O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é dos temas mais importantes para a população que vive nas médias e grandes cidades brasileiras. Instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, o Plano Diretor se constitui no conjunto de medidas políticas, econômicas e sociais que visa ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, organizar os espaços habitáveis, proporcionar melhores condições de vida, definir a política de uso do solo urbano e ordenação das edificações, dentre outras atribuições.
Em Aracaju, é antiga a demanda de revisão do Plano Diretor, visto que a cidade está em desacordo com o que estabelece o Estatuto das Cidades: revisão da política de planejamento urbano a cada década. Este ano, o tema retornou à agenda pública, a partir de audiências promovidas pela Prefeitura Municipal.
Nesse sentido, como forma de contribuir com o debate sobre um tema fundamental para o destino de Aracaju, publico aqui um texto – solicitado para divulgação neste blog – de alguém que tem muito a falar sobre o assunto, o arquiteto e urbanista Rodrigo Machado.
Além de profissional de área diretamente relacionada ao Plano Diretor, Rodrigo Machado tem propriedade sobre a pauta, já que integra o Fórum em Defesa da Grande Aracaju, articulação da sociedade civil que mais tem formulação a respeito do tema.
No texto, que segue abaixo, Rodrigo Machado faz uma avaliação das audiências realizadas pela PMA em alguns bairros da cidade, discute a importância da participação social e aponta os principais desafios do Plano Diretor para Aracaju. Confira!
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Plano Diretor de Aracaju: uma avaliação
Atualmente, a cidade de Aracaju perpassa por um momento político muito importante e decisivo no que tange ao desenvolvimento de nossa cidade – a revisão do Plano Diretor. Este instrumento de política urbana visa planejar e regulamentar a adequação do uso do solo, favorecendo a constituição de um crescimento sustentável, mais justo e acessível para todos.
Através de seus mecanismos, a sociedade civil poderá contribuir e se tornar uma grande aliada na produção e gestão do território, estendendo esse debate para as suas localidades através da gestão participativa, prevista no artigo 1ª, Parágrafo único, no qual são atribuições desta as audiências públicas, os conselhos e conferências municipais, bem como o orçamento participativo e o congresso da cidade, favorecendo, desta forma, as pessoas terem maior poder de intervenção e fiscalização do cumprimento desta lei, que visa acima de tudo controlar e disciplinar o uso do solo, evitando de que a cidade venha a se tornar vítima dos impactos negativos do progresso.
Com a criação da lei federal 10.257/01, denominada Estatuto das Cidades, que delega como um dos instrumentos de política urbana o Plano Diretor, está definido como principal viés o combate às irregularidades do crescimento desproporcional, tornando-se uma ferramenta indispensável na abertura de canais de diálogo entre os setores públicos e a sociedade civil. Isso nos leva a refletir sobre questões de extrema complexidade como áreas de interesse social para a ampliação de conjuntos habitacionais, conservação, preservação e proteção ao meio ambiente, contenção da especulação imobiliária através de normas e regulamentações, dentre outros aspectos contemplados por esta Lei.
Desde 2005, o Plano Diretor de nossa cidade passa por um processo de revisão, que, segundo o Estatuto das Cidades, a política de planejamento urbano deve ser suscetível ao processo de revisão no prazo de 10 em 10 anos. Infelizmente em Aracaju, vivemos a cerca de 15 anos sem revisão tanto do plano diretor e de dois de seus códigos complementares aprovados no ano 2000: código de obras e urbanismo. Em termos jurídicos nos quais assistem a cidade, são leis aprovadas no ano 2000, com partes de suas considerações que não se aplicam mais à nova realidade vivenciada, caracterizadas por grandes transformações sofridas em toda sua configuração urbana.
Durante o mês de maio e junho assistimos ao processo das audiências públicas no primeiro momento, compreendida como Leitura Participativa promovidas pela prefeitura de Aracaju, no qual foram direcionados para entidades especificas, porém, aberto a toda a sociedade, tendo sido realizado sua última audiência no dia 09/06/15, fechando a primeira etapa de discussões.
De forma silenciosa, sem muito conhecimento das pessoas, com uma fraca publicidade da programação e da realização dessas audiências públicas junto a sociedade civil, faz-se notório o questionamento sobre a eficiência desse processo e a quem realmente este plano deseja contemplar. Afinal, se a prefeitura realmente desejasse a participação da população nesse processo, haveria convocações direcionadas às lideranças de bairros, associações de moradores, trabalho de corpo a corpo como a confecção e distribuição de panfletos em sinais, rádios comunitárias, informativos em ônibus, ou melhor, uma linguagem que apontasse para os impactos deste projeto na vida da população, campanhas publicitárias como assim o fez no debate sobre o aumento abusivo do IPTU, na licitação da ampliação da via Euclides Figueiredo sem haver projeto, ao crime ambiental cometido na 13 de julho com a implantação de mais outra obra faraônica feita para beneficiamento de empreendimentos imobiliários.
Pois bem, já no segundo momento, nos dias 13/07 a 25/07, intitulado como “Diagnóstico” – o qual ainda está em curso, apresenta as mesmas deficiências no qual pode-se constatar na primeira etapa: Horário da realização das audiências dificultando o acesso do trabalhador; metodologia que ainda é inacessível a muitos populares.
Portanto, deve-se pensar em uma proposta que facilite a compreensão da população no debate dos termos técnicos, fato comprovado diante da expressiva queixa nas audiências que ainda não favorece ter o conhecimento de forma clara para as pessoas leigas no assunto, ou seja, deve-se investir mais no poder de mobilização tanto da população como em formas lúdicas para compreensão da população. Como sugestão proponho um diálogo junto aos artistas locais com a inserção de grupos teatrais interpretando, por exemplo, a relação entre o potencial construtivo que uma área tem de coeficiente de aproveitamento 1 e outra com 3, evidenciando os impactos na vida das pessoas daquela região e no seu entorno.
Da forma como está sendo exposto e direcionado o processo de revisão do plano diretor, tenho receio de que diante de tamanho esforço que está sendo despendido, poderá vim a culminar no mesmo fim o qual tomou as tentativas de emendas constitucionais em pleno período da redemocratização em 1984, transição ditadura – democrática. Lamentavelmente, das mais de 1000 emendas propostas para a construção do projeto político de reforma urbana, resultaram em um compacto de apenas dois artigos na Constituição Federal de 88 que mencionam a respeito da política de desenvolvimento urbano – Artº 182 e 183.
O plano diretor não pode e nem deve ser pensado sem a extrema importância da participação ativa do povo, bem como o suporte dos códigos complementares, pois sem estes componentes, não será viabilizado um plano que venha atender a todos os conceitos, objetivos e diretrizes preconizados na lei, bem como aos anseios da população. Desta forma, é necessário cobrar para que estes pontos sejam prioritários nesse debate, transformando esse grande instrumento em algo sólido, tangível e acessível as pessoas, que por sua vez deverão por obrigação a tornar-se sentinelas em defesa do patrimônio que cabe a todos nós por direito de usufruir e apreciar, assegurando o direito a cidade de forma justa, igualitária para todos.
Diante das minhas indagações a respeito deste processo, reconheço a extrema força de vontade que a prefeitura, por meio de seus secretários e dos técnicos altamente especializados que estão envolvidos neste processo de revisão, o esforço e a maneira descomunal como tem abraçado essa causa, sempre abertos ao diálogo e as sugestões dadas pela sociedade civil, algo que vem refletindo na melhoria das apresentações do diagnostico bem como nas explanações dadas nos momentos de plenária, porém, apesar desses esforços, ainda não se obteve êxito.
Por fim, concluo essa análise afirmando que estaremos desempenhando nosso papel e participando de todo este processo como sociedade civil, convocando tanto as lideranças como a população em geral a intervir neste processo. Reafirmo a importância que a população tem neste debate, para isso, precisamos cobrar que esse projeto seja acessível à população, e não somente aos técnicos. Até o momento então, prefiro acreditar em algo como já diria Nelson Cavaquinho: “O sol, há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor, será eterno novamente”.
Rodrigo Machado, Arquiteto e Urbanista, membro do Fórum em Defesa da Grande Aracaju