Professores para sempre

O falecimento na última sexta-feira 14 de dezembro da Professora Normélia Melo me fez lembrar dos meus antigos professores do Ginásio Jackson de Figueiredo.  O Ginásio correspondia hoje aos quatro últimos anos do 1° Grau.

Naquele tempo o atual 1° Grau era dividido em Primário e Ginásio. Depois viria o Curso Colegial, hoje 2° Grau, que naquele tempo se dividia em Científico ou Clássico, um destaque do Atheneu Sergipense, então chamado Colégio Estadual de Sergipe.

 

Antes de ir para o Ateneu estudei o Primário no Educandário Brasília e o Ginásio no Colégio Jackson de Figueiredo.

 

Fui, ou quase isso, um aluno fundador do Educandário Brasília das Professoras Helena Barreto, Alaíde e Lourdinha Oliveira, lá pelos idos de 1953.

 

Naquele tempo o Colégio Brasília se rivalizava com o Salvador na qualidade do ensino. Hoje só resiste o Colégio Salvador, ampliado, renovado e embelezado em novo prédio, sempre conjugando eficiência e seriedade.

 

Quanto ao Brasília, este não resistiu à concorrência e ao modismo dos novos colégios. É difícil convencer as pessoas que menosprezam uma tradição de eficiência no ensino, do valor de um aprendizado sólido e sedimentado. Muitos estão a procurar a escolinha risonha e franca que promete um sucesso do vestibular com menor esforço; uma espécie de “máquina” para consegui-lo, se possível com aprendizado em meio a sono, e/ou divertimentos.  E assim o resultado do vestibular sempre é alcançado com sucesso, mesmo porque as vagas se reproduzem ano a ano nas diversas faculdades surgidas. Ninguém fica de fora, a menos que não tenha despendido uma maior diligência no estudo. Ou melhor, só se fica de fora quando se quer ser aprovado nas carreiras de muita concorrência, tipo Medicina, Direito, sem qualquer esforço. Mas, muita gente acha que basta escolher um destes “cursinhos” milagrosos. E assim os terceiranistas assistentes lotam todas as classes.

 

Mas as classes do Brasília e do Salvador de meu tempo eram apenas do Curso Primário. De modo que uma vez findo o Primário o menino tinha que prestar o Exame de Admissão ao Ginásio, com provas de Português, Matemática, História, Geografia, Dissertação e Ditado. Tinha também uma prova do Departamento de Educação, em que o Governo do Estado avaliava o ensino Primário de então.

 

Do meu Exame de Admissão ao Jackson de Figueiredo, estou a lembrar o Ditado, passado pela Professora Áurea Zamor de Melo, irmã da falecida Normélia Melo. Ainda lépida, com mais de cem anos de vida, Professora Zamor parece a mesma cinqüenta anos em minhas lembranças. Hoje, ainda estou a ouvir o eco de suas palavras, pronunciando pausada e castiçamente o Ditado do meu exame de admissão ao ginásio: – “O meu cofre. Como era bonito o meu cofre…”.

 

Ingressando no Jackson de Figueiredo, passei a usar calças compridas. Antes eu só tinha calças curtas. Era menino; menino do primário. E calça curta era uma humilhação para quem aos 11 anos não se queria mais menino. Depois, muito tempo depois é que calça curta recebeu o nome de bermuda, sendo usado por homens e mulheres, velhos, jovens e meninos. Mas, naquele tempo só com o ingresso no ginásio é que passei a vestir calça comprida. Uma suprema glória ginasiana, entre tantas como muitos alunos do casal Benedito e Judite Oliveira, diretores do Colégio Jackson de Figueiredo.

 

No Jackson estudava meio mundo de gente, sobretudo alunos internos vindo do interior do Estado, bem como da Bahia e Alagoas. A disciplina era férrea. Começava com uma preleção de D. Judite, pronunciada a partir das 12h45min Horas, em pleno sol, com casquete na cabeça e blusão, coberto de caqui fechado e sufocante, da cabeça aos pés. A temática da preleção era de natureza ética e disciplinar. Afirmava-se quase diariamente que ali não se fazia “questão de quantidade, mas sim de qualidade”.

 

E a disciplina era mantida com muito rigor. Alguns alunos, sobretudo internos quando se comportavam mal, tomavam reguadas disciplinadoras de D. Judite. Havia uma régua de madeira para isso na diretoria. Já o Prof. Benedito, preferia dar tapas nas costas dos alunos recalcitrantes. Era comum alguns pais autorizarem o espancamento dos filhos. Coisa terrível hoje, mas muito comum até então. Hoje, felizmente, não se usa o cinturão e a palmatória na educação dos jovens.

 

Mas, naquele tempo a coisa era na força bruta; na paulada e no castigo, embora eu nunca testemunhasse exageros.

 

Como aluno do Jackson eu vi muita gente ser castigada. Nunca foi o meu caso. Acho que o meu comportamento era mais brando. No máximo fiquei algumas vezes “preso”, de castigo, sem poder voltar logo para casa. Nada que despertasse reprimendas em casa, porque sempre eu arrumava uma desculpa convincente para o “atraso”.

 

Na verdade, eu nunca fora nem mal comportado nem indisciplinado. Geralmente os tais castigos eram frutos de intolerância de alguns bedéis, rapazes simples e pobres, que se queriam mais importantes que tudo, só porque estavam no comando, empertigados em ternos e gravatas. Um deles, de nome Alberto, era também aluno da mesma turma. Um mau aluno por sinal. Queria passar nas provas “colando” De mim e de outros mais aplicados. Depois, como lhe negávamos a “cola”, por vingança maximizava qualquer riso ou brincadeira e nos colocava de castigo. Mas, não teve apelo. O bicho ficou reprovado sem piedade. Não estudava!

 

Dos Professores do Jackson eu tenho excelentes lembranças. A Professora Normélia Melo, recentemente falecida, que lecionou Matemática no 1° e 2° ano e Geografia no 2° ano. Se na Geografia Professora Normélia nos levava a passear em todos os quadrantes do globo, na Matemática me chega melhor a sua lembrança. Estou a vê-la discorrer sobre números inteiros e fracionários, produtos, quocientes de números relativos, potenciação, radiciação, utilizando os textos de Algacyr Munhoz Maeder, publicados pela Editora Melhoramentos. Coisas que aprendi, como extrair a raiz quadrada de um número, que hoje ninguém mais quer saber. Cálculo de áreas, de volumes, etc. Tudo isso numa linguagem simples, didática e sem mistério.

 

Outra excelente figura de mestre foi o Professor Jugurta Feitosa Franco. Foi meu professor de História e de Latim. Estou a vê-lo discorrer sobre a intolerância das guerras religiosas na França, da noite de São Bartolomeu, passando pelo fausto do Rei Sol, pelo terror Revolucionário de Marat, Danton e Roberspierre. Falando também da sua própria vida, enquanto sacerdote que largara a batina, e que sentira sobre si a intolerância dos homens, e da Igreja a excomunhão, mas que vivera sua fé com recolhimento e humildade, se fazendo exemplo para seus filhos e alunos. Ele que depois veria a sua sempre Igreja mudar, se humanizar e perdoar, aceitando a sua particular declinação de amor em todas as desinências e conseqüências.

 

E aqui eu insiro um fato narrado a mim por Jugurta, um dos seus filhos: – “Uma das maiores alegrias de meu pai, já maduro, realizado profissionalmente, cheio de filhos e netos, foi poder receber o Sacramento do Matrimônio por autorização expressa do Papa. Eu nunca vi meu pai tão feliz como no dia do seu casamento com minha mãe, quando entramos, todos, filhos, genro, noras e netos, em cortejo na Igreja”.

 

Pois é, uma Bula desfizera outra Bula, e aquele casal harmonioso reafirmava o seu amor e a sua confiança no Deus que nunca os abandonara. Mesmo quando sofria o rigor romano segundo o qual Roma locuta, causa finita. Um tempo em que melhor era tudo esquecer, se esforçando apenas em ser um exemplo de retidão e caráter, ser um mestre cultor do lácio, tentando por nas cabeças dos jovens, como eu, a sede cultural do saber românico, nos Ludus do Pe. Milton Valente S.J. e na Gramática Latina de Vandick Londres da Nóbrega, e nos textos esparsos De Bello Gallico. Saudades que me ficam em ternura e amizade do velho mestre que se foi, deixando a lembrança impregnada pelo seu exemplo e saudade.

 

Outro mestre que também partiu há algumas dezenas de anos foi o Professor de Matemática, José Gesteira, meu vizinho da Rua de Pacatuba. Aprendi com ele razões, proporções, porcentagem, juros simples e compostos. Era uma figura interessante com sua voz nasalada. Gostava de brincar com os alunos e argüi-los no quadro. Lembro algumas vezes me mandando ao quadro-negro que chamava de “pedra” – “Seu Nonon!” – Este era o meu apelido na rua em que morávamos. – “Vá à pedra, seu Nonon!” – O Professor Gesteira era casado com a Professora de Piano D. Maria Guimarães, pais do Dentista Luis Gesteira, vizinhos todos na Rua de minha infância. Lembro que os Gesteira tinham um carrinho tipo romizeta. Uma espécie de carro cupê, diferente dos atuais, com duas portas que se abriam em leque para traz. Algumas vezes a convite do casal Gesteira, dei alguns passeios neste carrinho tipo romizeta. Isso, porém, fora num tempo em que eu só usava calça curta.

 

Morto também. Todos mortos! Igual a Professor Feijó de Música e Canto Orfeônico, discorrendo sobre notas e claves, semibreves e colcheias, argüindo-nos em solfejo e no Hino Nacional recitado, Professora Zulnara, bem velhinha, e Professora Cecília Teixeira ensinando trabalhos manuais e religião. Professor Gileno de Jesus, outro ex-padre, lecionando História. Professor Sérgio Silva, arquiteto da Prefeitura Municipal de Aracaju. Que figura admirável! Como eu gostava das aulas de desenho, com o meu caderno recebendo muitos 10! Os professores de inglês Manoel e Franklin, ofegante em sua bicicleta, correndo de colégio a colégio, lecionando o Spoken English de João Fonseca.

 

E outros que ainda estão no nosso convívio, como a professora Lucila de Francês, Maria de Lourdes de Português, Wilma Santana, minha vizinha muito querida, excelente professora de História, Antônio Joaquim Filho, um dos melhores professores de Matemática que tive, por organizado e didático. Impossível não desvendar todos os mistérios das equações do segundo grau e suas incógnitas após ás explicações de Joaquim.

 

Enfim, professores excelentes que me ficaram na memória e na formação. Professores que ficaram para sempre, como sempre ficam os professores, presentes na formação dos jovens.

 

É, portanto, com saudade destes mestres que estou a relembrá-los agora neste momento de partida da Professora Normélia Melo.

 

E assim estávamos meu primo e colega Murilo Cabral Tavares e eu, sem marcar encontro, no velatório Osaf nos despedindo da velha mestra de quase cinqüenta anos passados, junto ao seu caixão, ajuntando com as nossas lágrimas aquelas dos seus familiares e mais próximos.

 

Louvando a sua vida, uma curta vida de 94 anos, destinada aos muito bons, um longo tempo de semeadura para sempre. Porque um professor sempre prossegue em seus alunos, deixando algo que permanece e continua. E sempre continuará, porque tudo é graça de Deus.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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