Priscila Antônia dos Santos
Graduanda em História
Universidade Federal de Sergipe – UFS
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
Bolsista Pibic – CNPq
Na manhã de 28 de maio do ano de 2019, jornais sergipanos noticiavam uma operação da Polícia Federal, a qual cumpria um mandado de busca e apreensão de equipamentos multimídia utilizados para divulgação de conteúdos nazistas e antissemitas, através de perfis de redes sociais. Não foram divulgados nomes nem endereços. Apenas sabemos que tudo ocorreu na cidade de Aracaju.
Notícias como essas causam estranhamento e espanto, pois o auge do nazismo ocorreu na Europa durante a II Guerra Mundial (1939-1945), sempre parecendo um evento distante no tempo e espaço. Entretanto, Sergipe, em especial, vivenciou os torpedeamentos de navios mercantes (Araraquara, Baependi e Aníbal Benévolo) no seu litoral, em agosto de 1942, pelo submarino alemão U-507. Após tal ataque, o Brasil declarava guerra ao Eixo (Alemanha, Itália, excetuando o Japão). Contudo, o antissemitismo também pairava nos ambientes sociais sergipanos daqueles dias.
Os clubes de Sergipe da década de 1940, como o Cotinguiba e a Associação Atlética, por exemplo, eram os pontos mais badalados de Aracaju. Ali, ocorriam festas, bailes e chás dançantes. Além das atividades sociais, se destacavam como organizações esportivas, que realizavam campeonatos, torneios de futebol etc. Eram tidos como ambientes de sofisticação, onde frequentemente se reuniam pessoas de maior poder aquisitivo como políticos, empresários, entre outros. Mas, nesses mesmos meios elegantes, também circularam ideias racistas, como veremos a seguir.
O jornal A Tarde, de Salvador, publicou, em outubro de 1944, a notícia sobre a expulsão de judeus da Associação Atlética; informação que foi rebatida pelo vice-presidente do clube, José Viera Vasconcelos, classificando a medida como antidemocrática e que estaria fora de cogitação. Sendo a Associação idealizada para a “distinta” sociedade sergipana, não poderia estar vinculada à ideologia xenófoba.
Pouco depois, em 26 de outubro de 1944, o Sergipe-Jornal divulgou um telegrama das entidades esportivas sergipanas endereçado ao diretor do A Tarde negando que tenha ocorrido a hipótese de abolir os judeus dos clubes. A mensagem enviada rebatia as acusações: “viemos lançar veemente protesto contra essa monstruosa calunia, firmando sem receio contestação, entidades esportivas nunca alimentaram animosidade relacionadas questões de raças, conservando seu seio judeus desportistas residentes neste Estado” [sic].
Apesar do repúdio à publicação do periódico baiano, chama atenção o final do telegrama, em que os clubes sergipanos deixaram suas assinaturas, reafirmando a não concordância com a notícia de Salvador. Assinaram os presidentes do Palestra F.C, Sergipe S.C., Vasco F.C., Cotinguiba S.C., Paulistano F.C., C.N. Brasil, Olimpico F.C. e S. C. Aracaju. Curiosamente, a assinatura da Associação Atlética, a entidade mencionada pelo jornal baiano, não constou no telegrama.
Como podemos perceber, as ideias racistas originadas do outro lado do Atlântico, ainda que parecessem longínquas, encontraram, aqui, terreno para aflorar. Na década de 1940, tínhamos a ocorrência de um conflito mundial. Hoje, quais as condições que permitem a permanência desses pensamentos racistas?
Para saber mais:
INFONET. PF apreende celulares e computador de suspeito de apologia ao nazismo. Aracaju, 28 de maio de 2019. Disponível em: https://infonet.com.br/noticias/cidade/pf-apreende-celulares-e-computador-de-suspeito-de-apologia-ao-nazismo /. Acesso em: 25/09/2019.
MAYNARD, Andreza Santos Cruz. Carestia e roubo de galinhas: problemas no cotidiano de Aracaju. In: MAYNARD, Andreza Santos Cruz. MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Leituras da Segunda Guerra Mundial em Sergipe. Editora UFS. São Cristóvão-Sergipe: 2013.