Quando a Justiça anulou, no final do ano passado, as votações sobre o Plano Diretor realizadas pela Câmara Municipal de Vereadores, a população da Grande Aracaju acreditou que nem tudo estava perdido e havia, ainda que mínima, a possibilidade de discussões mais amplas e participativas sobre o tema.
Afinal, ao anular as votações, a Justiça alegou que o projeto em discussão entre os vereadores apresentava inúmeros vícios formais e materiais, além de desrespeitar leis e normas brasileiras sobre organização da cidade e preservação ambiental.
O tema, certamente, retornará com fôlego à agenda política de debates este ano, principalmente porque é um dos assuntos em que mais se evidencia a disputa de concepções, interesses e propostas sobre a cidade. É uma das pautas que exerce maior influência nos rumos, no futuro da Grande Aracaju.
As principais críticas de segmentos da sociedade às votações do ano passado eram a ausência de participação social nos debates e o favorecimento de grandes construtoras nas decisões tomadas pelo parlamento municipal. Construtoras essas que foram responsáveis por parte considerável do financiamento das campanhas de muitos dos vereadores da última legislatura.
Na verdade, essa é uma tendência nacional. Vide os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que revelam que, nas eleições municipais de 2012, as construtoras foram as maiores financiadoras das campanhas de candidatos a prefeito e vereador em todo o país (apenas três empresas foram responsáveis por quase 25% de todas as doações do setor privado às campanhas).
Este ano, o prefeito João Alves Filho já afirmou publicamente que, caso chegue às suas mãos do jeito que está, o Plano Diretor será vetado. Mas, que projeto de cidade João Alves Filho apresentará? Podemos esperar algo diferente da articulação entre construtoras e políticos que se viu no ano passado?
Um fato pode nos dar pistas. Com base em informações do TSE, o site Congresso em Foco revelou que a Construtora Cunha fez uma “doação” de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para a campanha eleitoral de João Alves Filho. Foi a empresa privada que mais contribuiu financeiramente para a eleição de João. Nunca é demais lembrar que a Construtora Cunha já foi condenada por construir empreendimentos imobiliários sem autorização prévia e licença dos órgãos ambientais responsáveis, causando diversos danos ambientais à cidade de Aracaju.
O prefeito João Alves Filho até pode vetar o Plano Diretor da forma que está, mas será que tomará alguma decisão que priorize o direito à cidade, a preservação ambiental e contrarie as construtoras?
ENTREVISTA
Para entender os interesses que estão em jogo e as expectativas sobre o Plano Diretor em 2013, o autor desta coluna conversou com o representante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju, José Firmo dos Santos.
Confira abaixo a entrevista.
No primeiro dia do ano, o Fórum em Defesa da Grande Aracaju entregou uma carta aos vereadores e ao prefeito de Aracaju, que tomavam posse naquele momento. Como os representantes receberam o documento? Houve alguma manifestação do prefeito ou de algum edil sobre o tema?
José Firmo: A receptividade dos vereadores, do prefeito e do vice-prefeito foi muito boa. Priorizamos os recém-eleitos e conseguimos entregar a correspondência a quinze vereadores. Todos com quem falamos se comprometeram a analisar as propostas populares na hora de votar o Plano Diretor. E o prefeito João Alves reafirmou a posição de que vetará o Plano Diretor, caso chegue às suas mãos do jeito que está.
Uma das principais críticas do Fórum em Defesa da Grande Aracaju é o beneficiamento das construtoras nas votações do Plano Diretor. Sabe-se que essas mesmas construtoras são financiadoras de inúmeras campanhas políticas. Com isso, você acredita que o prefeito fará esforços para a construção de um Plano Diretor que atenda aos interesses do conjunto da população e não de grandes grupos empresariais?
José Firmo: O esforço dos prefeitos depende muito da conjuntura, do cenário do momento. Na conjuntura anterior, o prefeito Edvaldo Nogueira demonstrava claramente que não pretendia fazer qualquer esforço para aprovar um Plano Diretor que atendesse à maioria da população e assim o fez. No cenário atual, o prefeito João Alves tem declarado reiteradas vezes que vai se somar com os vereadores e com a população na aprovação de um Plano Diretor mais justo. Agora, independente de qual seja o prefeito e de quem financie as suas campanhas, a população tem que demandar, tem que dizer o que acha, o que quer. Em resumo tem que pressionar.
Na carta, o Fórum afirma que a legislatura passada deixou uma marca negativa sobre o tema do Plano Diretor. Você acredita que as votações do Plano Diretor, de algum modo, decepcionaram a população e influenciaram nas eleições de outubro, considerando que dos 24 vereadores atuais apenas nove foram reeleitos?
José Firmo: Sem dúvida, os vereadores da legislatura passada não respeitaram a vontade do povo aracajuano, expressa nas manifestações, nas audiências públicas e nas propostas de emendas apresentadas pelas entidades da sociedade. Por isso, o resultado das eleições mostrou o quanto a população reprovou o comportamento dos vereadores da legislatura passada. Até mesmo aqueles que se reelegeram, no geral, obtiveram votações menores que na eleição de 2008.
Que mudanças você julga necessárias na postura dos vereadores nas discussões sobre o Plano Diretor?
José Firmo: A mudança esperada é que deixem de privilegiar as construtoras e atendam a maioria da população. Todos precisam vender, comprar, negociar, sobreviver na cidade, porém, os interesses que estão em jogo são os da maioria da população e não das construtoras.
Em termos de debate público e participação da sociedade sobre o Plano Diretor, que medidas devem ser adotadas pelos vereadores e pelo prefeito?
José Firmo: O ideal mesmo seria começar tudo do zero. Entretanto, o atual Plano Diretor tem 17 anos que começou a ser pensado, se considerarmos que ele foi sancionado em 2000, mas começou a ser gestado em 1995. Assim, creio que para a atual fase do Plano Diretor não precise de muita coisa. A Câmara de Vereadores já dispõe de muito material, tanto o resultado das últimas audiências, quanto de propostas das entidades, e poderia permitir que novas propostas fossem apresentadas pela população dentro de um prazo suficiente para que, em seguida, os vereadores pudessem retomar as votações em plenário.
NOTA
Estado de Sergipe não respeita a liberdade de expressão
No final da tarde de ontem (6), durante a posse da nova mesa diretora do Tribunal de Justiça de Sergipe, o poder público local deu um péssimo exemplo de desrespeito à liberdade de expressão e manifestação, direitos garantidos na Constituição Federal de 1988.
Na porta do Palácio da Justiça, local onde aconteceu a posse, servidores do TJSE realizaram um ato público, mas foram proibidos de expor em telão os altos salários de desembargadores e juízes, foram proibidos de soltar fogos de artifício e foram proibidos de usar carro de som. Tudo isso por determinação da Polícia Militar, que não desgrudou um minuto das proximidades da Praça Fausto Cardoso, onde estavam os manifestantes.
Já do lado de dentro do Palácio, profissionais de comunicação e militantes sociais, no momento do juramento dos novos integrantes da mesa diretora, abriram uma faixa com o dizer “Pela Liberdade de Expressão, somos todos Cristian Góes”. O ato foi uma demonstração de solidariedade ao jornalista Cristian Góes, que está sendo processado cível e criminalmente pelo Desembargador Edson Ulisses, que ontem assumiu a vice-presidência do TJSE. De imediato, os manifestantes foram retirados à força do auditório onde acontecia a solenidade e tiveram a sua faixa recolhida por seguranças do local.
Nam baderna, nem ofensas ao Judiciário. Os manifestantes, tanto dentro quanto fora do Palácio da Justiça, apenas exerceram o seu direito de expressão, pensamento e manifestação.