Pragas Políticas

Quando Luiz Carlos Prestes, em 1925 e 1926, varou o chão brasileiro com sua Coluna Invicta, encontrou, de acordo com o que escreveu Lourenço Moreira Lima 3 Desgraças: O Chefe Político, o Juiz e o Delegado, espoliando a vida social, ou o pouco que havia dela, como herança de poder  que a República dava visibilidade. Dizia o Secretário da Coluna Prestes que o Chefe Político, era um “coronelão boçal, que furta as rendas do município”, o Juiz estava “a serviço dos fazendeiros” e o Delegado, era “ venal e subserviente.”De logo, convém sublinhar que o Brasil já havia tentado corrigir essas anomalias presentes na vida nordestina, fazendo, para tanto, movimentos revolucionários nos quartéis do Exército no Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe, sublevando Tenentes e outros jovens oficiais.

O Brasil padecia, então, da falta de uma Poor Law (Lei dos pobres) e por isto as populações eram bafejados por medidas quase sempre clientelistas e de interesse eleitoreiro. Como havia definido Marshall (The Marshall lectures, introdução de Walter da Costa Porto, Brasília, 1988), três elementos compõem a cidadania: “Uma parte civil, relativa aos direitos necessários à liberdade individual (que são garantidos pelos Tribunais de Justiça), uma parte política, referente ao direito de participar no exercício do poder político (exercida principalmente nos parlamentos) e uma parte social – tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança, ao direito de participar, por completo, na herança social.”

O quadro, pintado com as cores vivas dos testemunhos, valia para aquela década que precedeu a Revolução de 1930, como valeu antes, nas décadas finais do Império, e valeu depois, quando a experiência política construiu na linha do tempo, um modelo concentrador de poder, com o qual o Brasil atravessou as décadas de 1930 e 1940. O impulso democrático do fim da II Guerra Mundial parece não ter tido força para barrar a herança da República Velha. A própria idéia de República sofreu adaptações, para justificar a aceitação, nos Estados, do adesistas que vinham com todo o prestígio do velho regime. Pode até parecer contraditório, mas foi a República que consolidou as práticas que foram identificadas como as 3 Desgraças.

Há uma farta documentação que comprova a força do Delegado (ou do Chefe do Destacamento policial), a autoridade do Juiz (muitos agiam partidariamente) o poder do Exator, agindo em combinação, ou em disputa hegemônica. Durante a Monarquia o velho e sábio Tobias Barreto dizia que só conhecia o Estado pelo fiscal, que lhe cobrava impostos, e pelo soldado, que lhe metia medo. A modernização da vida social, a evolução política, a liberdade econômica, tudo tem concorrido para uma lenta e gradual mudança, sem contudo apagar os resquícios anteriores, que do Império passaram para as diversas fases da República, e que sobrevivem, em certa medida, ainda hoje.

O jogo do Poder tem justificado, em épocas distintas, velhos vícios. Por qualquer ângulo que seja vista, a história é rica em detalhar comportamentos, incorporando na prática quase tudo aquilo que o discurso eleitoral critica. Deixando o Império de fora, tomando a República, nos seus capítulos mais conhecidos, há uma farta documentação comprobatória do tráfico de influências, que a política, pela via das arrumações partidárias, termina por legitimar. O general Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão, portador de uma biografia respeitável, foi um elemento de contato da República, que ele ajudou a proclamar. Não impediu, contudo, que os adesistas galgassem posições destacadas no novo regime e atrapalhassem as pretensões dos valadonistas. O monsenhor Olímpio Campos é bem um exemplo, pois sendo chefe forte dos últimos anos da Monarquia, aderiu à República, sendo aquinhoado com a Intendência de Aracaju, por gesto do republicano Felisbelo Freire. Os republicanos considerados históricos tiveram que enfrentar o desconforto da convivência com os novos republicanos. Silvio Romero, Fausto Cardoso e muitos outros sofreram a decepção dos acertos feitos pelos representantes do poder.

Em 1911, na sucessão do presidente Rodrigues Dória, já com Olímpio Campos morto, o nome do general Valadão aparecia com todas as chances de garantir o seu retorno ao Palácio do Governo (ele havia sido Presidente do Estado, de 1894 a 1898) e daí em diante amargou a escalada de Olimpio Campos. O Presidente eleito, por decisão partidária tomada no Rio de Janeiro, foi outro general, José de Siqueira Menezes, espécie de ponto de equilíbrio entre os herdeiros do poder republicano. Valadão reaparece e é eleito em 1914, e faz tudo para eleger o seu substituto e genro Pereira Lobo (1918-1922), que antecede Graccho Cardoso.

Para ilustrar aquele período da história, vale transcrever telegrama passado de Rosário do Catete, pelo vigário Serapião, dirigido ao general Valadão: “Acabo ser afrontado  sargento Varjão junto ex comandante destacamento desta vila contra o qual me queixei a vossa excelência. Passaram por mim acompanhados soldados criminosos dizendo-me altas vozes me dariam ensinamento. Peço providências urgentes e garantia vida. Ao concluir telegrama passaram novamente ameaçadores minha porta.” O general Valadão, que era então Presidente (1915) faz um despacho para Deodato Maia, Chefe de Polícia, nos seguintes termos: “Faça substituir o destacamento do Rosário e verifique o que há sobre o objeto deste telegrama. Valadão.”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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