Política Nacional de Participação Social – Final

Concluído que o Decreto Presidencial n° 8.243/2014 não organiza invasão de competências e atribuições do Congresso Nacional e que longe está de traduzir qualquer atentado à democracia e à independência dos poderes (Política Nacional de Participação Social – Parte II), resta examinar mais a fundo de que modo a Política Nacional de Participação Social por ele sistematizada está de acordo com o que determina a Constituição Federal.

Com efeito, a “Constituição Cidadã” de outubro de 1988 – assim batizada por Ulysses Guimarães, em expressão que se imortalizou em nosso vocabulário político e jurídico – é muito comemorada porque, além de traduzir formalmente a redemocratização do país, pondo fim ao período de exceção e de repressão, inverteu a lógica das constituições anteriores, ao tratar por primeiro dos princípios fundamentais e dos direitos fundamentais, para só em seguida cuidar da organização do estado e dos poderes, reconheceu expressamente em seu texto um enorme catálogo de direitos fundamentais, tantos os de índole individual, protetores da liberdade, como os de índole social, protetores da igualdade, e os de índole coletivo-difusa, protetores da fraternidade e tem na dignidade da pessoa humana o fundamento maior da República.

No que se refere ao exercício do poder, a Constituição-Cidadã não apenas admite como estimula a democracia participativa, ou democracia semidireta. Afinal, a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado Democrático de Direito” (Art. 1°) e possui como fundamentos, dentre outros, a “soberania” (Art. 1°, inciso I) e a “cidadania” (Art. 1°, inciso II), na qual todo o poder emana do povo que o exerce “por meio de representantes eleitos” ou “diretamente, nos termos desta Constituição” (Art. 1°, parágrafo único), termos que o Art. 14 indica (sufrágio universal, voto direto e secreto com valor igual para todos e, nos termos da lei, “plebiscito”, “referendo” e “iniciativa popular”).

A despeito de ainda faltar a concretização da democracia participativa preconizada pela Constituição – sendo essa uma das centrais demandas das “jornadas de junho” de 2013, como abordamos aqui nos textos “A Hora e a Vez da Democracia Participativa”  e “Reforma Política,  Plebiscitos e Referendos” – essa necessária forma democrático-participativa de governar e de exercer o poder, enfim, perpassa todo o conjunto normativo da Constituição, seja ao tratar de direitos e garantias fundamentais, de políticas públicas ou até mesmo de estruturação e organização de órgãos públicos e estatais.

Assim é que a participação popular na gestão pública (inclusive e especialmente mediante conselhos populares) é uma imposição constitucional nas mais diversas áreas, conforme pode ser abaixo indicado, exemplificativamente:

– Participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (Art. 8°, inciso VI);

– Participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (Art. 10);

– Participação dos usuários de serviços públicos na Administração Pública Direta e Indireta [Art. 37 (…) (…) § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:       (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)      III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)];

– Participação dos produtores e trabalhadores rurais no planejamento e na execução da política agrícola (Art. 187);

– Participação dos trabalhadores, empregadores e aposentados na gestão da Seguridade Social (Art. 194, Parágrafo Único, inciso VII);

– Participação da comunidade na organização do Sistema Único de Saúde (SUS) (Art. 198, inciso III);

– Participação da população na formulação das políticas de assistência social e no controle das ações em todos os níveis (Art. 204);

– Participação da comunidade na gestão democrática do ensino público (Art. 205, inciso VI);

– Participação da sociedade na gestão e promoção conjunta das políticas públicas de cultura (Art. 216-A);

– Participação da sociedade no Conselho Consultivo e de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Art. 79 do ADCT);

– Participação da sociedade nos Fundos Estaduais e Municipais gestores dos recursos do Fundo de Combate à Pobreza (Art. 82 do ADCT);

Como bem se percebe, a Política Nacional de Participação Social pretende que as atribuições constitucionais e legais dos órgãos da Administração Pública Federal [cuja direção superior é encargo constitucional do Presidente da República (Art. 84, II da CF)] sejam exercidas com participação social, o que é exigência constitucional expressa.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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