Plano Diretor efetivo ou um pedaço de papel

Qualidade de vida, bem estar dos cidadãos, função social da propriedade, cidades sustentáveis são valores que estão associados ao estabelecimento de uma política de desenvolvimento urbano dos municípios, baseada na efetivação de um planejamento prévio e adequado, materializado, principalmente, através de um plano diretor.

Leitura da cidade
O plano diretor, partindo de um diagnóstico técnico e participativo, identifica a cidade que se tem, com todos os seus pontos positivos e negativos, e estabelece a cidade que se busca como ideal para uma determinada coletividade, apresentando ainda, os meios para se sair de um ponto para o outro.
Desta forma, o primeiro passo para a construção do plano diretor é o diagnóstico, denominado de “leitura da cidade”, que, segundo o Ministério das Cidades*, é também uma leitura comunitária, pois “não é leitura exclusiva de especialistas, e pressupõe olhares diversos sobre uma mesma realidade”. Ora, a referida leitura da cidade para retratar a situação do município deve ser sempre atualizada, sob pena de estar se discutindo uma cidade que não existe mais.

Conteúdo do Diagnóstico
O próprio Ministério das Cidades apresenta o conteúdo dessa leitura da cidade, iniciando-se com identificação: da ocupação atual do território; da infraestrutura, equipamentos, serviços e instalações operacionais existentes (esgoto, drenagem, segurança, saúde, educação, lazer, etc); de áreas de risco para ocupação urbana; áreas para preservação cultural; da estrutura fundiária (uso da terra); da evolução histórica da cidade; da inserção regional do município; de indicadores de mobilidade; da população, com sua distribuição e movimentos, etc.

Efetividade x Folha de papel

 Legenda: Nossa Senhora do Socorro e Aracaju.  Foto: Sandro Costa.

Se esses dados de diagnóstico não foram coletados ou estão desatualizados, o processo de construção do plano diretor está eivado de um vício insanável, vez que seu ponto de partida, sua fundação, não representa a realidade. Nesse sentido, deve ser questionado tanto em Aracaju como em Nossa Senhora do Socorro, municípios da Região Metropolitana de fato**, se esse diagnóstico é completo e está atualizado. Em caso negativo, o plano diretor resultante, não passará de uma “folha de papel” ***, estando fadado à inefetividade.

ABNT
No campo técnico, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), de forma pioneira, em 1992, publicou a NBR 12.267 estabelecendo critérios para elaboração do plano diretor que seria constituído de três partes básicas: fundamentação, diretrizes e instrumentação. Na fundamentação estão os objetivos, caracterização, diagnósticos (a cidade atual) e prognósticos (a cidade que se quer), alternativas e critérios de avaliação.  Nas diretrizes estão estabelecidos os parâmetros de uso e ocupação do solo, abrangendo: sistemas viários; adensamento construtivo de alto impacto; infraestrutura, equipamentos sociais e serviços urbanos. Finalmente, a instrumentação é a identificação dos meios jurídicos, econômicos e administrativos para se buscar a cidade estabelecida no plano diretor.

Estatuto da Cidade
De outro lado, as diretrizes gerais e instrumentos da política de desenvolvimento das cidades foram definidas no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), regulamentando assim, o artigo 182, da Constituição Federal. Dentre estes instrumentos está o plano diretor (arts 39 a 41 do Estatuto da Cidade), sendo obrigatório, sob pena de caracterização de improbidade administrativa (art. 52), que os Poderes Executivo e Legislativo municipais garantam a participação popular, durante todo o processo de elaboração, execução e fiscalização do plano diretor, materializada através de audiências públicas, publicidade e a garantia do acesso às informações e documentos produzidos.

Plano de Mobilidade
Em casos de cidades com mais de 500.000 habitantes (Aracaju, por exemplo), o plano diretor deve ser sincronizado com um plano de transporte urbano, tendo-se em vista os problemas de mobilidade e circulação urbana decorrentes do crescimento das cidades, problemas esses que são agravados quando não há um planejamento adequado.

ConCidades
Ainda dentro da atribuição da União para estabelecer diretrizes gerais sobre a política de desenvolvimento urbano, foi criado o Conselho das Cidades (ConCidades), através do Decreto 5.031/2004, posteriormente alterado pelo Decreto 5790/2006, substituindo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), que, através de resoluções, propõe diretrizes gerais para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
As principais Resoluções do ConCidades que estabelecem os parâmetros do plano diretor são: 25/2005 (emite orientações e recomendações para a elaboração do Plano Diretor), 34/2005 (expede orientações e recomendações sobre o conteúdo mínimo do Plano Diretor, tendo por base o Estatuto das Cidades), 75/2009 (estabelece orientações relativas à Política de Saneamento Básico e ao conteúdo mínimo dos Planos de Saneamento Básico, que devem ser compatibilizados com o plano diretor) e 83/2009 (recomenda ao Ministério das Cidades que emita orientações com relação à revisão ou alteração de Planos Diretores).

A construção de uma cidade sustentável
Esses parâmetros técnicos, legais e políticos estabelecidos para a construção da política de desenvolvimento urbano da cidade e de seu instrumento básico, o plano diretor, simplesmente têm como objetivo demonstrar de onde se parte, para onde se vai e quais as direções e estradas desta viagem, em busca da construção de uma cidade melhor para “as presentes e futuras gerações”.

Cidadania participativa
Se o cidadão não participar disso será apenas um passageiro nesse barco, que, infelizmente, às vezes, poderá estar sem ninguém no leme e indo em direção a uma cachoeira íngreme ou ainda, com um piloto em busca de Moby dick****, a grande baleia branca, nem que para isto tenha que sacrificar toda a tripulação.

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* Ministério das Cidades. Plano Diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. 2004. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/ PlanelamentoUrbano/LivroPlanoDiretorGuia.pdf. Acesso em 25 jun. 2011.
** Vide artigo anterior nosso: Compatibilização do Plano Diretor com o sistema jurídico municipal. Infonet. 30/06/2011.
*** Ferdinand Lassale utiliza esta expressão em outro contexto na obra “Que é uma Constituição”, mas também apropriada ao presente caso.
**** Mellville. 1851.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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