Por expressiva maioria, 59 a 13, e uma envergonhada abstenção, o Senado da República aprovou o ato de prisão do Senador Delcídio Amaral, do Mato Grosso do Sul, decretado por uma turma do Supremo Tribunal Federal.
Foi uma noite histórica, por lamentável. Faltaram aos senhores senadores a coragem e o brio, virtudes que são exigidas daqueles de quem se espera o zelo pela independência e honradez de um Poder constituído da República.
O Senado não se curvou à violência das armas como aconteceu em 1964, se escafedendo na fuga de João Goulart, nem depois, no fatídico 1968, quando não ousou resistir a quem escarrou sobre o seu amparo prestado ao caso Márcio Moreira Alves.
Naqueles dois tempos, 1964 e 1968, bastou um grito castrense, para que um Congresso legitimado pelo voto popular se amedrontasse, curvando-se à explicitação das armas, em pouca luta e protesto, mas com excessiva aquiescência e aplauso.
Um aplauso que restou reverberado país afora, afinal ninguém quisera seguir uma palavra diferente, um chamado à racionalidade, algo que ousasse desaprovar a violência institucional cometida.
Porque o povo, como regra, sempre insatisfeito com o seu Parlamento, felicita-se quando os Golpes de Estado são deflagrados contra o Congresso, este “moinho de palavras’, como bem dissera Lenin na sua República Soviética, para glória de um “totalitarismo popular” sinistramente inaugurado.
E haja moinho de palavras no Brasil em tanta porção e facção, trinta e tantos partidos, algo impensável, quando se deseja seriedade nas instituições, todos se acusando mutuamente em erros e vezos insanáveis.
Uma verdadeira anarquia em tantas excelências se excedendo em insolências e soberbias.
Poder-se-ia dizer até com caridade criminosa e sem incorreção política, que, sem freio, nem leme, o caos já vige solerte no Congresso Federal, e nem Deus consegue aclarar a cegueira que encandeia o plenário, desencantando a imagem em que aqueles ali se miram.
E quando o homem se inebria no próprio encanto de espelho, ele não se encontra nem se cura sozinho. Adoece cada vez mais. Contamina a própria ambiência numa pústula incontrolável.
Como não se espantar em desencanto quando o Senado Federal deixa-se violar inerme por uma turma de 5 membros do Supremo Tribunal, prendendo um Senador, no inviolável exercício de seu mandato, num atentado que nem o Presidente Costa e Silva, um “General Ditador”, ousara fazer com o Deputado Márcio Moreira Alves, nos idos de 1968?
Os que lembram daqueles idos rebeldes, sabem que o General Presidente não ousou prender o Deputado. Pedira apenas uma autorização para processá-lo simplesmente! Não prendeu, nem violou! E o Congresso cutucando o cão com vara curta o negou. O resto perfazendo a história com fechadura do regime e adiamento de abertura, inclusive com cana dura, para alguns.
Ah! Mais ali foi diferente! Aqui foi o Supremo Tribunal, um Poder inquestionável, acima de partidos e legendas!
Em boa legenda, e em gravosa delenda, o sistema tripartite de poder narra costumeiramente uma guerra declarada entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Nesta guerra não há Cesar, sem Pompeu nem Crasso. Pensar ingenuidade entre triúnviros contendores em muitas togas é erro crasso; muito crasso!
É quando eu me volto para Floriano Peixoto comentando um Habeas Corpus de não seu agrado, que fora protocolado no Supremo Tribunal (salvo engano impetrado por Rui Barbosa em favor dos aprisionados na Revolta da Armada) que agitava os albores da nossa nascente República: – “E depois, quem irá conceder Habeas Corpus ao Supremo Tribunal?”, perguntou o Marechal de Ferro a um seu áulico circunstante. E a História bem explicita em seus anais que não faltaram cortesãos ao Marechal. Inclusive no Supremo Tribunal.
Igual, sempre o mesmo: um Poder submetendo o outro; por absoluta imposição da Força. Manda quem pode e só resiste quem tem estirpe.
Nos momentos de turbulência, a História é farta no convite ao guerreiro, ao santo, ao milagreiro, aquele que comanda o trovão e a tempestade, para varrer a desordem, rumando o cacete se necessário.
É risível mas ordinário, mas o povo sempre graceja e aplaude os “Dezoito de Brumário”, embora sejam ironizados como trágicos, burlas ou farsas , e por aqui: novembradas.
Nostálgica ou grotescamente o povo se alegra toda vez que gestos fortes fustigam a desordem, e há exemplos às mancheias a considerar, embora os ingênuos sempre os menosprezem, como se tal olvido lhes concedesse um antídoto, uma vacina, um escudo intransponível contra qualquer ameaça totalitária.
Uma alegria tornada algaravia quando enseja discursos de rasa galhardia, como o visto na sessão do Senado que julgou o Colega boquirroto.
Quanta falta de coragem para repelir o golpe de um Poder sobre o outro Poder!
Porque foi isso apenas: um golpe de um Poder sobre o outro!
No mais, só os discursos radicais dos líderes nanicos em bancadas e votos, seguidos pelos que deveriam ser racionais e conscienciosos, mas que restaram pantanosos e medrosos, quando não pusilânimes apenas.
E quando a fraqueza ataca a fibra dos homens, não há dorso nem torso que lhe dê reforço. A violência consentida sempre será um convite a uma porrada maior, seja das baionetas desrespeitosas ou de qualquer comitê de salvação pública, erigido em plúmbea veste.
O Senado agiu correto? No meu entender, divergindo da imensa maioria que o deseja em menosprezo, o Senado errou mais que acertou.
E não se trata de ser a favor do PT ou contra, seja do Governo de Dilma, de Cunha, o Deputado, muito menos avaliando os erros do Sr. Delcídio que agora se apresenta como o mais sujo da vez.
No meu tosco entendimento, o Senado é que foi violado; Violentado! Só não sabemos se irá ser fertilizado, porque não se diga que foi uma transgressão delicada, por ser togada!
Porque a Toga erra também! E não erra menos, quando ousa posar de incólume Moderador!
Daí os Três Poderes: Ou se nivelam, ou não se respeitam. O tempo dirá que vivemos uma época de pouca luz.
Mas, em tantos aplausos de acolhimento em votação explícita, ao vivo e em cores na TV, pelo menos nos pouparam das justificativas por amores acendrados na tolice!
Que me perdoem por pensar diferente!