Provocando o MP

Que a corrupção e a impunidade são os males metásticos que corroem as entranhas do Brasil, isso toda gente de bem já está esgotada de saber. Também é amplamente sabido que a legislação é retrógrada e frouxa e que a Justiça tarda e falha. Quando se trata de punir criminosos ricos, procrastina-se até o esquecimento do caso. E se for gestor público, então, quase nunca se denuncia. Daí se perguntar: o que faz o Ministério Público?

 

Nem sempre sensato, muitas vezes confuso nas suas opiniões, o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, cunhou recentemente uma afirmação bastante nítida chamando a atenção para a ausência do Ministério Público nas questões que envolvem improbidade administrativa. “O Ministério Público está presente em muita coisa. Até em show em área pública. Mas, quanto à Lei de Responsabilidade Fiscal, não faz rigorosamente nada. Governadores receberam restos a pagar e outros débitos não inscritos muito maiores que as disponibilidades financeiras. O que fará o MP?”, pergunta o alcaide carioca no seu Ex-Blog.

 

É inevitável que a questão remeta aos problemas financeiros amplamente divulgados por Marcelo Déda. Na semana passada, no primeiro encontro com os prefeitos sergipanos, o governador pediu compreensão neste primeiro semestre, falou em arrumar a casa, relacionou medidas duras mas necessárias para colocar as contas em dia e informou que o débito da administração direta até então apurado chega a R$ 60 milhões. “Um outro problema é que, atualmente, só podemos contar com recursos próprios do Estado, porque a Secretaria do Tesouro Nacional tirou a certidão de regularidade fiscal de Sergipe. Isso quer dizer, que enquanto essa situação não for regularizada, só poderemos ter acesso a recursos federais na Saúde, Educação e Assistência Social”, informou o governador, prosseguindo na política de tornar o mais transparente possível tudo o que está acontecendo na máquina pública estadual. Ele não diz publicamente, mas há uma previsão de que o Estado economizará R$ 300 milhões por ano somente com o equilíbrio das contas e a contenção dos “desperdícios”.

 

Há fatos graves revelados agora. Talvez o mais prosaico, embora trágico, seja o desvio de 123 toneladas de carne que deveriam chegar às mesas das escolas para servir a estudantes pobres. É como se tivessem roubado uma boiada grande, de 500 bois prontos para o abate, avaliada em R$ 350 mil. O ex-secretário Lindberg Lucena diz não acreditar que tenha havido o crime, enaltece a honestidade da ex-diretora da Alimentação Escolar, Zeneide Aragão, mas diz que quer ver tudo apurado. Verdade seja dita: isto é o que todos desejam.

 

Há outras denúncias que envolvem a merenda escolar, relacionadas por exemplo ao superfaturamento de preços, que estão chegando ao conhecimento do Ministério Público, Estadual e Federal, através do Sintese, o sindicato dos trabalhadores na educação estadual. Como órgão curador do patrimônio público, o Ministério Público nem precisaria ser provocado, poderia agir de ofício e iniciar uma investigação imediata sobre esses supostos escândalos. Mas já que o Sintese adiantou o serviço, é bom que os senhores procuradores e promotores levem até as últimas conseqüências a apuração dos fatos e denunciem à Justiça os verdadeiros culpados, se houver. Lembrem que nem só de proteção ao meio ambiente e ao direito do consumidor são feitos os direitos individuais e coletivos.

 

O que diz a lei

 

Constituição da República Federal do Brasil

Art. 129 — São funções institucionais do Ministério Público:

II — zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

 

Lei de Improbidade Administrativa

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destina a apurar a prática de ato de improbidade. 

§ 1º. A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento. 

§ 2º. A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do artigo 22 desta Lei. 

§ 3º. Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos (…).

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar. 

§ 4º. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará, obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade. 

Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta Lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no artigo 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

 

MP também contém gastos

 

A procuradora-geral de Justiça Cristina Mendonça encaminhou ofício circular a todos os promotores informando-lhes da adoção de medidas que visam à contenção de despesas, atendendo os dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias e de Responsabilidade Fiscal. As medidas mais radicais foram a suspensão dos pagamentos de Adicionais de Trabalhos Técnicos, concedidos a servidores que faziam parte de “Comissões Especiais” do Ministério Público, e a exoneração de duas dezenas de funcionários que ocupavam cargos em comissão, impactando a folha de pagamento em mais de R$ 200 mil mensais. Estes comissionados foram nomeados pelos dois últimos procuradores-gerais, Moacyr Soares da Motta e Luiz Valter Ribeiro Rosário, no curso de oito anos.

 

Há um médico, que ali ingressou sem concurso público, que estava recebendo quase R$ 16 mil em face de gratificações, evidentemente inexplicáveis, acumuladas no período de 10 anos. Tal remuneração ultrapassa o subsídio de um promotor de Justiça de 2ª Entrância. Um jornalista fazia jus a um salário de R$ 12 mil. As providências administrativas, cunhadas de rigorosidade, objetivam o custeio e investimento na máquina do MP. Prevê-se a realização de concurso público para servidores da instituição. As medidas tomadas por Cristina Mendonça contam com o apoio integral dos promotores de Justiça.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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