POR QUE FAZEMOS ISTO?

POR QUE FAZEMOS ISTO?

 

 

      “Pascoal, você acaba de salvar a vida de uma rã”.

 

 

Estávamos, minha esposa, um casal de amigos, e eu num restaurante, aguardando que o garçom fizesse o nosso pedido. Sobre a mesa toalhas brancas, limpíssimas, os pratos já devidamente postos, guardanapos de pano, talheres, copos com suco e refrigerante.

 

De repente, não se sabe de onde, apareceu uma formiguinha. Corajosamente ela atravessou em nossa frente, como a desfilar faceira em uma passarela. Foi para lá, veio para cá, rodopiou sobre o seu próprio corpo, esfregou as patinhas da frente uma na outra, me encarou, deu a volta, cheirou aqui e ali, passou por baixo do talher, contornou o copo e sumiu debaixo da aba do prato, para sair do outro lado, sempre elegante e curiosa. Ou estava às tontas? Não dá para saber. Não pude captar a sua expressão. Porém, embora aparentasse estar bem à vontade, certamente, se possível fosse auscultar o seu minúsculo coraçãozinho, iríamos, talvez perceber que ele estava batendo fora do compasso, pois na verdade ela estava assustada, sem saber para onde realmente deveria ir.

 

A princípio, eu acreditava ser o único a constatar aquele lindo fenômeno da natureza. Porém, estava enganado. O meu amigo também já havia percebido e quando o animalzinho se aventurou em sua direção, ele instintivamente ergueu o dedo como quem ia esmagá-la.

 

Elegantemente interrompi aquele inopinado gesto que certamente redundaria num “formicídio”, (assassinato de uma formiga), sem nenhum motivo.

 

Ele assustou-se com a minha interferência.

 

Pedi-lhe desculpas e indaguei. Por que você ia matá-la? Que mal ela fez ou poderia fazer? Ela é tão pequeninha, tão insignificante!

 

Ele parou, olhou-me e disse: sabe que você tem razão? Nós praticamos cada barbaridade sem ao menos pensar. Obrigado por ter impedido e prometo que nunca mais farei isso.

 

As nossas esposas ficaram olhando sem entender direito o que estava acontecendo.

 

Foi quando tentei esclarecer o meu ponto de vista a respeito de certas atitudes que tomamos sem antes pensar. Não sabemos porque agimos assim. Vamos fazendo sem medir as conseqüências. Não sentimos, não percebemos não nos importamos, porque não é conosco, não é com os nossos, nem com a nossa espécie.

 

Às vezes, sem nenhuma necessidade, sacrificamos animais, maltratando ou retirando-lhes a vida. Se alguém perguntasse por que fazemos isso, a resposta seria: não sei. Faço, porque faço. Foi sempre assim. São apenas formigas. E formigas existem aos montes por aí, temos que matá-las mesmo. Será? Não custa lembrar que cada formiga, por maior que seja a sua família – o formigueiro – é única.

 

Há muito tempo, assisti a um filme de guerra, em que os recrutas, reunidos no alojamento de um quartel, antes de irem para o front, brincavam com as suas fardas, seus cortes de cabelo e suas botas novas.

 

Inesperadamente, uma ingênua barata aventura-se e atravessa a sala. Um dos soldados persegue-a e, impiedosamente, lança sobre ela o seu coturno nº. 44, esmigalha-a e, para mostrar a sua bravura, levanta a frente do pé para que todos possam ver a sua macabra “vitória”. 

 

O filme se desenvolve e lá na frente, a soldadesca já se enfrentando em plena praça de guerra: metralhadoras, canhões, fuzis, e tanques inimigos, avançando e cuspindo bala para todo lado… Soldados fugindo, se escondendo, combatendo e morrendo. Aquele que “heroicamente” esmagou a insignificante barata lá na caserna encontrava-se protegido por um montículo de terra adredemente preparado para proteger o corpo de um homem.

 

O inimigo avançava e, inesperadamente, um tanque irrompe e aponta logo acima da sua cabeça. Ele, desesperado, olha e só vê a parte inferior da terrível máquina que, igual a sua bota, tomba para frente esmagando-o também. A cena é dantescamente igual ao seu pé sobre aquele animalzinho inofensivo.  

 

O cinegrafista, neste instante, coloca na tela as duas imagens: a do coturno e a do tanque, ambos, com a mesma facilidade, conseguem esmagar as suas vitimas.

 

O pé do soldado representava, proporcionalmente, para o corpo da indefesa barata, o mesmo que o tanque significava para o do saldado.

 

Não podemos nos enganar, pois somos muito insignificantes perante as grandes máquinas ou a natureza. Somos tão pequenos como baratas ou formigas.

 

Se alguma dúvida paira, basta lembrar das mexidas que a terra dá, de vez em quando; dos vulcões, maremotos, tempestades, enxurradas, incêndios e tsunames.

 

Se raciocinarmos nesta direção, com certeza respeitaremos mais as vidas dos animaizinhos. Não devemos esquecer nunca que todo tipo de vida é uma manifestação divina. Só há vida se for permitida por Deus. Portanto, todo tipo de vida deverá ser respeitado, seja de uma formiga seja de um elefante, seja principalmente de um ser humano.

 

Sim, mas ocasiões há em que certos animaizinhos, com aparência de inofensivos, são extremamente destrutivos, perigosos e transmissores de doenças.

 

Aí a estória é outra. Estes, se por acaso invadirem o nosso espaço, deveremos agir rápido. Todavia, dentro da razoabilidade para nos defender apenas. Por exemplo: todos nós sabemos o que pode acontecer se formos picados por uma cobra e que por tal razão deveremos sempre nos defender delas. Não justifica, no entanto, que avistando uma cobra no meio de uma estrada, ladeada por mato, precipitemos o carro sobre ela com o único fito de distruí-la. Naquele local e naquela situação nenhum perigo ela representa.

 

Sim, mas que ligação há entre o que escrevi até agora e o salvamento da rã citado no dístico do início?  

 

Lá eu citei um telefonema recebido daquele mesmo amigo, que almoçara comigo dias antes, era um fim de semana e ele me telefonou da sua casa de praia. E, realmente o diálogo iniciou com aquelas palavras: “Pascoal você acaba de salvar a vida de uma rã…” E explicou. “… é que tenho a maior aversão a todo tipo de sapo ou rã. E, não é que, neste instante encontrei uma rã aqui, próxima a pia do banheiro. Eu já preparava o chinelo para matá-la, quando lembrei do ocorrido no nosso almoço. Aí mudou tudo, até a maneira de ver o pobre animal, fiquei imaginando o seu coração batendo aceleradamente. Percebi que ela estava apavorada e, perante a mim, totalmente indefesa. O meu chinelo seria igual ao tanque de guerra para aquele soldado. Recuei, não tive a coragem para tirar-lhe a vida. Peguei uma vassoura e,  cuidadosamente, a enxotei para fora da casa. Lá, certamente ela ia se dar bem, pois há umas plantas, é úmido e, certamente tem o alimento de que ela necessita. Fiz isso e fiquei com alma tranqüila. Espero nunca mais ter que tirar a vida de animal nenhum. A não ser por absoluta necessidade”.

 

Agora, eu, com esta matéria, quero salvar muitas vidas que desnecessariamente são ceifadas sem nenhuma motivação, ou justificativa.

 

Já imaginaram que o único animal que mata por matar é exatamente o homem? Incrível, não é mesmo?

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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