que sem dinheiro para comprar os volumes que necessitam, terminam fazendo cópias, em xerox, o que também é dispendioso, além de ser um tipo de pirataria. Pianos e Livros são apenas dois indicadores de uma realidade que precisa ser melhor conhecida e avaliada.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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